24 Abril 2023
A aplicação de agentes químicos na agricultura cresceu exponencialmente, a partir dos anos 1990, principalmente na América do Sul, onde há menos regulamentação, e graças a um mercado controlado por um punhado de grandes corporações, que também monopolizam a venda global de sementes.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 18-04-2023. A tradução é do Cepat.
Há 50 anos, a bióloga Rachel Carson alertou o mundo sobre como o uso intensivo de agrotóxicos estava envenenando os ecossistemas. Seu livro Primavera Silenciosa descrevia a destruição ecológica que produtos como o então generalizado DDT provocavam.
Meio século depois, a aplicação de agentes químicos no controle de pragas agrícolas está mais forte do que nunca. Os produtos são diferentes dos estudados por Carson, com efeitos menos agudos, mas despejados em grandes quantidades: o volume de agrotóxicos aumentou 80%, desde 1990, segundo uma pesquisa de Amigos da Terra e a Fundação Heinrich-Böll-Stiftung.
“Atualmente, o consumo mundial de agrotóxicos é de quatro milhões de toneladas”, avalia este trabalho. Metade deles são herbicidas, um terço são inseticidas e 17% são usados contra fungos.
A América do Sul é onde mais são aplicados: cerca de 770.000 toneladas, em 2020, 119% a mais do que no início do século XXI. Na América Central, foram mais de 90.000 (+36%). Na Ásia, foram aplicadas outras 658.000 toneladas (um aumento de 7,7%).
O volume utilizado na África também cresceu muito. Em 2020, registrou-se 105.000 toneladas, um salto de 67%. Na América do Norte, foram utilizadas 486.000 toneladas (+1,8%) e na Europa 468.000 toneladas (uma redução mínima de 0,2%).
Este Atlas dos agrotóxicos explica que embora esses produtos “tenham sido desenvolvidos para evitar perdas de safras - que, ao longo da história, causaram fome -, também geram problemas”. Entre os agrotóxicos mais vendidos, estão glifosato, paraquat, atrazina e neonicotinoides.
Em 2007, a ONU calculava que, naquele momento, já havia uma produção de alimentos suficientes para alimentar 12 bilhões de pessoas. “A produção de grãos duplicou, entre 1960 e 2000, mas a um custo alto”. Em 2019, a organização calculava que mais de 800 milhões de pessoas passavam fome, “apesar de o mundo desperdiçar mais de 1 bilhão de toneladas de alimentos por ano”.
Entre esses problemas, o holocausto de insetos que se espalha por todo o planeta é um dos mais destacados. O colapso das abelhas e sua relação com os agrotóxicos neonicotinoides também já estão comprovados. Tanto que a União Europeia proibiu tais produtos ao ar livre. O mesmo não ocorre em outras partes do planeta.
De fato, as populações de insetos voadores entraram em colapso. Em pouco mais de 25 anos, diminuíram 75%, segundo um grupo de pesquisadores alemães (e isso na revisão de áreas protegidas). Muitas espécies de insetos são, simplesmente, essenciais para os seres humanos. Entre seus serviços estão a polinização de cultivos, a reciclagem de nutrientes e o próprio controle de pragas.
Os grãos não requerem a polinização por insetos, mas frutas e legumes, sim. São dois tipos de produtos que constituem um ponto forte da produção agrícola espanhola. As amendoeiras da Califórnia (80% do mundo) precisam alugar colmeias de abelhas que viajam centenas de quilômetros para polinizar suas árvores. Na China, frente ao desaparecimento dos insetos, os agricultores precisam fazer esse trabalho manualmente.
Além disso, na Espanha, a intensificação da agricultura que acarreta um elevado consumo de agrotóxicos também tem sido associada ao declínio das espécies de aves estepárias.
O trabalho dessas organizações explica que a quantidade de agrotóxicos usados levou ao “aumento das intoxicações em todo o mundo, especialmente no Sul Global”. E calculam que 385 milhões de pessoas sofrem alguma intoxicação por esse motivo. Sobretudo, os trabalhadores agrícolas que, devido à precariedade, não têm capacidade para se protegerem, seja por ignorarem as condições de utilização segura dos produtos, seja por não terem acesso aos equipamentos necessários.
Na Europa, uma compilação de dados publicada no ano passado mostrava que um em cada três cidadãos apresentava vestígios de agrotóxicos em seu cabelo.
Ciente do problema, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mantém um código de boas práticas para diminuir “os riscos dos agrotóxicos, com o objetivo de reduzir ao mínimo os efeitos adversos para os seres humanos, animais e meio ambiente”. O código, isso sim, é “de caráter voluntário”.
O uso em massa desses produtos gerou um mercado muito grande. “Em 2023, espera-se que o valor total chegue a quase 130,7 bilhões de dólares”, diz o Atlas. Segundo a pesquisa, o setor quase dobrou, nas últimas duas décadas.
Na liderança do negócio, está a União Europeia, a principal exportadora de agrotóxicos, apesar de ter restringido sua aplicação em solo próprio. Além disso, a partir da União Europeia, são produzidos e vendidos compostos químicos para o exterior, cujo uso interno foi proibido devido aos seus efeitos tóxicos. “Em 2019, os países da União Europeia e a Grã-Bretanha aprovaram a exportação de 140.908 toneladas de agrotóxicos” vetados na Europa, calcula o trabalho.
Nesta categoria, os principais países exportadores foram o Reino Unido, a Alemanha e a Espanha. O principal receptor de agrotóxicos com princípios ativos inaceitáveis nos campos europeus foi o Brasil, seguido pela Ucrânia e África do Sul. “No Sul global, as regulamentações para o uso de agrotóxicos são menos rígidas”, analisa o Atlas.
O mercado de agrotóxicos está monopolizado em poucas mãos: quatro grandes empresas – Bayer, Syngenta, Basf e Coterva – controlam 70%. “Há 25 anos, controlavam apenas 29%”, lembra a análise para ilustrar a concentração do setor. Esses gigantes também dominam o mercado de venda de sementes agrícolas: controlam 57% do mercado, 25 anos atrás, era 21%.
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Produção industrial de alimentos inunda o mundo com 80% a mais de agrotóxicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU