27 Março 2023
Na convicção de que por trás de todo abuso sexual existe um abuso de poder, e que ignorar ou encobrir os sinais de uma vítima lhe inflige uma segunda ferida, o Papa confirmou e estendeu as normas para sancionar o encobrimento das denúncias. De fato, Francisco tornou definitiva uma providência que havia promulgado "ad experimentum" em 2019 e ampliou a responsabilidade: se até então eram os bispos e os superiores de uma ordem religiosa que podiam ser "negligentes", no final de um processo eclesiástico, agora são considerados responsáveis também os leigos à frente de "associações internacionais de fiéis". Explicando melhor, de Comunhão e Libertação ao Movimento dos Focolares, dos Foyers de Charité franceses ao movimento apostólico alemão de Schoenstatt aos Escoteiros da Europa.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 26-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“O bispo”, explica monsenhor Filippo Iannone, prefeito do dicastério para os Textos legislativos, “pode ser autor de um abuso sexual ou do crime de acobertamento: o texto fala em interferência com ações ou omissões na realização das investigações. Um bispo pode ser irrepreensível pessoalmente, mas ter intervindo, ou não, para dar seguimento a denúncias em relação a terceiros. Hoje isso também vale para um superior de uma associação".
A Igreja vem lutando com a crise dos abusos sexuais há décadas. Começando, em particular, com a explosão do caso nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, graças às investigações de Boston Globe, superou uma “mentalidade um tanto ingênua”, como explica o jesuíta argentino Damián G. Astigueta, moderador de um curso que a Pontifícia Universidade Gregoriana iniciou em Jurisprudência penal. Se a conscientização já está madura em alguns países, em outros ainda está presente a tendência a negar. Razão pela qual, em fevereiro de 2019, Jorge Mario Bergoglio convocou a Roma os presidentes de conferências episcopais de todo o mundo para uma cúpula extraordinária sobre a pedofilia aberta pelos testemunhos de quatro vítimas.
Poucos meses depois ele promulgou o motu proprio Vos Estis Lux Mundi, vós sois a luz do mundo, que agora se tornou definitivo. A conjugação dessa disposição com as normas gradualmente introduzidas no direito canônico faz com que a negligência em casos de abuso seja uma das "causas graves" para a remoção de um bispo.
Desde então, pediram demissão uma dezena de bispos poloneses e um bispo estadunidense, Mons. Michael Hoeppner. Foi investigado e depois liberado o histórico secretário de João Paulo II, o Cardeal Stanislaw Dziwisz. E foi condenado por abusos - não por encobrimento - o ex Bispo de Timor-Leste e Prêmio Nobel da Paz, Carlos Belo. Mas os dados completos não são conhecidos. Segundo o site estadunidense BishopAccountability.org, existem 40 bispos no mundo que foram investigados: 18 por abusos e 22 por encobrimento. A organização agora julga insuficientes as novas normas e pede que sejam publicados os resultados de cada investigação. Para o Cardeal de Boston Sean O'Mally, presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, “A permanência agora dada às normas põe fim à cultura da impunidade dentro da nossa Igreja".
A providência estabelece que além do "menor" e da pessoa que "habitualmente tem um uso imperfeito da razão” (casos reservados ao dicastério para a Doutrina da fé) seja considerado vítima também o adulto temporariamente “vulnerável”: pode ser o caso de uma freira abusada pelo padre espiritual: depois da pedofilia, o outro drama, ainda pouco conhecido, da Igreja.
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Abusos sexuais acobertados, pressão do Papa. Também os leigos negligentes serão punidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU