24 Março 2023
“É necessário lembrar que esta crise alimentar não é determinada apenas pela guerra na Ucrânia, mas sua causa é a extrema fragilidade do atual sistema alimentar globalizado. Um sistema alimentar que é insustentável, criador da crise alimentar e que provoca, agora, a consequente crise da dívida associada”, escreve Javier Guzmán, diretor da organização Justiça Alimentar Global, em artigo publicado por El Salto, 20-03-2023. A tradução é do Cepat.
Conseguem imaginar uma manchete assim? Ainda mais quando somos um país produtor de alimentos. Bem, essa é a realidade de muitos países, neste momento de crise nos preços de alimentos, que enfrentamos com tanta crueldade e que atinge milhões de pessoas em todo o mundo, e são especialmente os países mais empobrecidos os mais afetados.
Antes da guerra da Ucrânia, já estávamos imersos em um aumento nos preços dos combustíveis e fertilizantes, que só piorou no ano passado e que, portanto, está levando milhares de pessoas à fome e à desnutrição. Esta crise, já comprovamos, não caminha para uma solução rápida, mas continua aumentando e se aprofundando, levando muitos países a uma situação crítica.
Somou-se à crise alimentar uma enorme crise da dívida, pois se dedica boa parte dos recursos à importação de fertilizantes, energia e alimentos, e se somamos a isto o aumento das taxas de juro em todo o mundo, a situação ameaça as contas públicas de muitos países.
O último relatório do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food) alerta que 60% dos países de baixa renda e 30% dos países de renda média correm um alto risco de superendividamento ou já estão endividados. Enquanto isso, 21 países estão se aproximando de níveis catastróficos, tanto da dívida quanto da insegurança alimentar. Zâmbia, Sri Lanka e Suriname já pararam de pagar suas dívidas.
Portanto, é necessário lembrar que esta crise alimentar não é determinada apenas pela guerra na Ucrânia, mas sua causa é a extrema fragilidade do atual sistema alimentar globalizado. Um sistema alimentar que é insustentável, criador da crise alimentar e que provoca, agora, a consequente crise da dívida associada.
Desde 2008, estamos em um permanente vaivém de crises alimentares cíclicas e aumento de pessoas que passam fome no mundo. Ao longo do caminho, nas últimas décadas, fomos acabando com os sistemas alimentares locais, com as capacidades de resiliência dos cultivos, provocando o abandono e o êxodo rural e a exclusão de mais e mais pessoas de uma alimentação saudável. Claro que, como sempre, há vencedores, basta olhar para a demonstração de resultados das instituições financeiras e dos grandes operadores alimentares.
Diante disso, precisamos reagir em nível internacional, mas também obviamente em nível local, para a transformação desse sistema alimentar fracassado. Precisamos sair do paradigma de alimentação neoliberal que nos levou a um beco sem saída, a um sistema cheio de contradições inadmissíveis e tão absurdas como a de que os números da fome e da dívida no mundo cresçam na mesma velocidade que os lucros dos grandes oligopólios dos alimentos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A fome se transforma em dívida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU