28 Fevereiro 2023
"Os países importadores devem se recusar a comprar biocombustíveis produzidos na Amazônia e devem boicotar o hidrogênio brasileiro, a menos que os planos de barragens amazônicas sejam abandonados", escrevem Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 23-02-2023.
Lucas Ferrante é doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e atualmente é pós-doutorando na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.
Eis o artigo.
Em 11 de janeiro a revista Nature destacou em um editorial a necessidade de a sociedade humana pôr fim ao uso dos combustíveis fósseis [1]. Em 21 de fevereiro publicamos uma correspondência naquela prestigiosa revista [2] (disponível aqui), apontando a necessidade de sustar projetos planejados para extrair petróleo e gás na Amazônia e explicando como a região poderia ser impactado por efeitos diretos e indiretos dos planos brasileiros para produzir combustíveis alternativos. Segue uma tradução do conteúdo da correspondência [3].
A eliminação gradual de petróleo e gás no cronograma imposto pelo limite de 1,5 °C [1] significa que o Brasil, como muitos outros países, terá que ajustar seus planos de energia em várias áreas.
Primeiro, o país deve abandonar o enorme projeto de petróleo e gás do Solimões na floresta amazônica [4-6] e o novo projeto de petróleo ‘novo pré-sal’ no estuário amazônico [7, 8].
Em segundo lugar, a Amazônia deve ser protegida dos efeitos do aumento da demanda por combustíveis alternativos. O Brasil está prestes a se tornar um grande exportador de hidrogênio verde, com base no extraordinário potencial eólico de seu litoral [9]. Esse potencial também é fundamental para deter as hidrelétricas planejadas na Amazônia [10], onde os impactos ambientais e sociais seriam enormes [11, 12].
A substituição do petróleo e do gás aumentará a demanda por biocombustíveis, portanto a Amazônia precisará de proteção contra o desmatamento para o cultivo de cana-de-açúcar e dendê [13, 14]. O Brasil deve usar seu mecanismo de zoneamento para excluir essas plantações de sua região amazônica. Em nossa opinião, os países importadores devem se recusar a comprar biocombustíveis produzidos na Amazônia e devem boicotar o hidrogênio brasileiro, a menos que os planos de barragens amazônicas sejam abandonados.
Notas
[1] Nature. 2023. Don’t wait for COP: the end of the fossil-fuel age must start now. Nature 613: 216.[editorial]
[2] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2023. Amazonia and the end of fossil fuels. Nature 614: 624.
[3] As referências 5, 6 e 8-14 têm sido acrescentados ao conteúdo original.
[4] Bnamericas. 2021. Spotlight: Brazil’s Solimões oil and gas basin. Bnamericas 03 de fevereiro de 2021.
[5] Fearnside, P.M. 2020. Os riscos do projeto de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões”. Amazônia Real, 12 de março de 2020.
[6] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior. 2020. Região Trans-Purus, a última floresta intacta: 5 – A ameaça do gás e petróleo. Amazônia Real, 21 de setembro de 2020.
[7] Husseini, T. 2018. Tracing the history of exploration in the Brazilian pre-salt oil region. Offshore Technology, 04 de outubro de 2018.
[8] ClimaInfo. 2022. Petrobras quer explorar “novo pré-sal” na costa do Amapá. ClimaInfo, 22 de agosto de 2022.
[9] Bethônico, T. 2023. Entenda a corrida pelo hidrogênio verde e por que o Brasil pode ser uma potência. Folha de S.Paulo, 10 de janeiro de 2023.
[10] Fearnside, P.M. 2020. Os preocupantes planos do Brasil para hidrelétricas na Amazônia (opinião). Mongabay, 10 de novembro de 2020.
[11] Fearnside, P.M., E. Berenguer, D. Armenteras, F., Duponchelle, F.M., Guerra, C.N. Jenkins, P., Bynoe, R. García-Villacorta, F.M. Guerra, M. Macedo, A.L. Val, V.M.F. de Almeida-Val & N. Nascimento. 2021. Capítulo 20: Impulsores e impactos de los cambios en los ecosistemas acuáticos. In: Nobre, C., Encalada, A. et al. (Eds). Informe de evaluación de Amazonía 2021. United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, E.U.A.
[12] Fearnside, P.M. 2023. Lula e as hidrelétricas na Amazônia. Amazônia Real.
[13] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2020. Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamento. Amazônia Real, 13 de janeiro de 2020.
[14] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta. Amazônia Real, 26 de março de 2018.
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Amazônia e o fim dos combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU