12 Fevereiro 2023
"Embora Lula tenha reclamado em 2007 que sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, havia “jogado um bagre” em seu colo ao questionar as barragens, esses bagres forneciam o sustento de uma grande população", escreve Philip Martin Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 07-02-2023.
Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007
As barragens do rio Madeira também têm causado grandes impactos e, assim como Belo Monte, a aprovação das licenças ambientais para essas barragens foi forçada pelo órgão licenciador sob intensa pressão do palácio presidencial [1-4]. Um dos mais dramáticos impactos foi o bloqueio da migração anual de desova do “bagre gigante” do rio Madeira.
Embora Lula tenha reclamado em 2007 que sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, havia “jogado um bagre” em seu colo ao questionar as barragens, esses bagres forneciam o sustento de uma grande população: só no Brasil havia 2.400 membros de cooperativas de pesca (cada um que representava uma família) [5], e, também, havia grandes populações de pescadores na Bolívia e no Peru que dependiam desse recurso.
O assassinato do líder da cooperativa de pesca Nilce de Souza Magalhães, conhecida como “Nicinha”, ilustra a tensão: seu corpo foi encontrado cinco meses depois no fundo do reservatório de Jirau, soterrado por pedras [6]. O marido dela me disse que a polícia não fez nenhum progresso em encontrar os assassinos, muito menos em identificar o ator que presumivelmente os contratou. A hidrelétrica de Jirau é controlada pela multinacional francesa Energie (antiga GDF Suez), e a barragem resultou em múltiplos impactos ambientais e de direitos humanos [7]. Em entrevista de rádio em junho de 2022, Lula defendeu os projetos de barragens do rio Madeira e afirmou que os pescadores poderiam produzir os peixes em tanques de aquicultura [8].
A hidrelétrica de Teles Pires representa o pior abalo que o povo Munduruku já sofreu. As corredeiras das Sete Quedas foram primeiro dinamitadas e depois inundadas pelo reservatório. Este é o lugar para onde vão os espíritos dos anciãos tribais depois de morrerem – o equivalente ao céu para os cristãos [9]. A perda de locais sagrados nem sequer é considerada um impacto nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) feitos para fins de licenciamento [10]. Está previsto um total de 30 barragens com pelo menos 30 MW de capacidade instalada na bacia do Tapajós, incluindo a barragem de Chacorão que inundaria 11.700 ha da Terra Indígena Munduruku [11].
A barragem São Manoel foi construída a apenas 700 m da Terra Indígena Kayabi e nenhum indígena foi consultado. O Ministério Público Federal apresentou vários processos públicos aos tribunais para suspender o projeto por violação dos requisitos de consulta da Convenção 169 da OIT e a legislação brasileira correspondente [12]. As ações do MPF foram derrubadas sumariamente com a invocação de “suspensões de segurança”, um resquício da ditadura militar de 1964-1985 (Lei 4.348 de 26 de junho de 1964) que foi confirmado e ampliado nas leis vigentes (Lei 8.437 de 30 de junho de 1992; Lei 12.016 de 07 de agosto 2009) e permite que qualquer decisão seja anulada se um projeto causar “grave dano à economia pública”. O uso repetido desta disposição nos governos anteriores de Lula para permitir que as barragens de Belo Monte, Teles Pires e São Manoel continuassem, apesar das claras violações, é um mau presságio tanto para a infraestrutura futura quanto para a possibilidade de Lula defender a revogação das leis de suspensão de segurança.
[1] Fearnside, P.M. 2014. Barragens do rio Madeira-Sedimentos. Amazônia Real
[2] Fearnside, P.M. 2014. Barragens do Rio Madeira- Revés para a política. Amazônia Real.
[3] Fearnside, P.M. 2014. Barragens do Rio Madeira-Impactos. Amazônia Real.
[4] Fearnside, P.M. 2015. Santo Antônio crédito de carbono. Amazônia Real.
[5] Ortiz, L., G. Switkes, I. Ferreira, R. Verdum, & G. Pimentel. 2007. O Maior Tributário do Rio Amazonas Ameaçado: Hidrelétricas no Rio Madeira. Ecologia e Ação (Ecoa), Amigos da Terra-Brasil, São Paulo, SP.
[6] Toledo, M. 2016. Após 5 meses, corpo de ativista é achado em lago de usina em RO. Folha de São Paulo, 23 de junho de 2016.
[7] Fearnside, P.M. 2019. Justiça ambiental e barragens amazônicas. Amazônia Real,
[8] Rádio Difusora Manaus. 2022. Lula fala para o Amazonas na Rádio Difusora. Youtube, 23 June 2022.
[9] Branford, S. & M. Torres., 2017. The end of a people: Amazon dam destroys sacred Munduruku ‘Heaven’. Mongabay. 5 January 2017.
[10] Fearnside, P.M. 2016. A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Amazônia Real
[11] Fearnside, P.M. 2015. Barragens do Tapajós. Amazônia Real,
[12] Fearnside, P.M. 2017. São Manoel: Barragem amazônica derrota Ibama. Amazônia Real, 25 de setembro de 2017.
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Lula e as hidrelétricas na Amazônia: Bacias do Madeira e Tapajós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU