02 Fevereiro 2023
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 01-02-2023.
Eles desmembraram seu pai em sua presença, cortaram sua cabeça e a deixaram em uma cesta. Eles o deixaram sozinho, junto com suas irmãzinhas, e levaram sua mãe. Eles não a viram novamente. "Não sabemos o que fizeram com ela." É difícil entender tanta brutalidade, e explicá-la, dar-lhe voz, rosto, lágrimas. E semear perdão no meio de tanto ódio. Mas Ladislas Kambale Kombi conseguiu. Com um símbolo brutal, que resume todo um Evangelho de Libertação diante do horror: colocar ao pé da Cruz o facão com que os mercenários da guerra decapitaram seu pai.
Os facões, ao pé da cruz. (Foto: Reprodução | Vatican Media)
Crianças pequenas, jovens, de Goma, o lugar que Bergoglio não pode visitar. Um deles, sequestrado por nove meses e depois solto. Nem todo mundo teve tanta sorte, se sobreviver com esse fardo pode ser definido dessa forma. É assim que vive Léonie Matumain, que também entregou a faca com que seus pais foram mortos.
Rostos, testemunhos como o de uma jovem de 17 anos, Bijoux Mukumbi Kamala, que foi raptada e violada como um animal pelo comandante de uma facção paramilitar. Por horas, todos os dias, por 19 longos meses. Conseguiu fugir, e hoje é mãe de dois pequeninos, filhos da dor, que a recordam todos os dias do horror. Mas também esperança. Por isso ela entregou o tapete onde foi forçada a dormir, e onde foi estuprada, pedindo perdão por seus agressores.
Papa em encontro com as vítimas do Congo. (Foto: Reprodução | Vatican Media)
"Nosso Deus, de quem recebemos nosso ser e nossa vida, hoje colocamos os instrumentos de nosso sofrimento sob a cruz de seu Filho. Comprometemo-nos a perdoar uns aos outros e a fugir de todos os caminhos de guerra e conflito para resolver nossas diferenças", eles rezaram diante do rosto afundado de Bergoglio, que não conseguia parar de olhar para os olhos dela, que não conseguia baixar os seus até ao pé da cruz, que se enchia de objetos.
Crianças mortas em vida, sem pais, escravizadas. Meninas sem vida, vítimas de violência sexual. Homens mutilados... Todos eles apresentaram o seu testemunho, e os símbolos do seu sofrimento, ao pé da cruz. Diante do silêncio concentrado de um Papa, com todos os músculos tensos, assumindo para si toda a dor do horror inumano e, ao mesmo tempo, tão profundo de Caim.
Vítimas mutiladas do Congo. (Foto: Reprodução | Vatican Media)
Braços sem mãos, erguidos diante do olhar de Bergoglio, depositando os facões e martelos com os quais foram atingidos. Leia testemunhos de pessoas que, provavelmente, nunca mais verão a luz da vida, e cuja voz ressoou, com mais força, na boca dos outros, para um mundo surdo... mas com ouvidos, não como algumas das mulheres que ajoelharam-se diante do Papa.
A dor, o silêncio, os olhares para o chão, como quando obrigavam as estupradas a comer a carne dos assassinados. E se você recusasse, eles o despedaçariam e você se tornaria comida. Se não, tentavam te transformar em animal, comendo no chão, nu para não escapar... E ainda, rezavam por perdão e reconciliação com seus assassinos.
“Pedimos-lhe, Pai, que com a sua graça faça do nosso país, a República Democrática do Congo, um lugar de paz e alegria, amor e paz, onde todos se amam e vivem em fraternidade”, imploraram. E o Papa assumiu aquele perdão, e aquele abraço. E aquela cruz manchada de sangue e libertada pelo facão, pelos martelos, pelo tapete e pela dor. Uma imagem que vale um pontificado. Um facão e uma faca em forma de cruz, que derrota o ódio. Ou assim você espera.
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Um facão ao pé da cruz: a teologia da libertação das vítimas do horror do Congo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU