23 Dezembro 2022
"O caso Rupnik não deve ser tratado de acordo com os estilos discursivos caros aos tabloides sensacionalistas. É fundamental que, na divulgação desses eventos, seja destacada a estrutura que permite tais abusos, que os cobre com o silêncio da própria instituição, que por séculos foi cúmplice, senão responsável, de um habitus androcêntrico. É a estrutura misógina hierárquica clerical que inferioriza as mulheres e os leigos, considerando-os “à sua disposição” ", escreve o coletivo Re-insurrezione: per Svelare e fermate ogni abuso, em artigo publicado por Fine Settimana, 22-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O grupo Re-insurrezione é uma rede de pessoas pertencentes a: Donne per la Chiesa e Observatório Inter-religioso sobre a violência contra as mulheres.
Caso Rupnik: a indignação já não é mais suficiente! Estamos ainda mais determinadas a liderar uma batalha sem concessões para denunciar as "estruturas de pecado" nas quais se enraíza esse "caso": um sistema do qual a Igreja Católica é artífice e protagonista.
Demasiadas vezes constatamos que nos movimentos eclesiais/congregações/cultos algumas categorias eclesiológicas são empregadas sub-repticiamente para usar e manipular pessoas (quase sempre mulheres) que se aproximam de tais contextos religiosos em nome de um chamado espiritual. Essas mulheres são límpidas, confiantes, desavisadas aos "aliciamentos" que demasiadas vezes - já o verificamos na nossa já não breve experiência - são realizados.
A lógica é a do domínio do clérigo masculino "ontologicamente superior" e em nome da "obediência", "humildade", "sigilo dos procedimentos", "perdão", do "não manchar uma santa instituição", da "adoração por quem encarna o sagrado” e outras categorias “do espírito”, a pessoa é capturada em uma rede de assédios, abusos, maquinações perversas, onde as lógicas da sujeição e do silêncio conivente são a regra. A ameaça é apenas aludida: a de sofrer as consequências de um poder androcêntrico totalitário e, portanto, a condenação à infâmia, bem como ao abismo existencial em caso de dissenso conclamado e ao isolamento sem saída viável. A cultura do estupro (que não é só físico, mas também espiritual) passa por aqui.
Não vamos nos deter nos detalhes do caso Rupnik, digno perpetrador dessa cultura. No entanto, gostaríamos de pontuar algumas observações.
- Rupnik é de fato um tsunami, mas é apenas a ponta do iceberg: ele não é a maçã podre em uma cesta de maçãs saudáveis, não é o criminoso enquanto seus comparsas seriam inocentes. Trata-se de uma doença endêmica que permeia todo o sistema eclesiástico e que, em particular na Itália, tende a ser ocultada. Os meios de comunicação são cúmplices, na maioria mudos - salvo algumas muito louváveis exceções, a quem reconhecemos que há muito estão seriamente se empenhando sobre tais fenômenos, por terem lançado campanhas de imprensa e aprofundado com investigações: a agência de notícias Adista, a revista Left, o jornal Domani; cúmplices são também os/as católicos que preferem não ver e não saber. Também conivente é o Estado que se mostra indiferente ao destino de seus/suas cidadãos quando seus direitos são violados.
- A Companhia de Jesus não pode acreditar que está salvando a cara ao dizer que as vítimas podem recorrem a ela e serão ouvidas e acolhidas de braços abertos. É a mesma lógica que perpassa a CEI, uma lógica que esconde a estratégia de “acalmar e calar”, de manzoniana memória. Tais atitudes não são críveis: exigimos que haja uma ação jurídica legal pública.
- Pedimos também que os arquivos sejam abertos e disponibilizados a uma comissão independente.
- E, acima de tudo, afirmamos que o caso Rupnik não deve ser tratado de acordo com os estilos discursivos caros aos tabloides sensacionalistas. É fundamental que, na divulgação desses eventos, seja destacada a estrutura que permite tais abusos, que os cobre com o silêncio da própria instituição, que por séculos foi cúmplice, senão responsável, de um habitus androcêntrico. É a estrutura misógina hierárquica clerical que inferioriza as mulheres e os leigos, considerando-os “à sua disposição”.
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Caso Rupnik: a indignação já não é mais suficiente! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU