08 Dezembro 2022
A Igreja está posta à prova, como aliás ocorreu em outras épocas de transição, e – como então – só com escolhas corajosas de renovação é que ela poderá redescobrir e repropor eficazmente o sentido de sua missão.
A opinião é de Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, na Itália. O artigo foi publicado originalmente no sítio da arquidiocese e republicado por Settimana News, 02-12-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A absurda proposta, apresentada à Câmara dos Deputados da Itália pela Liga, de incentivar com um bônus quem se casar na Igreja com o rito católico, mesmo que posteriormente retirada (pelo evidente vício de constitucionalidade), é apenas o último sintoma de uma situação em que, na defesa das práticas religiosas, restaram muitas vezes pouco iluminados defensores da tradição religiosa, que, com sua grosseria – pensemos no evangelho e no terço agitados por Salvini em seus comícios de alguns anos atrás –, evidenciam, antes, seu declínio.
Porque o problema é real, mesmo que a solução não seja prometer dinheiro. De fato, é verdade que os matrimônios religiosos estão diminuindo a cada ano. Em um contexto em que os casais recorrem cada vez mais tarde e cada vez menos ao casamento para legitimar a própria coabitação, o último relatório do Istat indica que “são em particular os primeiros matrimônios religiosos que sofreram a contração mais forte de 2011 a 2019 (-29,9%), com uma incidência sobre os primeiros matrimônios que diminuiu de 70,1% para 58,4%”. Agora, apenas pouco mais da metade dos jovens que se casam o fazem na Igreja.
Quem ainda aceita a lógica do casamento faz isso cada vez mais frequentemente no cartório: “Na última década, assistiu-se, pelo contrário, a um incremento contínuo do recurso apenas ao rito civil para a celebração das primeiras bodas: de 29,9% do total dos primeiros matrimônios em 2011 para 43,4% em 2021”.
Mas é bastante óbvio que a questão não pode ser resolvida “pagando” os cônjuges, para que o façam de acordo com o rito tradicional. Certamente, esse não é o interesse da Igreja. Já existem matrimônios demais cuja validade canônica está viciada por fatores que invalidam seu significado propriamente religioso. E, em todo o caso, o problema é muito mais radical do que o econômico.
A crise do matrimônio católico tem origens muito mais profundas. Estamos diante de um eclipse do cristianismo – não só na Itália, mas em toda a Europa – que nem mesmo o efervescente testemunho do Papa Bergoglio consegue mascarar.
No imediato pós-guerra, o arcebispo de Paris, cardeal Suhard, publicou uma carta pastoral que, na edição italiana, apareceu com o título um tanto alarmista “Agonia da Igreja”. Hoje, a distância de quase um século, essa expressão não parece mais exagerada, pelo menos no que diz respeito à Europa. A descristianização do continente que historicamente foi o berço da civilização cristã é evidente demais para precisar de ilustrações.
Basta dizer que, enquanto os “pais” do projeto de uma Europa unida – homens como Robert Schumann, Alcide De Gasperi, Konrad Adenauer – eram também fervorosos católicos e viam no cristianismo a alma espiritual da nova realidade política que desejavam, há poucos meses, o Parlamento Europeu votou por ampla maioria uma moção que pedia a inserção do direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais. Um estridente e emblemático contraste entre um sonho e sua realização concreta.
Mas é apenas o sintoma de um clima cultural que já reduziu drasticamente a influência da visão cristã sobre a população do Velho Continente. Estamos imersos em um clima que poderia ser definido como pós-cristão, porque, embora seja afetado de algum modo pela perspectiva religiosa original, ele a conjuga por meio do filtro do Iluminismo e do liberalismo. A concepção da pessoa que parece dominar quase inconteste inspira-se em um individualismo que absolutiza os direitos dos indivíduos em sua esfera privada – segundo o conhecido princípio de que “a liberdade de cada um termina onde começa a do outro” – e reduz a uma função puramente formal o papel das comunidades e das autoridades, até mesmo das civis, mas sobretudo das religiosas.
A crise do cristianismo, portanto, é também uma crise das Igrejas e da Igreja Católica em particular. Alguns dados são eloquentes: na Holanda, hoje, os católicos são cerca de 3,5 milhões de uma população de 17 milhões, e apenas 150.000 vão à missa aos domingos. Na Alemanha, as pessoas que frequentam a missa dominical são 6%, e, apenas em 2019, 272.771 pessoas decidiram abandonar deliberadamente a Igreja Católica. Na França, a participação na missa já está abaixo dos 4%, e os matrimônios na Igreja representam 40%. Em comparação com a Itália, com 19% de participação na missa dominical e 58,4% de matrimônios religiosos, a crise ainda é bem menos acentuada.
No entanto, ela existe e é evidente. Mesmo onde permanece uma sensibilidade religiosa, ela tende cada vez mais a se expressar em crenças e comportamentos fortemente subjetivos. Desapareceu a adesão incondicional a um horizonte orgânico de verdade de fé. A maioria dos próprios “crentes” já tem uma “lista” pessoal própria das coisas em que acreditam e nas quais não acreditam.
Mas é a própria estrutura eclesial que parece estar em sérias dificuldades. A forte diminuição das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada é sintomática. Os seminários costumam ser edifícios enormes, construídos em outros tempos para abrigar um grande número de futuros presbíteros, e hoje entregues parcial ou totalmente ao aluguel para abrigar escolas ou outros entes públicos. Há dioceses em que uma porcentagem cada vez maior de presbíteros é formada por estrangeiros. Sem falar das ordens religiosas, particularmente das femininas, que já têm suas novas vocações quase que exclusivamente na África e na Ásia.
Mas a crise dos presbíteros e dos religiosos, antes mesmo de ser quantitativa, diz respeito à sua percepção da própria identidade, em um mundo que mudou profundamente e onde a própria ideia de uma escolha definitiva, como a do sacerdócio ordenado ou da consagração, parece ser problemática.
A essa dificuldade de fundo, somam-se as chocantes revelações sobre a difusão dos abusos de menores cometidos por padres e a onda de descrédito e de suspeita que elas lançaram, por culpa de alguns (demasiados!), sobre toda a categoria.
Assim, hoje, na Igreja, a incerteza mais profunda e mais sutil sobre a própria identidade e as motivações da própria escolha se insinua justamente entre os presbíteros. E é uma fragilidade que se reflete no modo de interpretar a própria missão e de exercer o próprio ministério.
Em comparação, o laicato parece ser mais vivaz e determinado, mas muitas vezes ainda carece da plena consciência e da formação necessárias para desempenhar com eficácia o próprio papel, que não é simplesmente de apoiador do clero (como se entendia no passado), mas de protagonista de pleno direito da vida e da missão da Igreja.
Sem falar que uma herança de clericalismo ainda muito enraizada, presente nas comunidades eclesiais, continua pesando sobre as paróquias e as dioceses, impedindo, na maioria dos casos, uma corajosa valorização das competências dos leigos e, portanto, uma real partilha do fardo pastoral. Assim, custa a se desenvolver aquela necessária sinergia entre pastores e fiéis, que hoje mais do que nunca se mostra necessária para que ambos deem um novo impulso à comunidade eclesial.
Uma forte corrente tradicionalista, nascida em uma polêmica mais ou menos aberta com a renovação proposta pelo Concílio, acusa justamente esse esforço de modernização da Igreja de ter enfraquecido o espírito de fidelidade que a tornava firme diante das dificuldades. É uma polêmica que já se manifestava durante o pontificado de João Paulo II e de Bento XVI, que, na verdade, foram intérpretes muito prudentes da mensagem conciliar, e que explodiu sob o pontificado do Papa Francisco, muito mais explicitamente comprometido com a implementação do espírito do Concílio.
Como se a tradição se reduzisse à conservação do passado e não fosse, antes, a releitura deste último à luz dos problemas e das oportunidades do presente e a projeção para as perspectivas de futuro. E como se a fidelidade às raízes excluísse o risco do crescimento.
Certamente não é a primeira vez que a barca de Pedro se vê enfrentando ondas tempestuosas que a sacodem com violência. Não se trata de fugir da crise, mas de enfrentá-la sem esconder os problemas e, ao mesmo tempo, sem se deixar desencorajar por eles. O significado original do termo grego agonia não é “morte”, mas “luta”, “combate”.
A Igreja está posta à prova, como aliás ocorreu em outras épocas de transição, e – como então – só com escolhas corajosas de renovação é que ela poderá redescobrir e repropor eficazmente o sentido de sua missão.
Em sua carta pastoral, o cardeal Suhard atribuía grande importância, por isso, à capacidade dos cristãos de se comprometerem com um grande esforço de criatividade cultural, essencial para o mundo e, ao mesmo tempo, para cumprir sua missão nele.
Gostaríamos de ver uma maior consciência dessa urgência nas nossas dioceses e nas nossas paróquias, muitas vezes ainda dominadas por um ritualismo que deixa pouco espaço para a reflexão e para o debate cultural. “O erro mais grave em que os cristãos do século XX poderiam cair”, escrevia o arcebispo de Paris, “o erro que seus descendentes jamais os perdoariam, seria deixar que o mundo se faça e se unifique sem eles, sem Deus – ou contra Ele; seria se contentar com seu apostolado de receitas e de expedientes. Não gostaríamos de cometer esse erro.”
Em um mundo que em grande medida perdeu o sentido da realidade e da própria vida humana – substituída na escala de valores pelo lucro capitalista, pela lógica da violência, pela homologação dos fenômenos de massa – é necessário recomeçar a exercer o direito/dever de pensar os problemas em termos novos.
O Evangelho, para isso, é o melhor recurso. Mas é preciso saber tirar dele os estímulos para uma virada – da sociedade e, ao mesmo tempo, da comunidade cristã – e ter a coragem de traduzi-los em prática. O caminho sinodal que está envolvendo a Igreja universal e a italiana em particular pode ser uma grande oportunidade para tudo isso. Contanto que não seja reduzido a uma prática meramente formal.
É o momento de mudar de ritmo. Depende de cada um de nós fazer uma contribuição para que isso ocorra.
“O problema que é levantado aqui tem raízes muito mais profundas – ou seja, a dificuldade de tomar consciência do fim da ‘christianitas’ (cf. aqui, em italiano) –, e absolutamente não compartilho a afirmação do autor de que ‘o laicato parece mais vivaz e determinado, mas muitas vezes ainda carece da plena consciência e da formação necessárias para desempenhar com eficácia seu próprio papel’.
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Agonia da Igreja. Artigo de Giuseppe Savagnone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU