13 Setembro 2022
"Os indígenas presentes ao 4° ATL Sul reafirmaram seus compromissos de luta engajada contra o governo instalado no Brasil e por um país democrático e pluricultural", escreve o Conselho Indigenista Missionário Regional Sul, em artigo publicado por Sul 21, 12-09-2022.
O Acampamento Terra Livre, Região Sul, teve seu início na noite de domingo, 4 de setembro, na Terra Indígena Toldo Chimbangue, no Oeste de Santa Catarina e teve seu encerramento no dia 7 de setembro.
O ATL Sul, que contou com a presença de mais de 600 pessoas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani, se constituiu num momento de profunda espiritualidade, com rituais, cantos, danças e de confraternização das lutas, das vidas e se fez memória dos lutadores.
Num ambiente de reencontros, foram retomados os debates sobre políticas públicas e política partidária, se refletiu acerca da realidade indígena e indigenista e dos desafios dos povos num contexto difícil e dramático pelo qual passam as pessoas em nosso país.
Com uma multidão de jovens, a esperança, neste ATL Sul, pareceu mais florida, colorida, viva e bonita. Eles animaram a todos e projetaram sonhos e suas perspectivas para o futuro.
Foto: Kamikia Kisedje | Cobertura coletiva - Apib
As delegações dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani Mbya, Avá, Nhandeva e Kaiowá, vindas do Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul uniram-se em torno dos ritos, das falas, cantos, mas, sobretudo a partir das questões e desafios que enfrentam em seus territórios, aldeias, cidades, escolas, universidades.
A partilha da palavra revelou que os povos se unem através das resistências nos territórios e que estas vêm alicerçadas nas espiritualidades, ancestralidades e na força dos jovens, meninos e meninas, moças e moços, mulheres e homens que se engajam na defesa de seus espaços de vida, enfrentam os preconceitos, fortalecem as identidades e compõem a luta pela defesa da terra, contra a violência e pela garantia dos direitos originários de todos os povos.
Neste sentido, há um profundo engajamento nas mobilizações de rua, nos espaços públicos ou através das redes sociais, que compõem as suas lógicas de ser, agir, denunciar, projetar, planejar, se fazer ver, ouvir e de ser no tempo de hoje.
As vozes foram unânimes. O governo de Bolsonaro se estruturou para atacar e destruir a vida, os direitos e a terra. Nas análises dos líderes indígenas se evidenciou que há em curso um processo de desumanização dos sujeitos indígenas, de desterritorialização, de desmantelamento dos territórios demarcados através de invasões, arrendamentos de terras, de inviabilização das demarcações e de retirada sistemática de direitos através de medidas administrativas, políticas e jurídicas.
Os povos precisam, neste ambiente de negação da vida, enfrentar a antipolítica indigenista genocida em curso, resistir a ela para reconstruir caminhos novos, quando se buscará espaços de diálogos e de participação indígena.
As lideranças reafirmaram a importância de lutar contra a tese do marco temporal porque ela expressa, em síntese, a vontade das elites agrárias, madeireiras, minerárias de se assentarem em definitivo dentro dos territórios indígenas, expulsando os povos de seus lugares originários. Não ao marco temporal, retomada da demarcação de terras e nenhuma gota de sangue indígena a mais foram palavras de ordem mais ouvidas no ATL Sul.
Entre os compromissos assumidos, está o enfrentamento à desterritorialização e ao arrendamento. Esse ambiente de esbulho e exclusão não pode persistir. Há que se pôr fim a essa prática criminosa e retomar, dentro das terras, ambientes de diálogo, reflexão em torno do uso comum da terra e da construção de projetos que atendam às necessidades, anseios e os modos de vida de cada povo e comunidade.
Como há muitas comunidades, dezenas e dezenas delas em situação de acampamentos ou vivendo em áreas degradadas – no interior e nas cidades – assumiu-se o compromisso de fortalecer as ações pelas retomadas das terras e lutar para garantir que as áreas retomadas sejam efetivamente asseguradas.
As lutas pela terra e pela consolidação dos direitos vinculam-se ao fortalecimento das culturas e os modos de ser dos povos. Os líderes destacaram que as identidades indígenas, seus saberes, religiões e culturas são os alicerces para seguirem rumo a um futuro com coesão e unidade nas ações contra a violência, omissão e negação dos direitos por parte do Estado e das sociedades racistas, excludentes.
A educação escolar indígena é um desafio que se enfrenta no dia a dia, com professoras e professores vinculados em suas comunidades, mas em oposição a um sistema educacional hegemônico, que dá pouca margem ao diálogo sobre uma educação efetivamente indígena, diferenciada e engajada na vida das comunidades.
Implementar currículos escolares de acordo com os modos de ser de cada povo é uma necessidade. Mas, em geral, se trabalha a partir de uma educação focada em conceitos, disciplinas e metodologias que estão descoladas das realidades. E talvez, em função disso, a evasão escolar é tão alta nos cursos fora das comunidades, especialmente nas escolas técnicas.
O preconceito, a discriminação – nas escolas e universidades – contra os indígenas é outro ponto de colisão. As estruturas e os profissionais de educação não estão preparados e capacitados para a educação diferenciada, prendem-se nas cartilhas dominantes. Os estudantes, especialmente universitários, precisam superar, a todo instante, esses desafios durante todo o percurso acadêmico, até a conclusão dos cursos e das pós-graduações. Mas se avançou muito neste sentido, graças à persistência e força daquelas e daqueles que encaram as universidades e nelas incidem com conhecimentos, experiências e conteúdos das diferenças.
Há, portanto, necessidade de uma retomada dos debates sobre esse tema e repensar, junto ao Estado, as práticas educacionais, para que haja protagonismo indígena nas propostas e discussões sobre uma efetiva educação escolar, para além de estereótipos.
Nos últimos anos as ações e serviços na área da saúde ficaram condicionados à relativização da assistência. Fragilizaram-se atividades permanentes de prevenção, de combate a endemias e a pandemia, com foco na atenção básica. Negligenciou-se a realidade de falta de saneamento básico nos territórios. Também, nos últimos anos, o controle social foi drasticamente desqualificado, dando essa atribuição quase que exclusivamente para o Fórum dos presidentes dos Condisi.
As lideranças, os agentes de saúde indígenas presentes no ATL Sul, chamaram a atenção para a necessidade da retomada da atenção primária nas aldeias; para a capacitação dos profissionais de saúde, tanto para os indígenas como para os servidores terceirizados ou efetivos.
Defenderam a implementação de ações que garantam saneamento básico as comunidades; o fortalecimento de ações de média e alta complexidade, assegurando assistência e exames hospitalares aos indígenas de forma rápida; a efetiva participação e protagonismo indígena nos distritos, onde podem incidir sobre as práticas em saúde, na elaboração, execução e controle dos planos distritais de saúde. Também defenderam o fortalecimento do controle social e o respeito e valorização dos saberes e conhecimentos tradicionais, recebidos de seus anciãos e líderes espirituais.
Ao final do 4° ATL Sul, as lideranças e todos os presentes se manifestaram pela:
Os indígenas presentes ao 4° ATL Sul reafirmaram seus compromissos de luta engajada contra o governo instalado no Brasil e por um país democrático e pluricultural.
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Acampamento Terra Livre: povos Kaingang, Xokleng e Guarani articulam lutas pelos direitos indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU