01 Mai 2007
Uma cultura pouco respeitada pela sociedade é a dos indígenas. E esta é a grande luta desse povo de cultura e raízes tão ricas e de importância histórica tão grande. Assim, para comemorar as lutas e discutir os problemas que os indígenas ainda enfrentam hoje, o CIMI Sul, junto com outras instituições, organizou uma série de eventos que discutiram e refletiram o índio no Rio Grande do Sul. Para falar sobre o assunto, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, Roberto Liebgott. Durante a entrevista, ele comenta a luta e a organização dos povos indígenas e coloca as necessidades que ainda não foram sanadas para a existência digna dos índios aqui no Estado.
Roberto Liebgott é coordenador do Conselho Indigenista Missionário - CIMI - da Região Sul do Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode falar do evento na Câmara dos vereadores de Porto Alegre, que aconteceu no dia 25 de abril?
Roberto Liebgott – A Câmara dos Vereadores, na perspectiva da Semana dos Povos Indígenas, propiciou uma discussão sobre as condições dos indígenas no Rio Grande do Sul, apontando para as grandes questões e uma delas é a questão fundiária. Hoje, inúmeras áreas estão sendo remarcadas. Há ainda as questões relativas às políticas públicas, ou seja, a implementação de políticas diferenciadas que assegurem a essas comunidades bons atendimentos de saúde, educação, atividades produtivas. E existe a realidade, muito presente, que é a das comunidades indígenas, que hoje moram nos centros urbanos. É preciso ter, por parte dos poderes públicos, um olhar atento para essa realidade a fim de assegurar que essas comunidades possam ter condições de vida digna aqui na cidade.
IHU On-Line – Quem são e como vivem os índios que existem no Rio Grande do Sul?
Roberto Liebgott – Grande parte da população indígena do Estado é composta por famílias de caingangues. A maioria deles está hoje na região norte do Rio Grande do Sul e a população caingangue é formada por cerca de 27 mil pessoas e muitas delas têm áreas excessivamente reduzidas, fazendo com que tenhamos necessidade, por parte do Governo Federal, de uma política para demarcação de terras.
O estado abriga também a comunidade Guarani, formada por 13 mil índios, sendo que a maior parte está concentrada na grande Porto Alegre. Em torno da capital, há vários acampamentos indígenas. E existe também, para eles, a necessidade de que se faça uma política específica para se demarcar suas terras também. A população, em todo o Estado, gira em torno dos 40 mil indígena, sendo que grande parte mora em aldeias, em comunidades. Muitas famílias vivem nas cidades. Por exemplo, São Leopoldo abriga uma comunidade caingangue, assim como os municípios de Estrela, de Lajeado e de Farroupilha. Em Porto Alegre, há pelo menos três espaços onde vivem comunidades caingangues. Essa é a realidade geral dos índios aqui no Estado. O importante disso tudo é que tanto os caingangues quanto os Guaranis têm uma força étnica impressionante, e é por isso que eles conseguem existir nesse mundo urbano. Todos falam a língua. Assim, eles mantêm viva as suas tradições, a sua religiosidade é mantida. Esse é um aspecto bem importante que deve ser valorizado: o aprofundamento de todo esse processo de resistência e de luta dos povos indígenas, tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil. Existe, também, um pequeno grupo de remanescentes do povo Charrua, que hoje lutam para serem reconhecidos como descendentes desse povo.
IHU On-Line – Eles estão tentando manter a sua cultura, como o senhor afirmou. O que o senhor acha das organizações do Estado para ajudar os índios a manterem sua cultura?
Roberto Liebgott – Com relação ao próprio Estado, ele tem instâncias com a responsabilidade de assegurar a assistência para as comunidades. Então, em relação à questão fundiária, a responsabilidade é da Funai – Fundação Nacional do Índio. Quer dizer, a distribuição, identificação e demarcações de área são de responsabilidade deles. No âmbito de assistência à saúde existe a Funasa. E a Educação está a cargo da Secretaria Estadual de Educação, sendo sua atribuição assegurar que sejam implementadas escolas diferenciadas à comunidade, ou seja, escolas que tenham a pedagogia indígena, onde a língua seja a língua indígena, como a primeira no processo educacional. E há, por outro lado, organizações da sociedade civil, entidades como o CIMI que é um órgão da CNBB, e que presta serviço no apoio às lutas desses povos na perspectiva de assegurar demarcação de terra e assistências, fazendo com que possam existir de acordo com seus costumes, crenças e tradições. Há outras organizações, como um órgão ligado à Igreja Luterana, que presta serviços e uma séria de outras entidades que têm envolvimento direto com a questão indígena. E o mais importante é o envolvimento do movimento de resistência indígena, em que cada povo acaba constituindo suas organizações políticas e vai fazer interlocuções e discussões frente ao Estado, cobrando a assistência e implementação de seus direitos.
Nos últimos anos, tivemos como avanço na questão indígena essa realidade de protagonismo dos próprios índios. Povos que eram fadados à extinção hoje estão vivos, atuantes, presentes, organizados, cobrando do Poder Público a implementação de seus direitos.
IHU On-Line - Como o índio vê a urbanização que acontece a sua volta, quando ele tenta manter suas raízes?
Roberto Liebgott – Os povos indígenas vivem muito em comunidades. Cada comunidade tem a sua organização social e política. Eles se estruturam organizacionalmente e a partir daí eles desenvolvem inter-relações com outros segmentos da sociedade. Então, hoje eles têm uma boa compreensão da importância de estabelecerem relações de alianças com setores que se comprometem com a sua causa e também relações de parcerias com outros segmentos para implementação de pequenos projetos que os ajudem nessa busca para terem melhores condições de vida. Eles têm um olhar muito atento para toda essa diversidade que está em torno de suas comunidades ou que lidam com eles, prestando algum apoio ou serviço.
IHU On-Line – E como o líder indígena está inserido nesta cidade e na sua comunidade?
Roberto Liebgott – As comunidades normalmente têm uma organização, uma chefia, uma coordenação interna. É comum que passe por uma relação com os mais velhos que têm uma atribuição religiosa. Eles mantêm, mais fortemente, esse tipo de organização interna e cada comunidade indígena tem um cacique ou outras lideranças que fazem esse intercâmbio com a nossa sociedade. Então, cada comunidade designa lideranças políticas para fazerem essa comunicação, para cobrar do poder público assistência, por exemplo. Cada comunidade tem, em sua organização social e política, pessoas que vão fazer essa relação com os outros setores e com a sociedade.
IHU On-Line –Temos visto muitos índios vivendo como pedintes nas cidades. Qual é a melhor forma de inserir esse índio na cidade sem que ele perca a sua cultura, a sua raiz, mas também sem que ele se transforme num pedinte?
Roberto Liebgott – Essa é uma questão que a gente consegue observar mais em torno das cidades porque existe muita carência nas comunidades. Em função da falta de verbas, por exemplo, as comunidades Guaranis não tem o que plantar, então elas sobrevivem basicamente da produção de artesanato. Por isso, uma das questões importantes a serem debatidas é a estruturação de espaços no mundo urbano para que essas pessoas possam comercializar o produto que têm, que é basicamente o artesanato. Uma forma de se diminuir o número de pedintes é na perspectiva de que eles tenham um espaço onde possam apresentar e comercializar o seu produto, e daí tirar o seu sustento. Agora se nós compararmos a condição de pedintes é muito mais grave na nossa sociedade do que nas culturas indígenas. São milhares de pessoas em torno das cidades e que ficam mendigando. Os índios também enfrentam essa questão de pedir para garantir um espaço de coleta, ou seja, por falta de recurso nas suas comunidades, pedem como uma questão de coleta nesses espaços em que eles acham que podem conseguir algum benefício a mais para sua família e comunidades.
IHU On-Line – E com tanta gente defendendo o índio, como o senhor avalia a autonomia que os índios têm no país?
Roberto Liebgott – Seria interessante uma recuperação histórica para eu responder essa questão. Se olharmos para a década de 1970, perceberemos que toda a política de estado era na perspectiva de integração do índio na sociedade, ou seja, o Estado queria que no Brasil não existissem índios. E desse período em diante, povos do Brasil inteiro começaram a se organizar e articular em grandes Assembléias indígenas e a mostrar sua força e a estabelecer no estado brasileiro uma relação de que eles também têm o direito de serem diferentes, de pertencerem a culturas diferentes. E isso foi se constituindo num processo organizativo brilhante pelo país. No nosso entendimento, é o que está dando aos povos essa força de serem sujeitos e protagonistas na historia do Brasil dos anos 1980 até agora. E isso culminou na garantia dos direitos constitucionais. Na Constituição de 1988, eles tiveram grande participação, apresentaram suas propostas e a constituição contemplou os povos indígenas em um capitulo especifico com os direitos indígenas. Lá estão o direito à terra, o direito a terem uma assistência diferenciada e o direito de serem índios. A constituição, em função das lutas do povos, reconhece que os índios têm direito de serem índios. E, a partir dessa realidade, muitos outros segmentos aderiram à causa indígena. Muitas organizações se colocam a serviço para apoiá-los. Hoje a luta é para que os direitos que estão na constituição sejam implementados. E os índios têm um papel bonito. Eles são protagonistas, embora tenham apoio de outros tantos segmentos que apontem e falem da realidade indígena. Não há dúvida: hoje os povos indígenas no Brasil são protagonistas de uma história de resistência muito bonita, a partir da sua organização e sua própria luta em todo o país.
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A luta dos povos indígenas continua. Entrevista especial com Roberto Liebgott - Instituto Humanitas Unisinos - IHU