09 Setembro 2022
A irracionalidade de muitas decisões do Papa Francisco não está apenas na seleção de cardeais, tanto os promovidos como os excluídos, como revelou em 31 de agosto, entre o grave e o burlesco, o arcebispo de Milão Mario Delpini em sua inesquecível felicitação (com início às 2h 14'20' da gravação de vídeo) ao bispo da pequena diocese de Como Oscar Cantoni, indicado para cardeal ao contrário dele.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 08-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A irracionalidade parece ter contagiado até os institutos vaticanos mais afinados com Jorge Mario Bergoglio, incluindo a Pontifícia Academia para a Vida, presidida pelo bispo Vincenzo Paglia, 77 anos, figura de destaque na Comunidade de Santo Egídio.
Este, pelo menos, é o severo juízo proferido sobre o último produto teológico da academia por dois estudiosos de primeira linha, como o Cardeal Gerhard L. Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e o Professor Stephan Kampowski, professor titular de antropologia filosófica no Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família.
O motivo de sua crítica é o volume, editado por Paglia e publicado este verão pela Editora Vaticana, “Etica teologica della vita. Scrittura, tradizione, sfide pratiche” (Ética teológica da vida. Escritura, tradição, desafios práticos, em tradução livre), que recolhe os anais de um seminário da academia e propõe “uma revolução da moral católica” que subverte o ensinamento da encíclica de Paulo VI “Humanae vitae”, que definia a contracepção artificial como moralmente ilícita.
Mas até aqui nada de novo. Já na época de sua publicação, em 1968, a "Humanae vitae" foi contestada e rejeitada não apenas por fileiras de teólogos, mas por conferências episcopais inteiras.
A novidade estaria - na opinião de Müller e Kampowski - justamente na irracionalidade da tese hoje defendida pela Pontifícia Academia para a Vida, que declara concordar com o ensinamento da "Humanae vitae" e ao mesmo tempo afirma o contrário, isto é, que a contracepção artificial pode ser moralmente lícita, porque esta seria, além da pura letra, "a intenção mais profunda" da encíclica de Paulo VI.
Não está claro se o Papa Francisco compartilha essa tese ou não. No entanto, ele permite que seja apoiada por um importante instituto da Santa Sé, e seus acenos sobre o assunto não carecem de ambiguidade.
É verdade que ele sempre disse admirar Paulo VI mais do que qualquer outro papa do último século. Mas numa das suas primeiras entrevistas mais amplas, ao "Corriere della Sera" de 5 de março de 2014, ao ser questionado sobre a "Humanae vitae", respondeu que "tudo depende de como é interpretada", pois "a questão não é aquela de mudar a doutrina, mas aprofundar e fazer com que a pastoral leve em conta as situações”.
Além disso, o Papa Francisco muitas vezes dobra a serviço das mudanças por ele esperadas - a última vez na conversa com os jesuítas do Canadá publicada por "La Civiltà Cattolica" (traduzida para o português pelo IHU) - o antigo ditado de São Vicente de Lérins segundo o qual até o dogma "progride, consolidando-se ao longo dos anos, desenvolvendo-se ao longo do tempo, aprofundando-se com a idade".
Em suma, na Igreja já há quem calcule que o sínodo promovido pelo papa sobre a sinodalidade - aberto como é à escuta das mais variadas e impulsivas propostas de inovação - poderia ter entre seus resultados também a superação da doutrina da "Humanae vitae".
Mas voltemos ao ensaio do Cardeal Müller e do Professor Kampowski. É amplo e argumentado, com um rico corpo de notas, e pode ser lido na íntegra, pela primeira vez em italiano, nesta outra página de Settimo Cielo.
A seguir, seu curto "incipit", que termina precisamente por denunciar a irracionalidade da tese defendida pela Pontifícia Academia para a Vida, que consiste justamente em "afirmar o contrário do ensinamento, sustentando ao mesmo tempo estar de acordo". Tudo ao contrário do princípio aristotélico da não-contradição.
A Pontifícia Academia para a Vida desafia os ensinamentos da “Humanae vitae” e da “Donum vitae”
Em sua recente publicação “Ética teológica da vida. Escritura, tradição, desafios práticos”, a Pontifícia Academia para a Vida propõe uma revolução da moral sexual católica, sugerindo que, na presença de atitudes justas por parte dos cônjuges, a prática da contracepção e da procriação artificial homóloga pode ser moralmente lícita, contrariando assim diretamente o magistério da Igreja, como se encontra, por exemplo, na encíclica "Humanae vitae" (1968) do Papa Paulo VI, na encíclica "Evangelium vitae" (1995) do Papa João Paulo II e nas instruções "Donum vitae" (1987) e "Dignitatis personae" (2008) da Congregação para a Doutrina da Fé. A revolução diz respeito tanto ao conteúdo quanto à maneira de argumentar.
A seguir, faremos uma análise crítica da seção do livro que contém essas afirmações. Uma análise cuidadosa é necessária porque o ditado do texto é sutil e não se limita simplesmente a dizer que a "Humanae vitae" (como documento básico do magistério sobre contracepção) ou a "Donum vitae" (como documento básico do magistério sobre as técnicas de contracepção medicamente assistida) estavam erradas. Os autores, de fato, ao propor a possível licitude moral da contracepção e da procriação artificial, argumentam que não vão contra, mas simplesmente vão além da letra dos documentos eclesiais anteriores, levando a cumprimento as intenções mais profundas desses textos magisteriais. Aqui se trata de uma novidade. No passado, aqueles que não concordavam com o ensinamento da "Humanae vitae" ou da "Donum vitae" limitavam-se a dizer que estavam em desacordo e apresentar as suas razões. A nova abordagem adotada pelo texto da Pontifícia Academia para a Vida consiste, ao contrário, em afirmar o contrário do ensinamento, sustentando ao mesmo tempo estar de acordo. [...]
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"Humanae vitae" sob cerco. O Cardeal Müller a defende e contra-ataca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU