04 Agosto 2022
Muitos sobreviventes do sistema escolar residencial do Canadá, das First Nations e Métis, estavam presentes quando o Papa Francisco se encontrou com os jovens e anciãos da nação Inuit em 29 de julho, antes de retornar a Roma. Um deles foi Gerry Desnomie, 74, de Saskatchewan, que veio com sua filha, Tessa Cook. Ele viajou para Iqaluit com o arcebispo Donald Bolen como membro da Comissão de Verdade e Reconciliação da Arquidiocese de Regina.
Desnomie também participou da reunião do papa em Maskwacis com os chefes dos Povos Indígenas e sobreviventes em 25 de julho, onde Francisco fez o primeiro pedido de desculpas em sua “peregrinação penitencial” no Canadá. Nesta entrevista, pedi a Desnomie que refletisse sobre o que o papa havia dito.
A entrevista é de Gerard O'Connell, publicada por America, 03-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O que lhe impressionou na “peregrinação penitencial” do Papa Francisco e no pedido de desculpas aos povos indígenas no Canadá?
Houve três pontos que realmente se destacaram para mim. Primeiro, ele fez um bom pedido de desculpas e assumiu alguma responsabilidade. Mas ele esqueceu os pontos da “doutrina do descobrimento”, que deu totalmente a Ilha da Tartaruga [como alguns povos indígenas se referem ao continente norte-americano] para quem afirmasse que era europeu e cristão. Ele esqueceu lá porque éramos humanos, éramos pessoas civilizadas. Eu penso que foi um grande erro ele não ter mencionado isso.
A segunda coisa que eu levanto que ele não percebeu foi que ele não mencionou nada sobre as sepulturas sem identificação que encontramos em escolas residenciais. Há muitas delas, mas ele nunca falou sobre isso.
E, em terceiro lugar, quando ele estava falando sobre os abusos, ele omitiu totalmente o abuso sexual e responsabilizou os responsáveis por isso.
Embora eu achasse que era um pedido de desculpas muito bom, assim como sua responsabilidade pelo que aconteceu, ele perdeu esses três pontos.
Na Catedral de Notre Dame, no Quebec, ele falou sobre o abuso.
Eu não estava lá. Eu não ouvi isso.
Você é um sobrevivente do sistema escolar residencial.
Sim, eu estava nas escolas residenciais. Eu também fui abusado verbalmente, emocionalmente, sexualmente e assim por diante.
Em qual escola você estava?
Eu estava na [S. Paul's Indian School] em Lebret, Saskatchewan, na década de 1950. Fiquei lá por cinco anos e depois em outra escola residencial por mais quatro anos. Estive em escolas residenciais por nove anos ao todo.
Quantos anos você tinha quando entrou pela primeira vez na escola residencial?
Quando fui tirado de casa, eu tinha apenas cinco anos. Eu fui levado com minha irmã mais velha. Nós éramos apenas dois na família na época, e fomos levados para a mesma escola. Mas embora estivéssemos na mesma escola, não podíamos conversar ou visitar uns aos outros!
A escola residencial foi criada para destruir a língua, a cultura, o sistema familiar. Como você sabe, os católicos prosperam principalmente na família e no amor, mas nas escolas residenciais, eles tentaram apagar isso de nós.
Você tinha cinco anos quando entrou na escola residencial, que idade você tinha quando saiu?
Acho que finalmente saí do sistema quando tinha 18 anos. Veja, eu não estava lá o tempo todo. Eles construíram uma escola diurna em nossa reserva, então voltei para casa um pouco.
Você era autorizado a ver seus pais durante o ano letivo?
Poderíamos vê-los todos os domingos se eles conseguissem chegar à escola. Mas eles moravam a 65 km de distância, e então tínhamos apenas uma hora para nos encontrarmos. Poderíamos vê-los por uma hora todos os domingos, se conseguissem, e sua visita tinha que ser entre duas e três horas. Eles não podiam nos ver fora dessa hora!
Você tinha permissão de ver sua irmã na escola?
Eu podia vê-la no corredor, mas não conseguia nem falar com ela. Não tínhamos permissão para falar um com o outro.
Isso expressa a brutalidade, a desumanidade do sistema.
Foi a desintegração da família.
Sua filha, Teresa Cook, que está com você hoje, também frequentou escolas residenciais?
Ela foi depois quando foi assumida pelas First Nations. Ela esteve lá por um tempo, mas não fez o ensino médio lá.
Tudo isso aconteceu há muitos anos. O que você sente dentro de si mesmo, em seu coração, hoje?
Bem, eu tenho 74 anos. Não guardo mais ressentimentos. Mas não sou católico praticante. Eu meio que deixei isso para trás.
Então você era um católico, quando criança?
Sim! Sim!
Você culpa muito a Igreja pelo que aconteceu com você?
Há algumas pessoas na Igreja, e eu realmente não gostava delas.
No seu coração: sente-se em paz agora?
Estou trabalhando com dom Bolen na verdade e reconciliação. Conheço seu coração, e é por isso que estou lá com ele.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Três pontos que faltaram no pedido de desculpas do Papa Francisco no Canadá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU