04 Agosto 2022
Distribuídos à mídia estatal e políticos, os volumes justificam a operação militar na Ucrânia, evocando a conversão do país ao cristianismo e convocando à batalha contra os “ateus, satanistas e assassinos”.
A reportagem é de Rosalba Castelletti, publicada por La Republica, 02-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Falar de “desnazificação” e “desmilitarização” aparentemente não é mais suficiente. Pior: muitos não entenderiam o significado desses termos. O Kremlin, portanto, tratou de resolver a situação. Compilou dois manuais para a mídia estatal e políticos sobre como justificar aquela que ele chama de "operação militar especial" na Ucrânia, traçando paralelos com o batismo da Rus', ou seja, a conversão do país ao cristianismo que remonta a 988, e com a "batalha da Neva" contra os suecos vencida em 1240 pelo príncipe Aleksandr Nevskij.
Foram distribuídos para a mídia estatal e políticos no mês passado em vista aos respectivos aniversários em 28 e 15 de julho. Hoje como então, de acordo com o site de língua russa Meduza que teve acesso a eles, o material explica que a Rússia está lutando contra o chamado "Ocidente coletivo" e "sem Deus" que há mais de mil anos quer se apoderar de seus recursos e destruir os valores fundadores da fé ortodoxa. A tese é a já utilizada várias vezes pelo próprio Vladimir Putin do ataque preventivo, mas fundamentada por argumentações históricas.
O primeiro manual começa com uma premissa: o batismo do povo da Rus' de Kiev a mando do príncipe Vladimir, Volodymyr para os ucranianos, não apenas marcou a conversão à fé ortodoxa, mas também "a base da civilização russa". E contribuiu para unir as "terras russas espalhadas" e centenas de povos que hoje "novamente se mobilizaram em oposição aos ateus e em defesa dos valores tradicionais". Segue um manual sobre como explicar as razões da intervenção na Ucrânia.
Primeiro: a ofensiva foi provocada pelo Ocidente que forneceu armas à Ucrânia que se tornaria o trampolim para um ataque à Rússia com o objetivo milenar de enfraquecê-la e destruí-la.
Segundo: o objetivo da operação vai além da "desnazificação", é uma "luta contra os sem Deus". Os "ukronazis", ou seja, os "neonazistas ucranianos", defende o manual de acordo com o que Meduza relata, devem ser descritos como "ateus, estupradores, ladrões e assassinos", "satanistas e seguidores de cultos misantrópicos" que "realizam sacrifícios e homicídios rituais".
No segundo manual, a administração presidencial explica em primeiro lugar o que é o "Ocidente coletivo" de que as autoridades russas falam há meses e como ele corresponde a diferentes sujeitos dependendo do período histórico: a Ordem Teutônica, a Suécia, o Commonwealth, o império de Napoleão, o Terceiro Reich e hoje a OTAN. No entanto, todos eles teriam usado a mesma tática: incitar contra a Rússia "os povos que vivem em suas fronteiras" para se apoderar de seus recursos, outrora sua própria população, hoje seus minerais. Mas conseguindo um efeito bumerangue: "A sociedade – consta no manual - une-se em torno do líder nacional e, mostrando coragem e heroísmo no campo de batalha, repele os invasores".
Artigos já apareceram na mídia estatal de acordo com as instruções: "O satanismo e o ocultismo se tornaram a ideologia dos batalhões nacionais ucranianos" no Ria Novosti, "O que o Batismo da Rus’ e a operação especial na Ucrânia têm em comum?" no Gazeta.ru e textos semelhantes nos sites pró-governo FederalPress e Regnum.
O passo seguinte, segundo as fontes de Meduza, é encontrar “influenciadores” que promovam as teses dos manuais. Em março passado, o propagandista Dmitry Kiseliov passou sete minutos tentando explicar o conceito de "desnazificação" na TV. Mas desde abril, de acordo com o site investigativo Proekt, ele não usou mais aquele termo, exceto esporadicamente. Pode ser que com a história o resultado seja melhor.
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Os Manuais do Kremlin justificam a “operação” na Ucrânia: “É uma luta contra o Ocidente sem Deus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU