26 Mai 2022
Um estudo quantifica a responsabilidade histórica de cada país na atual crise ecológica levando em consideração o uso de recursos no último meio século. Os Estados Unidos e a União Europeia lideram esse ranking extrativista.
A reportagem é de Juan F. Samaniego, publicada por Climatica/La Marea, 24-05-2022. A tradução é do Cepat.
Desde o dia 12 de maio passado, a Espanha vive da poupança. Já ultrapassou o seu dia da sobrecarga. Alguns países, como Catar ou Luxemburgo, atingiram esta data já em fevereiro, enquanto o resto das nações europeias, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul ou Japão o fizeram entre março e maio. A nível global, o dia da sobrecarga do planeta será alcançado este ano no mês de julho. Ou seja, a partir de então estaremos consumindo mais recursos do que a Terra é capaz de gerar em 12 meses.
A medida da sobrecarga é muito clara em termos de comunicação: ilustra perfeitamente o desequilíbrio entre as necessidades de nossas sociedades e os recursos e balanços do sistema planetário. No entanto, parece atribuir demasiada responsabilidade ao indivíduo (consumimos mais do que a Terra gera) e esconde outros desequilíbrios, como o que existe entre o Norte e o Sul Global. Afinal, nem todos nós contribuímos da mesma forma para a superexploração da Terra.
O sistema Terra tem uma série de limites, fronteiras que não devemos ultrapassar se quisermos continuar mantendo sua estabilidade a longo prazo. Os gases de efeito estufa, a poluição química e plástica ou a destruição da biodiversidade marcam algumas dessas linhas vermelhas. Quase todas as fronteiras planetárias estão relacionadas, de uma forma ou de outra, à nossa crescente necessidade de materiais. Todos os anos, são extraídas 90 bilhões de toneladas de matérias-primas do planeta.
“Os ecologistas industriais estimam o nível máximo seguro em cerca de 50 bilhões de toneladas por ano. Em outras palavras, temos que cortar pela metade o uso de recursos globais”, diz Jason Hickel, pesquisador do instituto de desigualdade da London School of Economics, no Reino Unido, também afiliado ao Instituto de Ciências e Tecnologias Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona. Junto com outros economistas e antropólogos, publicou um estudo que quantifica a responsabilidade histórica de cada país na atual crise ecológica, levando em conta o uso de recursos no último meio século.
E não há surpresas (embora os dados sejam impactantes). A desigualdade entre ricos e pobres é evidente. Entre 1970 e 2017, os países ricos foram responsáveis por 74% do excesso global de consumo de materiais. Os Estados Unidos, com 27%, e a União Europeia (incluindo o Reino Unido), com 25%, lideram esse ranking extrativista. O consumo da China, que até o final do século XX permanecia dentro dos limites planetários, disparou nas últimas duas décadas. O gigante asiático é responsável por 15% do excesso de uso de materiais no período estudado.
Percentual de responsabilidade por regiões do uso excessivo de recursos entre 1970 e 2017. The Lancet
Do outro lado da balança, o chamado Sul Global (ou seja, os países de baixa e média renda da América Latina e Caribe, África, Oriente Médio e Ásia) é responsável por 8% do consumo excessivo de recursos. A desigualdade fica ainda mais evidente quando se analisam os dados per capita. Na Austrália, cada pessoa consome 27 toneladas a mais de recursos do que seria sustentável em um ano, quatro vezes mais que um habitante da China e sete vezes mais que um do Brasil. Neste link [em inglês] se pode ver o consumo de matérias-primas em cada país e comparar a responsabilidade do Norte e do Sul Global.
O desequilíbrio não termina aqui, pois boa parte dos recursos que os países mais ricos consomem hoje não estão em seu próprio território, mas são extraídos de nações pobres. Outro estudo, também liderado por Hickel, estimou com dados de 2015 que o Norte Global se apropria anualmente de 12 bilhões de toneladas de matérias-primas, 822 milhões de hectares de terra ou 21 exajoules de energia do Sul Global, entre outros elementos. No total, somam mais de 10 bilhões de dólares. Uma fuga incessante de recursos que pavimentou o desenvolvimento de alguns em detrimento do resto do globo e da estabilidade ambiental do planeta.
A leitura da crise climática e da biodiversidade em chave colonial é clara e, segundo os autores, não pode ser ignorada na busca de soluções para o labirinto ambiental em que nos encontramos. “Fisicamente, é impossível que todas as pessoas do planeta consumam no nível dos países ricos. Os países ricos precisam reduzir o uso dos recursos do planeta para dar espaço ao desenvolvimento dos países pobres. Precisamos de uma convergência radical na economia mundial”, diz Hickel.
Para o economista e antropólogo, o debate sobre as soluções para a mudança climática não deve girar tanto em torno das transições energéticas ou das soluções tecnológicas, mas em torno da necessidade de redistribuir o desenvolvimento. “Precisamos de energia limpa, é claro, e precisamos disso rápido. Mas as energias renováveis não surgem do nada. Elas precisam de materiais para fazer baterias, painéis solares e turbinas eólicas que têm um impacto ecológico”, acrescenta Hickel.
“Quanto mais a economia cresce, mais energia ela usa, o que significa que mesmo que tenhamos 100% de energia renovável, isso implicará em um uso crescente de recursos e um impacto ecológico. Não devemos almejar um crescimento constante; devemos limitar nosso uso de energia ao necessário para atender às necessidades humanas, para que todos possam viver uma vida digna”, reflete o pesquisador.
A saída é, portanto, que os países desenvolvidos sigam o caminho do decrescimento para deixar algum espaço para o desenvolvimento dos demais países. O estudo permite concluir que os países ricos precisam reduzir o uso de recursos em mais de 70% para atingir níveis sustentáveis. "As evidências existentes mostram que isso não pode ser alcançado se eles continuarem perseguindo o crescimento econômico", conclui Jason Hickel. “Sabemos que é possível garantir uma vida boa para todos com muito menos recursos do que os usados atualmente pelos países ricos, mas é preciso transformar a economia para focar nas necessidades humanas e no bem-estar ao invés do crescimento empresarial”.
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Riqueza, desenvolvimento e responsabilidade climática: quem está esgotando os recursos do planeta? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU