05 Mai 2022
Impulsionada pela alta dos preços da energia e dos fertilizantes, a inflação está impactando fortemente o Brasil, principalmente o setor de alimentos.
A reportagem é de Julien Dournon, publicada por Alternatives Économiques, 02-05-2022. A tradução é do Cepat.
Na sexta-feira, 8 de abril de 2022, o IBGE divulgou os números da inflação do mês de março: 1,6%, um recorde desde 2003, o que eleva a alta dos preços em 11,3% em 12 meses.
Em dezembro de 2021, no entanto, os institutos de previsão e os bancos de investimentos contavam com uma queda, certamente gradual mas forte, da inflação em 2022. Por sua vez, o Banco Central brasileiro achou que havia feito a parte mais difícil, elevando sua taxa básica de juros (a SELIC) de 2,65% para 10,6%, à custa de uma forte desaceleração do crescimento econômico esperada para 2022 (+0,8%).
As repercussões da pandemia, que ainda se fazem sentir na indústria automobilística, por exemplo, mas ainda mais a guerra na Ucrânia, engoliram as previsões dos melhores especialistas. O Brasil parece estar entrando em uma estagflação da qual, no curto prazo, o país terá dificuldades para se livrar e pela qual a população já está pagando um alto preço.
A princípio, o conflito ucraniano e o acúmulo das sanções econômicas contra a Rússia deveriam ter um impacto limitado sobre o Brasil, país geograficamente muito distante, razão pela qual esses dois países mantêm relações comerciais ínfimas. Mas enquanto a pandemia jogou uma luz dura sobre a dependência dos países industrializados de semicondutores dos países asiáticos, a guerra na Ucrânia revelou a dependência das potências agrícolas dos fertilizantes russos.
O Brasil não foge à regra. Tendo se tornado um gigante agrícola desde o final da década de 1980, com suas enormes fazendas de monocultura (milho, cana-de-açúcar e soja) e a adoção de padrões modernos de agricultura intensiva, o país tornou-se logicamente um consumidor cada vez mais exigente em termos de fertilizantes. Hoje, terceiro maior usuário mundial de fertilizantes à base de potássio, fosfato e nitrogênio, o país espalha anualmente em seus solos 50 milhões de toneladas desses produtos, sendo 85% importados do Canadá, Rússia e Bielorrússia.
As sanções econômicas tomadas pela União Europeia contra esta última em 2021 já haviam colocado o mercado de fertilizantes à base de potássio sob pressão considerável. Essas medidas contra a Rússia, às quais se deve somar o fechamento dos portos por onde transitam essas mercadorias, fizeram literalmente explodir os preços: em 12 meses, o preço da tonelada passou de 248 para 814 dólares. O mesmo vale para os fertilizantes nitrogenados, dos quais a Rússia é o principal fornecedor, que viu seu preço dobrar em poucos meses.
É hora de as autoridades governamentais tomarem consciência da excessiva dependência do Brasil dessas importações e da vulnerabilidade do seu modelo agrícola. Mas também lamentarem ter forçado, cinco anos antes, a gigante pública Petrobras a fechar várias fábricas de fertilizantes e abandonado vários projetos de produção de amônia e fosfato em Minas Gerais e no Espírito Santo. Depois, o governo anunciou que quer recuperar sua soberania neste setor. Mas é um pouco tarde.
A monocultura intensiva brasileira também está redescobrindo a importância dos combustíveis fósseis em sua estrutura de custos. Máquinas agrícolas, ventilação de silos, logística, transporte de mercadorias: tudo aqui é movido a diesel. O aumento dos preços dos combustíveis é muito anterior à guerra na Ucrânia, mas reforçou uma tendência ascendente do preço do barril, que subiu de 64 para mais de 100 dólares entre março de 2021 e 2022.
O Brasil, no entanto, dispunha de meios para se proteger das flutuações intempestivas do mercado. O país é de fato quase autossuficiente na produção de gás e exportador líquido de óleo semi-leve, graças às enormes reservas do chamado “pré-sal” na altura do Rio de Janeiro, operadas por uma empresa de capital público (a Petrobras) colocadas sob o controle estatal. Mas, a partir de 2016, ao abrigo da redução da dívida considerada imperiosa, a empresa pública passou a aplicar a chamada política de “paridade internacional de preços”, ou seja, o alinhamento dos seus preços, incluindo os nacionais, com os das cotações internacionais. Uma política que as atividades agrícolas ou, por exemplo, o transporte de mercadorias pelo modal rodoviário (o modal ferroviário foi completamente abandonado na década de 1980) compensam reduzindo suas margens de lucro ou aumentando seus preços.
O governo, ao baixar as alíquotas dos impostos sobre o etanol (que entra na composição de todos os combustíveis no Brasil), achou que conseguiria acalmar a ira dos caminhoneiros e dos motoristas. Mas isso sem levar em conta o aumento mais que proporcional do preço do barril refinado, decidido pela Petrobras, que fez com que seu presidente, o general aposentado Silva e Luna, fosse demitido manu militari pelo presidente Jair Bolsonaro no final de março. De qualquer forma, a Petrobras pode se gabar de registrar margens de lucro volumosas. Com 106 bilhões de reais (21 bilhões de euros) de lucro líquido em 2021, a empresa chegou a bater um novo recorde para uma empresa pública no país.
O aumento do preço dos fertilizantes, do gás e do petróleo, em um cenário de desorganização das cadeias logísticas ligadas à pandemia, está pesando sobre os preços agrícolas no Brasil e em outros lugares, como aponta o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Além disso, a incerteza sobre a evolução da situação na Ucrânia e na Rússia favorece uma intensa especulação sobre contratos futuros, operados especialmente pelas multinacionais especializadas no negócio na China (líder mundial em armazenamento de soja) ou no Brasil, com a gigante americana Cargill ou a francesa Louis Dreyfus Compagny (LDC), capazes de variar suas grandes capacidades de armazenamento em todo o mundo e de influenciar os preços presentes e futuros. O preço das commodities agrícolas nos mercados subiu, em média, 45% desde o início de 2020.
No Brasil, os especialistas esperam novos aumentos vinculados à repercussão retardada dos recentes aumentos no preço dos insumos agrícolas, à medida que os estoques antigos, adquiridos a custos mais baixos, se esgotam. Uma evolução que não é favorável à China, hoje de longe o maior parceiro comercial do Brasil, que compra soja e milho em massa para alimentar seus grandes rebanhos bovinos e suínos.
Os brasileiros, por outro lado, devem sofrer com essa inflação pelos custos, aos quais se soma um efeito cambial particularmente desfavorável. A fraqueza da moeda brasileira de fato encareceu um pouco mais o preço de todos os produtos cotados em dólares. A relativa valorização da moeda nos últimos dois meses, na sequência de sucessivos aumentos da taxa de juro do Banco Central, ainda não produziu efeitos perceptíveis sobre os preços.
Aflitos, os dirigentes sindicais, os movimentos sociais, inclusive alguns deputados de esquerda e centro-direita denunciam o quão absurda é a situação em que se encontra a população brasileira. Em um celeiro do mundo e grande produtor de petróleo, dizem, os trabalhadores são pagos em reais, mas devem pagar pela gasolina, gás, óleo de soja, margarina ou carne em preços internacionais cotados em dólares. E impossível para o brasileiro escapar disso! Mesmo o etanol de milho ou cana-de-açúcar, produzido e refinado localmente, viu seu preço acompanhar o de seu substituto, o petróleo, devido a uma demanda que aumentou à medida que o preço deste último subia.
A alta dos preços dos bens de primeira necessidade, já expressivos antes da pandemia e da guerra, redobrou de intensidade. O café moído, o fubá e o óleo de soja viram seus preços quase dobrarem em um ano. A farinha de trigo, um dos poucos produtos básicos majoritariamente importados (da Argentina ou do Paraguai), que representa entre 15% e 20% da ingestão calórica diária, teve seu preço aumentado em 35% em seis meses. O preço do tão popular botijão de gás passou de 75 reais para 120 reais em um ano. E a gasolina, que está perto de 8 reais por litro (1,6 euros) e, em um país onde 70% da população ganha um salário mínimo (210 euros por mês) ou menos, tornou-se um verdadeiro bem de luxo.
Um número dá uma ideia do poder do impacto da onda inflacionária no padrão de vida: em 2018, as famílias de baixa renda gastaram 62% de sua renda em alimentação, energia e transporte. Três setores precisamente no centro das pressões inflacionárias.
Para alguns analistas, mesmo que o conflito ucraniano e as sanções contra a Rússia terminem logo, o dano está feito. O choque do petróleo e da inflação, bem como o aumento das taxas de juros, colocaram o país em um círculo vicioso do qual será difícil escapar. Porque se a subida das taxas não teve, até este momento, um efeito sobre os preços, já sabemos que, aliada à inflação, terá este ano o efeito de travar o crescimento e duplicar o serviço da dívida em relação a 2020. Assim, o governo federal e os 26 Estados terão que pagar cerca de 600 bilhões de reais (120 bilhões de euros), uma bagatela equivalente a cinco vezes o orçamento que o país destina anualmente à educação!
O Brasil, historicamente dependente do comércio mundial das commodities, e principalmente os brasileiros, estão tendo sérias dificuldades para absorver os efeitos em cadeia da pandemia e da guerra na Ucrânia, num momento em que o país ainda não tinha saído de uma grave crise econômica que começou em 2013-2014.
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A guerra na Ucrânia impacta a agricultura brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU