“Os grandes não querem paz. Só podemos contar os mortos”. Entrevista com Sergio Romano

Foto: Ukrainian Foreign Ministry, Flickr (criação comum)

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22 Abril 2022

 

“É uma guerra civil ou, melhor, uma dupla guerra civil. A primeira é travada ao longo da linha que divide o leste do oeste do mesmo país. A segunda é aquela que a contém. E uma guerra civil dessas dimensões é mais odiosa, mais cruel, mais terrivelmente cruenta. Hoje em dia, acho que não há nenhuma possibilidade de imaginar a paz ou mesmo uma trégua, nem mesmo uma negociação de qualquer seriedade.”

 

A opinião é Sergio Romano, historiador e escritor, foi embaixador da Itália na Rússia. A entrevista é de Antonello Caporale, publicada por Il Fatto Quotidiano, 20-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Embaixador, na Itália você foi um dos primeiros a enumerar os erros táticos e estratégicos do Ocidente, a levantar dúvidas sobre a utilidade da Otan, a ilustrar os perigos que Putin corre. Foi ainda um dos primeiros a definir a neutralidade da Ucrânia como premissa.

Termino a reflexão: na condição dada, quando as forças dos dois beligerantes ainda parecem quase se equivaler, nenhum deles pode sequer imaginar de falar em negociação. O simples fato de evocá-la transformaria o país proponente em um perdedor.

 

É tão enormemente desestabilizador falar de paz?

Desestabilizador, exato. Julgamentos negativos seriam dirigidos àquela parte que tentasse encontrar uma solução com mais insistência.

 

Essa condição é horrível.

A guerra é horrível. E é ainda mais horrível a guerra civil. São dois exércitos que falam a mesma língua, que se entendem. E o confronto, como sempre ocorre quando a disputa é dentro da família, será tão duro que quem perder a guerra perderá a vida ou, se tiver sorte, a própria identidade. Desaparecerá da cena civil e política, não terá nenhuma esperança de fazer ouvir a sua voz.

 

Há 50 dias, você referiu que a Ucrânia deveria ter o status de uma Suíça do Leste. Mais pobre do que a que conhecemos, mas semelhante na estrutura constitucional e no destino de neutralidade da própria existência. Como embaixador em Moscou nos tempos da União Soviética, você disse que, acabada a Guerra Fria, não havia motivo para manter a Otan de pé. Era preciso atualizá-la, remodelá-la. Mas nós, europeus, não tínhamos feito as contas com os Estados Unidos...

Joe Biden quer vencer o confronto com Vladimir Putin. Diz-se que este último é beneficiado pela ausência de uma opinião pública, pela estrutura piramidal e inatacável do poder doméstico. Em vez disso, ele também tem que dar respostas à sua sociedade civil.

 

Por que os Estados Unidos evitaram cuidadosamente toda ação que pudesse favorecer uma negociação?

Os Estados Unidos não fizeram nada, isso é verdade. Mas por que você acha que a Grã-Bretanha se esforçou tanto para encontrar uma boa razão para parar a guerra?

 

Por que essa astenia, essa vontade coincidente de fazer deflagrar uma disputa que pode se expandir até chegar às nossas casas?

Porque os Estados Unidos (mas também os britânicos e até os franceses) são potências que não gostam de correr o risco de fazer um buraco na água. Washington se esforçaria apenas com a garantia de sucesso da solução hipotética.

 

E agora nos resta contar os massacres cotidianos.

Teremos que assistir à mais sangrenta das batalhas, teremos que documentar o buraco negro da civilização em que caímos. Ainda não sabemos o que resta in loco, ainda não está claro quem sairá vivo.

 

Os russos têm números inigualáveis em relação aos ucranianos.

Mas ainda não venceram.

 

A Europa está imóvel. Diz-se que o fato de ela não falar a uma só voz, de não responder a um único número de telefone a expõe a essa perene marginalidade.

Quando a guerra acabar, saberemos o que era a Europa.

 

Agora só resta atualizar a contagem dos mortos.

A pior situação imaginável.

 

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