19 Abril 2022
O gás liquefeito e a fraturação hidráulica são repentinamente vistos como tecnologias do futuro. A demanda europeia provoca um boom inesperado. Devido à guerra na Ucrânia, as exportações de gás liquefeito dos Estados Unidos devem “libertar” a União Europeia das importações da Rússia. De qualquer modo, é isso que prevê a “declaração sobre a segurança do abastecimento energético europeu” anunciada (no dia 25 de março de 2022) por Joe Biden e pela presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen.
A reportagem é de Konrad Ege, publicada originalmente por Der Freitag e reproduzida por A l’Encontre, 18-04-2022. A tradução é do Cepat.
Só que é difícil conciliar a retórica e o desejo com a realidade da economia do gás dos Estados Unidos. As capacidades de produção de gás natural liquefeito (GNL), “Liquefied Natural Gas” (LNG), representam um problema. Para a Alemanha, são sobretudo as questões de custos e financiamento que estão em causa. O método de extração do “fracking”, considerado controverso nos Estados Unidos, é, em todo caso, “reabilitado”.
Para a maior produtora de gás líquido, a Cheniere Energy, com sede em Houston, Texas, e o restante da indústria de gás, esta é uma boa notícia. A invasão russa dá asas aos interesses fósseis nos Estados Unidos. A revista econômica Fortune citou uma analista da consultoria Rystad Energy: “a oportunidade para o gás liquefeito americano” é um dos “raros pontos brilhantes” desta trágica situação na Ucrânia. Os Estados Unidos estão totalmente preparados para “ajudar a Europa e outras nações a atender suas necessidades energéticas”, também promete, na Fortune, Mike Sommers, presidente da associação do setor, o American Petroleum Institute. Não é uma coincidência. Graças à tecnologia do fraturamento hidráulico (“fracking”) e a perfuração horizontal, os Estados Unidos descobriram novas fontes de gás natural e se tornaram um “dínamo de energia” em todo o mundo, explica Mike Sommers. O fraturamento é uma “arma poderosa contra a Rússia”, diz um comentário publicado no Bloomberg.com.
A indústria espera obter vantagens, particularmente no Estado da Pensilvânia, onde se pratica uma fratura em massa das rochas de xisto. A invasão da Ucrânia levou os políticos republicanos a pedir um relaxamento das regras ambientais, escreve o jornal regional Bay Journal. Os representantes da indústria pedem a Biden que trate a transferência de energia para a Europa como “o equivalente à ponte aérea de Berlim ou ao Plano Marshall” após a Segunda Guerra Mundial.
Para Biden, particularmente exposto quando se trata de política climática, o fraturamento é um assunto complexo devido aos danos potenciais provocados pela contaminação dos lençóis freáticos e pela liberação de gás metano. Durante a campanha eleitoral de 2020, o candidato democrata estava cético em relação a essa tecnologia, mas rejeitou as alegações de banir o fraturamento. Donald Trump advertiu que Biden proibiria o fraturamento e ameaçaria empregos. “Eu adoro o fraturamento”, garantiu Trump no final da campanha eleitoral na Pensilvânia. Ele perdeu as eleições no Estado por uma pequena margem de votos. De acordo com uma pesquisa da CBS, o povo da Pensilvânia estava dividido em relação à questão do fraturamento. Após assumir o cargo, Biden suspendeu temporariamente a concessão de novas licenças para exploração de gás e petróleo em terras do Estado. Agora, elas estão sendo concedidas novamente.
Quase metade dos lares americanos são aquecidos com gás. Os consumidores já estavam preocupados, antes mesmo do acordo Biden-von der Leyen, com o fato de que um aumento nas exportações de gás elevaria os preços nos Estados Unidos. No início de fevereiro de 2022, dez senadores democratas, incluindo a ex-candidata presidencial de esquerda Elizabeth Warren, conversaram com a ministra da Energia, Jennifer Granholm, sobre esse ponto. No caso de um aumento nas exportações de gás, há motivos para temer um aumento nos custos do aquecimento para as famílias americanas. Jennifer Granholm deve considerar a suspensão temporária das licenças para os terminais de exportação de gás.
A questão da capacidade é complexa. O instituto especializado Energywire apresentou uma avaliação da situação no início de março. No curto prazo, a indústria dos Estados Unidos não tem capacidade “para enviar muito mais gás para a Europa”. Os terminais dos Estados Unidos “fornecem praticamente tudo o que podem”. Todo o resto depende da Europa. Os clientes de lá devem assinar contratos de entrega de longo prazo, segundo o diretor do Center for Liquified Natural Gas. Na ausência de tais acordos, nenhum terminal de exportação será construído nos Estados Unidos. A empresa Cheniere Energy indica em seu site que aproximadamente 85% de sua capacidade atualmente cumpre “contratos Take-or-Pay de longo prazo” [1].
Para ser transportado, o gás natural, resfriado e liquefeito a menos 160 graus Celsius, depende de uma infraestrutura completa. Atualmente, sete terminais de exportação estão em operação nos Estados Unidos. A autoridade reguladora, a Federal Energy Regulatory Commission, autorizou cerca de mais outros 10, mas os projetos de construção geralmente fracassam devido ao financiamento incerto. A energia fóssil não era vista como um recurso do futuro, mas isso agora teria mudado. A revista econômica Barron's reconheceu que a declaração de Biden-von der Leyen era apenas um rascunho, mas que sinalizava “a confiança no gás americano e poderia inspirar investimentos adicionais na indústria”.
Devemos esperar uma concorrência internacional acirrada. De acordo com o Departamento de Energia de Washington, as empresas estadunidenses enviam gás para quarenta países. Diz-se que as empresas chinesas teriam assinado recentemente, no início de abril, acordos de longo prazo para aquisições de GNL, de acordo com o site de notícias oilprice.com. Isso soa bem para os sucessores reais do inescrupuloso clã petrolífero texano dos Ewing, retratados na série de televisão Dallas dos anos 80. O que é problemático para a clientela na Alemanha.
[1] Contrato mediante o qual a empresa ou pega o produto do fornecedor ou paga uma multa ao fornecedor. (Redação)
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Estados Unidos-União Europeia. “Proteger o clima? Não agora” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU