As universidades são atacadas pelo governo e por milícias, diz ex-reitor da UFSM

Imagem: Paulo Burmann, ex-reitor da UFSM | Foto: reprodução / facebook

07 Abril 2022

 

A educação brasileira está “sob coação” e é agredida não só pela política oficial de desmonte e destruição do governo, mas também por “milícias” a serviço de quem está no poder. Essa é a síntese das advertências do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Paulo Afonso Burmann, em entrevista ao Extra Classe.

 

Depois de dois mandatos, num total de oito anos, Burmann deixou a reitoria em dezembro, sendo substituído por Luciano Schuch. Nos últimos anos, segundo ele, enfrentou pressões políticas que atingiam direção, professores, servidores e estudantes.

 

As investidas causaram o que define como “adoecimento da comunidade acadêmica”. As universidades, diz Burmann, têm sofrido ataques devastadores. “A educação abalou-se, mas não se deu por vencida”, afirma. O professor volta a lecionar na Faculdade de Odontologia da UFSM e pretende continuar na militância por um ensino integrado em todos os níveis, que assegure “liberdade, democracia, dignidade, cidadania, trabalho e emprego e desenvolvimento às pessoas”.

 

A entrevista é de Moisés Mendes, publicada por Extra Classe, 06-04-2022.

 

Eis a entrevista.

 

As universidades federais podem perder relevância no contexto da estrutura da educação no Brasil?

 

Não propriamente. Na verdade, o que está acontecendo é coação. As universidades ao longo da sua história se constituíram como espaço do conhecimento, da ciência, do debate, da pluralidade e da democracia. No Brasil, as universidades públicas cumprem também uma função de relevância ao constituírem a principal opção que as pessoas com baixo poder aquisitivo tem para qualificação e oportunidade crescimento pessoal e profissional. Constituem um conceito de sociedade que vem se aprimorando constantemente.

 

Normalmente, na vanguarda das relações humanas, sofre com as tentações intervencionistas de governos sem compromisso com o futuro de seu povo. A educação superior é parte estratégica daquilo que costumo referir como um sistema nacional de educação. Na verdade, a educação em todos os níveis, a saber: infantil, fundamental, médio e superior, deve constituir-se num sistema integrado a partir de uma política pública nacional que proporcione perspectiva de liberdade, democracia, dignidade, cidadania, trabalho, emprego e desenvolvimento às pessoas. Nesse cenário, a universidade como formuladora de políticas educacionais e formadora de professoras e professores se constitui como fundamental na construção da política pública para a educação.

 

 

A orientação da política educacional do governo é a da destruição das estruturas das áreas das chamadas humanas, em todo o ensino. Qual será o efeito dessa política?

 

Um efeito devastador. Pelo menos como intenção, pois a educação abalou-se, mas não se deu por vencida. A área das humanidades jamais poderá ser relegada a um apêndice do sistema educacional. Está na base da formação do ser humano estudante e cidadão. Instiga sua capacidade reflexiva sobre o mundo que o cerca, consolida valores que traz consigo e lhe abre um mundo de possibilidades de convívio social humanizado, solidário, fraterno e comunitário, como é da essência do ser humano. Como dissociar a formação do indivíduo da sua vocação social humanitária? Como dissociá-lo da arte da cultura, da filosofia, da sua história e da sua perspectiva de futuro?

 

A robotização do sistema é um erro gravíssimo, que leva à degradação do conceito do viver em sociedade. É preciso considerar que, mesmo com a evolução científica e tecnológica, os questionamentos e as demandas do homem moderno permanecem praticamente inalterados com relação às gerações passadas. Até mesmo as corporações, que visam o lucro, reconhecem a importância da humanização das relações dentre suas equipes e cobram conduta social de solidariedade e de espírito comunitário.

 

As ciências são necessárias e complementares. Se aniquilarmos uma delas, todas as demais serão impactadas. Sem o que nos torna humano – a reflexão, o pensamento –, nos tornamos máquinas, no sentido de seguir o fluxo, a ordem dada, sem questionar, sem criticar e sem refletir. Assim morre a democracia e se implanta, de vez, a ditadura e amplia-se o risco de formação de uma geração alienada, alheia às demandas sociais e culturais.

 

 

É possível reagir a essa destruição?

 

Para começar, é necessário que nossas lideranças coloquem o interesse público acima do interesse pessoal. Eu luto, porque creio que estamos reagindo. E irão lutar comigo todos os que acreditam na educação como solução e futuro para o Brasil. Darcy Ribeiro já dizia: “A crise na educação não é uma crise, é um projeto”. Esse diagnóstico não é de agora, já era percebido há décadas. Mas a educação sempre resistiu e renasceu mais forte. Por isso, defendo essa bandeira. Sei que esse é o desejo da maioria da população que vem experimentando o disparate dos ataques à democracia e à cidadania. É possível retomar conceitos fundamentais para o sistema educacional.

 

 

exemplos espalhados pelo mundo que, bem discutidos, poderão ser adequados à realidade brasileira e, inclusive, incrementados, modernizados e compatibilizados ao cenário social e econômico do Brasil. É uma mudança de base social que foca o futuro e que precisa urgentemente ser fortalecida para buscar soluções imediatas, mas com perspectiva de resultados consistentes para as gerações mais novas de crianças e jovens. Essas crianças e jovens precisam iniciar tomando “seu destino em suas próprias mãos” (Leonel Brizola). E a educação vai proporcionar esta saída digna e promissora para um Brasil mais justo, mais humano, mais solidário e mais desenvolvido.

 

 

O que o senhor percebeu nos últimos anos de danos na área da pesquisa?

 

Estamos vivendo num cenário de projeto de destruição da educação e da ciência. Isto começa pela tentativa de desmonte das universidades e institutos federais, com corte de recursos, intimidações e constrangimentos. Tem havido uma brutal redução do fomento para a pesquisa pelos órgãos federais, especialmente com relação ao CNPq e à Capes. Após um período de crescentes investimentos em ciência e tecnologia por vários anos, com seu ápice em 2015, observamos uma redução drástica dos investimentos federais, retornando aos níveis de duas décadas atrás.

 

Enquanto os países mais desenvolvidos estão mantendo ou aumentando seus investimentos, o Brasil caminha na contramão, deixando de investir em uma área tão vital e estratégica, como ciência e tecnologia. Com os sucessivos cortes, temos visto uma grande perda de incentivos aos alunos de pós-graduação, desestímulo de pesquisadores, sucateamento dos laboratórios de pesquisa e perda da confiança dos nossos pesquisadores. A Fiocruz, por exemplo, que é a maior instituição de pesquisa biomédica da América Latina e que teve papel fundamental no enfrentamento da pandemia, sofreu cortes de mais de R$ 15 milhões, prejudicando suas pesquisas. Os efeitos danosos para nosso país resultarão em prejuízos por vários anos.

 

 

A UFSM teve perda de talentos em decorrência da política do atual governo?

 

Sem dúvida, perdemos. Todas as universidades perderam. Todo o estudante é um potencial talento e muitos deles simplesmente não tiveram condições de continuar na universidade, apesar dos esforços que fizemos para fortalecer a assistência inclusiva de estudantes de baixa renda. Possivelmente, se retornarem, demorarão mais, ou simplesmente não desenvolverão suas potencialidades. O Brasil perdeu milhares de jovens que aqui se formaram no sistema público e foram entregues gratuitamente, como tantas outras riquezas têm sido, aos grandes atores do sistema global.

 

Isto porque o Brasil fechou as portas ao investimento na educação e, especialmente, na ciência, o que gera angústia, insegurança e carreiras interrompidas. Esses jovens formados aqui, com dinheiro público, têm construído carreiras brilhantes nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa, na China e em outros países, gerando ciência, conhecimento e informação que são tratadas como prioridade no sistema social e econômico dessas nações.

 

Imagem: "foram oito anos de muita pressão, de setores do governo, de grupos e de ações individuais, que se vestiram apropriando-se dos símbolos nacionais, ora de maneira desvairada, ora organizada. Na verdade, todos se colocaram na posição de “soldados” atacando as trincheiras do seu próprio país – uma posição esquizofrênica e irresponsável" | Foto: Mirian Quadros / Divulgação UFSM

 

O impacto da política governamental dos últimos anos atingiu o ânimo de professores, servidores e estudantes?

 

Em certa medida, sim. Como disse, a universidade se recusa a morrer e isso se deve ao elevado espírito de compromisso de professores, técnico-administrativos e estudantes com o Brasil, ainda que uns poucos não saibam. Notadamente, em meio a esta linha de resistência formada para a defesa da universidade, que encontra na sociedade seu maior respaldo e fortaleza, vivemos um cenário de instabilidade emocional em alguns setores, que tem levado à angústia, ao constrangimento, à insegurança e ao adoecimento da comunidade acadêmica, que se observa no tecido social em proporção.

 

Precisamos urgentemente alimentar a esperança para que possamos retomar a euforia, o brilho nos olhos, a alegria de reconstruir a educação. Isso se faz com política pública que determine a educação e a ciência como prioridade, com a compreensão de que a saúde, a segurança, o emprego e investimentos na infraestrutura e no setor produtivo estão intimamente interligados com as primeiras.

 

Até que ponto hoje um professor tem autonomia para se expressar sem o temor de estar sendo vigiado? O senhor, em cargo de gestão, sofreu algum tipo de pressão?

 

Ao mesmo tempo em que o governo deliberadamente estrangula as instituições educacionais, estimula suas “milícias”, constituídas ou não, pois há detentores de mandatos alinhados com a política de desmonte e destruição a atacar exatamente as universidades, seus professores, seus técnico-administrativos e seus estudantes. Tais agressões assumem diversas formas de fazer pressão e ameaças, nem sempre veladas.

 

Foram oito anos de muita pressão, de setores do governo, de grupos e de ações individuais, que se vestiram apropriando-se dos símbolos nacionais, ora de maneira desvairada, ora organizada. Na verdade, todos se colocaram na posição de “soldados” atacando as trincheiras do seu próprio país – uma posição esquizofrênica e irresponsável. No entanto, sobrevivemos – com baixas importantes, mas a universidade sobrevive. Certamente não por muito tempo. Estamos falando da destruição de um patrimônio nacional no seu conjunto de inteligência, talentos e infraestrutura, que países que cuidam do que é seu estão recebendo de graça.

 

 

Professores, mesmo que com estabilidade, temem represálias do governo ou dos que agem em nome do governo?

 

Parte deles sim, pois, como disse, a pressão é contínua, particularmente daqueles que agem como “milicianos” em nome do governo. Ainda que a estabilidade seja uma garantia de atuação profissional dedicada às demandas sociais, atualmente há um clima de preocupação e desestímulo com respeito às atividades de docência, pesquisa e extensão nas universidades públicas.

 

Nas universidades públicas, esse aspecto torna-se mais sensível em termos de perspectivas futuras ao Brasil, porque aqui se faz mais de 90% do desenvolvimento científico do país. Quando críticas infundadas e sem qualquer veracidade emergem de uma parcela da sociedade, que age em nome do estado, ainda que pouco representativa, o desestímulo e o receio emergem em alguns espaços da universidade.

 

 

Há defensores de uma percepção pessimista de que professores e estudantes brasileiros perderam há muito tempo a capacidade de reagir politicamente para além dos espaços das escolas. Fale sobre isso.

 

É complexo falar sobre isso, mas sou otimista neste aspecto. Em alguns momentos, penso que vivemos uma espécie de anestesia ou embriaguez diante da necessidade de reação. Os ataques às universidades públicas, com congelamento de salários, falta de perspectivas de financiamento da pesquisa e ataques sistemáticos à autonomia universitária contribuem para uma posição mais retraída. A sociedade está retomando aos poucos a percepção de que o maior bem que um ser humano pode possuir é o conhecimento e isso vem colocando a educação e seus atores mais vivos e presentes. Para melhor situar, acho importante analisar rapidamente as reviravoltas importantes na história recente, que podem ter contribuído para esta percepção cuidadosa. Começaria pela minha geração.

 

Tivemos uma ditadura oriunda de um golpe militar contra as reformas de base que o Brasil precisava – os xerifes americanos não gostaram e a seu modo invadiram o Brasil, só não fizeram com armas diretamente, por conta de estarmos vivendo globalmente a dita “Guerra Fria” (todas as guerras são frias, desumanas e cruéis). Na sequência, 20 longos anos depois de muita tortura, prisões, mortes e repressão, vem a redemocratização do Brasil num processo não consumado até hoje, com Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e o atual presidente. Já são mais 40 anos com altos e baixos, felizmente mais altos do que baixos. Sem entrar no mérito, parece que estamos experimentando e testando a democracia. Estes avanços e retrocessos vêm acompanhados de insegurança e, portanto, em certa medida justifica-se esta aparente letargia de observação. Digo aparente, pois não é este o sentimento que me mantém ativo. Acredito na democracia, na educação, na ciência, e no desenvolvimento social e econômico, dentro e fora da universidade, como a maioria daqueles que acreditam no Brasil.

 

 

O senhor teve dois mandatos na UFSM. Foram oito anos. Qual foi o seu sentimento ao deixar a reitoria?

 

Eu deixo o cargo de reitor, no qual servi durante oito anos em defesa do ensino público, da ciência e do desenvolvimento regional, mas não me afasto um só segundo da luta pela educação. Apesar da intensidade das atividades, dificuldades e crises, que quando se desenhavam vinham sempre com nosso prognóstico de: “a chapa está esquentando” ou “a chapa já está quente”, foi um período de oito anos de muitas realizações na UFSM, especialmente na potencialização do conhecimento, que, uma vez adquirido, é indestrutível, imortal e pode ser multiplicado. Por isso, há essa permanente tentação de dominar as universidades.

 

Portanto, encerrei um ciclo virtuoso para a UFSM, que será continuado, tenho certeza. As agendas estão mais calmas, mas meu compromisso com a educação e com a ciência não resfriaram. Vivi uma transição do cargo de reitor de uma das melhores universidades do Brasil, para agora retomar meu cargo original de professor de odontologia com muita serenidade. O acolhimento da família e dos amigos foi fundamental para tornar este processo seguro e me permitiram pensar em continuar na vida pública, defendendo as bandeiras nas quais sempre acreditei.

 

 

Em 2019, a UFSM foi agredida como instituição pelo comerciante Luciano Hang, que tentou desqualificar a universidade, seus quadros e seus estudantes. A comunidade de Santa Maria reagiu à agressão?

 

Esse fato lamentável só poderia ter vindo de um falastrão, daquele que diz falar em nome do estado, com suas claras limitações de conhecimento e sem entender o funcionamento de um país e de sua sociedade além de seus interesses de lucros a qualquer custo ou acima dos interesses de um país das dimensões do Brasil.


A comunidade santa-mariense não apoiou tal ataque covarde. Mas entendo que faltou um posicionamento mais contundente de alguns gestores e de algumas entidades que se calaram frente a esses ataques. O tempo está se encarregando de desmascarar essa figura arrogante, oportunista que não tem qualquer compromisso com o bem-estar da população brasileira.

 

O senhor observou em entrevista, logo depois do episódio, que pessoas da comunidade e inclusive líderes de Santa Maria ouviram a fala do empresário sem reagir. Por que essa omissão ou inação?

 

O momento era de insegurança. Resultado da eleição de um governo, com maioria significativa dos votos – inclusive na cidade de Santa Maria –, cuja característica principal era não possuir um plano de governo, além de declarar abertamente seu desprezo pela democracia, pela liberdade, pela saúde e pela educação, paradoxalmente numa cidade como Santa Maria. A desinformação levou à omissão de muitos setores empresariais e parcelas sociais.

 

Tenho empenhado minha vida pessoal e profissional justamente nessa direção: fornecer informação correta e qualificada, de forma que a sociedade produza conhecimento e saiba avaliar o que efetivamente deve ser mudado e aquilo que não passa de devaneio de alguém com dificuldades de compreensão, cujo ego não cabe dentro de si. Possivelmente, alguns não tenham entendido ainda a importância de ter uma universidade forte ou, quem sabe, tenham se sentido representados na defesa imediata que fiz da UFSM, de seus estudantes, de suas servidoras e de seus servidores.

 

 

O senhor vislumbra a possibilidade de recuperação da universidade pública diante de eventual mudança no cenário político brasileiro?

 

A universidade pública, pelo papel social que exerce, não poderia ser afetada por nenhum tipo de governo. Educação, saúde e dignidade no trabalho são pilares básicos de uma sociedade civilizada. No entanto, estamos sofrendo ataques que minam nossa imagem como universidade, como região e como nação, que levaremos anos para reconstruir. As perdas advindas do estrangulamento dos recursos vêm comprometendo o funcionando de uma instituição pública, que trabalha para o povo e que é seu patrimônio inalienável.

 

A troca de governo, obviamente por um governo comprometido com a cidadania e com a soberania de seu povo, é a única forma de mudar essa mentalidade, como forma de definir políticas públicas que recoloquem a universidade pública no status merecido de agente público da educação, da ciência, da tecnologia e do apoio às causas estruturantes da sociedade.

 

Imagem: "em 10 anos já tivemos 11 ministros da educação e chegamos agora ao 12º. Notadamente é uma estratégia de acomodar interesses partidários e, como no caso recente da troca de recursos por ouro, interesses financeiros." | Foto: Mirian Quadros / Divulgação UFSM

 

Qual foi a maior contribuição das políticas públicas que ampliaram as possiblidades de acesso à universidade?

 

Amplo e democratizado acesso de diversos setores sociais a um ensino gratuito e de qualidade. O ensino está gradativamente deixando de ser “aburguesado”, com a chegada das camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. Estes grupos sociais, junto com a população negra e indígena, estão conquistando a oportunidade de se qualificar, conseguir trabalho digno e ascensão social, algo não imaginado pelas gerações passadas. Estas políticas precisam ter continuidade e vir acompanhadas de ampliação da assistência estudantil, como forma de garantir a permanência dos estudantes para a conclusão de seus cursos. A verdade é que muito mais jovens chegaram ao ensino superior com as políticas públicas para o setor da educação.

 

 

A informação mais recente é a de que existe uma estrutura paralela de poder dentro do Ministério da Educação, dedicada principalmente a orientar a distribuição de verbas. O senhor tinha informação de algo parecido?

 

Inacreditável aos olhos de quem não conheceu por dentro a estrutura do MEC e como este ministério, fundamental para qualquer projeto de nação, vem sendo tratado ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, em 10 anos já tivemos 11 ministros da educação e chegamos agora ao 12º. Notadamente é uma estratégia de acomodar interesses partidários e, como no caso recente da troca de recursos por ouro, interesses financeiros. Percorri os gabinetes do MEC por oito anos com projetos e demandas especiais da UFSM, que tinham propósito coletivo e interesse institucional comprometido com a educação, com a ciência e coma saúde. Tomei algumas portas na cara, mas para ser justo fomos atendidos em alguns pleitos, por equipes profissionais sérias que faziam o que era possível. Mas tive muitas propostas literalmente engavetadas.

 

Chegamos ao cúmulo de conseguir algumas agendas apenas se tivesse algum parlamentar da base do governo junto ou ”apadrinhando”, o que seria adequado desde que não fosse norma do ministro de plantão. Então, essa mistura da safadeza com religião e com o Estado não me surpreende. Chegamos a um estágio de deterioração triste e lamentável, também e justamente no Ministério que deveria ser o responsável por educar, orientar e servir de exemplo aos demais. Se queremos um Brasil para que brasileiras e brasileiros alcancem um patamar de bem-estar social, o MEC e a educação precisam ser levados a sério.

 

Quais são seus planos agora como ex-reitor?

 

Dizem que não existem ex-reitores – uma vez reitor comprometido com interesses públicos e consciente do papel da educação, seus compromissos não cessam com o exercício do cargo. Portanto, os planos seguem os mesmos: defender e promover a educação. Só que será em um outro local. Se por 33 anos lutei por essa causa aqui de Santa Maria, dentro da UFSM, agora estamos na luta para eleger uma bancada nacional da educação e da ciência, na Câmara dos Deputados. Temos uma vivência de 32 anos de serviço público na educação superior, 21 dos quais em funções de gestão.

 

Como professor na Odontologia da UFSM, ajudei na formação de mais de mil jovens profissionais da saúde. Como reitor por oito anos contribuí na formação de milhares de profissionais em todas as áreas do conhecimento. Acho que seria injusto se nesse momento me retirasse de cena rumo a aposentadoria, levando comigo o conhecimento e a experiência vivida. Aos 63 anos, ainda tenho a vivência, energia e vontade de continuar contribuindo e vou prosseguir.

 

 

O que mais o senhor considera importante do legado de oito anos na reitoria?

 

É importante destacar que fizemos um trabalho que consta dos relatórios de gestão, em projetos voltados à assistência estudantil com 5 mil estudantes/ano na faixa do benefício socioeconômico, com programa de bolsas de auxílio, moradia estudantil, restaurante universitário atenção primária à saúde, apoio psicopedagógico e auxílio transporte, entre outros. Destaco igualmente o apoio à consolidação de assentamentos rurais, regularização fundiária, populações indígenas e quilombolas, o enfrentamento da violência contra as mulheres, a primeira política de gênero e a primeira política para imigrantes e refugiados entre universidades brasileiras.

 

Essas ações ajudaram a consolidar a UFSM com uma universidade onde a democracia, o compromisso social, o ensino, a pesquisa, a extensão e o respeito às diferenças e à pluralidade saíram do discurso e foram para o cotidiano da universidade, propagando práticas e políticas para as comunidade da nossa área de abrangência, além de proporcionar trocas inteligentes com outras instituições pelo Brasil e pelo mundo. Se não tivessem cortado recursos, teríamos voado bem mais alto e com mais segurança.

 

Leia mais