07 Abril 2022
É preciso desarmar o ódio. Os exércitos não salvam. Aos sabichões da política de poder: vão à biblioteca, escutem um mestre, aprendam uma história.
O comentário é de Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), publicado em Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 06-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nós sofremos todas as guerras, a começar por aquela que assustava a nós, crianças, mesmo que, dali a pouco, brincássemos sem pensar mais nisso. Podíamos brincar depois, porque a vida crescia em nós e porque, no nosso caso, a guerra não tinha matado pessoas próximas, não tinha atingido a nossa casa e as casas vizinhas.
Mas vimos os mortos assassinados, vistos vivos pouco antes. Ouvimos chorar as viúvas dos homens usados e vendidos à morte pelos governos. Vimos as armas – isto é, a morte – nas mãos e nos braços dos homens, e também de algumas mulheres, como se abraça um amor: mas era ódio, era morte a ser infligida a outros e, por isso (eles não sabiam disto), também a si mesmos.
Eram os nazistas, os fascistas e eram os partidários: objetivos totalmente opostos, uns injustos, outros justos, mas a mesma dependência na luta pela morte; mais morte para você, menos para mim. Todos os prisioneiros. Hoje nós sabemos mais do que todos eles. Temos uma sapiência dolorosa.
O que ocorre com você, o que você vê e vive você entende sempre depois, sempre mais. Aquela e todas as outras guerras, nós as sofremos, mas esta, agora, mais próxima no tempo e no espaço (sentimo-nos culpados pelas vítimas menos próximas), nos ofende mais. Vejo que isso acontece com muitos.
Essa guerra me ofende mais, graças também à fragilidade da velhice, que é sensibilidade, pele nua, equilíbrio instável, internalização de todo o bem e de todo o mal. Sapiência dolorosa. E é preciso viver toda a ofensa e toda a dor, não os diminuir, não os subtrair, não se distrair.
Como Raquel, que não quer ser consolada, naquele dia de Herodes. É a única forma para estarmos perto das vítimas, para começarmos a resgatá-las. Só a extinção total e universal da guerra resgata as vítimas e nós, partícipes.
Antes disso, não queremos consolação. Amigos, pessoas próximas tentam nos distrair: também há mais, há mais para viver. Sem dúvida. Mas não queremos fugir da participação. E a nossa participação, depois que a guerra cresceu até se tornar total, é nada menos do que a extinção total e universal da guerra.
Não é preciso lembrar que a guerra nasce nos corações e nas mentes: quem não sabe disso? Quem é totalmente puro em relação a isso? Mas as mentes e os corações têm suas próprias maneiras para combater em seu interior, para se purificarem da morte. É preciso que as mãos humanas, as políticas, as técnicas, as economias, as mitologias das facções humanas sejam privadas do instrumento armado, e que o pensamento de ódio, os pensamentos opostos de ódio se encontrem desarmados, apenas confessem um ao outro a vergonha de dissecar a vida.
Vencer o ódio, renegá-lo, mas, em primeiro lugar, desarmá-lo. O desarmamento universal não é um ponto de chegada, mas o ponto de partida da política inteligente, honesta, corajosa. Também o desarmamento unilateral, em primeiro lugar, ousando a verdadeira coragem. Só o desarmamento é racional, vital, seguro. A paz armada já é guerra.
É humilhante, para quem pensa desde sempre os caminhos concretos da paz, ver a ignorância colossal da política atual, que não sabe nada da vida e sabe tudo sobre como assumir um poder mortal sobre a vida. A grande história é o fracasso da história verdadeira, humana.
E te perguntam e escrevem nos jornalões e nas telas que invadem as casas, como se fossem o prato do jantar sobre a mesa: “Mas então o que você faria? O que é a defesa não violenta?”. Temos bibliotecas de história, temos memórias de experiências vividas por pessoas simplesmente humanas, que defenderam a vida repudiando as armas: as armas que destroem a vida e não a defendem.
Mas nenhum dos sabichões da política plana, a do poder, jamais leu uma página, ouviu um professor, aprendeu uma história, ouviu um operador, da força da vida, isto é, da não violência. Permaneceram analfabetos obtusos, acreditam que isso é fraqueza e rendição, e creem que os exércitos salvam.
Gostaria de não passar aos insultos contra a ignorância voluntária, mas devo afirmar que é ignorância voluntária. Não se aprende aquilo que não se busca. A política atual não busca a paz. No máximo a contrata: quanto eu ganho com isso?
Vergonha e dor de muitos, mas nem todos se envergonham. Como a antiga Raquel, não queremos consolação. A dor é fecunda, assim como no parto. A humanidade nascerá para a vida, que até agora os poderosos armados impedem. Contanto que eles não cheguem antes, impondo a destruição nuclear, que prepararam com enorme abundância. Todos os poderosos, sem diferenças. Mas no dilúvio haverá uma arca, se a construirmos.
A paz, a vida, ou é desarmada, de todos os tipos de armas, ou não é.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um ato de fé: a humanidade nascerá para a vida. Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU