04 Abril 2022
As novas gerações europeias, que já alcançaram um bom nível de bem-estar, amadureceram tamanha repugnância pela guerra que, a partir de agora, estão inclinadas a conflitos não sangrentos.
A opinião é de Domenico De Masi, sociólogo italiano, autor entre outros de “Ócio criativo” (Ed. Sextante), em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 01-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é preciso ser pacifista para se recusar a elevar os gastos militares para 2% do PIB. Basta ser racional. Além disso, dos 30 países da Otan, 20 não o fizeram.
Se um esforço militarista realmente tivesse que ser feito, ele deveria servir para a criação de um sistema defensivo da União Europeia, não dos Estados individuais nem da Otan. Caso contrário, a subordinação da Europa aos Estados Unidos se perpetuaria, e se acentuariam as distâncias entre os países individuais, enquanto a União Europeia tem interesse em atenuá-las.
O que ocorreu na Alemanha já representa um alerta perigoso. Com um discurso de meia hora do chanceler Olaf Scholz, a Ostpolitik inaugurada por Willy Brandt nos anos 1970 e continuada por Angela Merkel foi drasticamente substituída por uma Zeitenwende que fortalece com mais 100 bilhões de euros os armamentos da Bundeswehr.
Assim, logo vamos nos encontrar com uma Alemanha que, somando os primados econômico e militar, centralizará um poder exorbitante em relação ao de qualquer outro membro da União, com todas as perigosas tentações hegemônicas que daí podem derivar.
Mas, mesmo que os 2% do nosso PIB fossem para a criação de um exército europeu, mesmo assim se trataria de um retorno ao modernariato da política bismarckiana. Por duas boas razões.
Em primeiro lugar, se foi arriscado introduzir o euro antes de se ter um governo político europeu, seria até tolice criar um exército europeu antes de se ter uma Constituição e um governo da União.
Em segundo lugar, temos realmente certeza de que a Europa deve embarcar no velho e oneroso processo generativo de um exército capaz de competir com o estadunidense e o chinês?
Temos certeza de que, na sociedade pós-industrial, devemos continuar combatendo como se fazia na sociedade industrial?
Em apenas um mês de guerra, morreram na Ucrânia 19.000 soldados de ambos os lados e um número impreciso, mas enorme, de civis de um lado só. Foram abatidas 240 aeronaves e helicópteros. Um avião B-2 Spirit custa 670 milhões de dólares: um valor com o qual se poderia construir cinco hospitais de 500 leitos ou 70 escolas para 1.000 alunos.
As novas gerações europeias, que já alcançaram um bom nível de bem-estar, também amadureceram tamanha repugnância pela guerra que, a partir de agora, estão inclinadas a conflitos não sangrentos. Até mesmo o simples envio de armas é desaprovado por 54% dos italianos. Imaginemos quantos poucos estariam dispostos a combater em primeira pessoa.
O atual conflito ucraniano foi travado, pelo menos em parte, impondo sanções econômicas à Rússia. Assim, experimentou-se pela metade a possibilidade de banir para sempre a guerra sangrenta e destrutiva, feita de mísseis e de mortes (na qual a Europa é fraca), para substituí-la por formas inéditas de conflitos incruentos, travados por golpes da internet, finanças, diplomacia e cultura (nos quais a Europa é imbatível).
Essa é a única forma de guerra que a Europa deve perseguir no “espírito de Bruxelas”, como já imaginava Antonio Polito no Corriere dela Sera do dia 1º de março. Todas as outras formas são a antecâmara do abismo.
Segundo a Federation of American Scientists, a Rússia possui 5.977 armas nucleares; os Estados Unidos possuem 5.428; a China, 350. Outras 950 ogivas são detidas por seis países (França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte). Cerca de 1.800 ogivas estão postas em estado permanente de “alerta operacional máximo”.
Deve-se levar em conta que a bomba russa “Big Ivan” tem uma potência 3.125 vezes superior à bomba “Little Boy”, que, lançada em Hiroshima em 1945, causou 140.000 mortes em um único golpe.
E também deve-se levar em conta que bastariam 600 bombas atômicas das 12.725 já disponíveis para provocar a extinção de toda a espécie humana.
A maioria dos italianos, cientes desse fantasma que paira sobre o mundo, é contra o aumento dos gastos bélicos. É surpreendente e lamentável, portanto, que o Partido Democrático tenha se tornado um arauto dessas despesas. Além disso, pertencem ao Partido Democrático os diretores-executivos das empresas Leonardo e Difesa Servizi, o diretor geral da Agência da Indústria de Defesa, o presidente da Fundação Leonardo e o presidente da Fundação Med-Or, todas organizações ligadas ao setor bélico.
Além do papa, apenas o Movimento Cinco Estrela e a Esquerda de Fratoianni continuaram cultivando a paz. Portanto, é hora de essas duas forças políticas coordenarem as suas estratégias, pois se encontram lutando do mesmo lado sempre que é preciso impedir o militarismo, reduzir as desigualdades e prover à crescente massa de pobres. Isto é, dizer e fazer algo de esquerda.
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Despesas militares: 2% que vão contra toda a racionalidade. Artigo de Domenico De Masi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU