02 Março 2022
“Durante a Quaresma, vamos combater o pecado do racismo, engajando-nos no chamado católico para ser antirracistas, que inclui discernir e arrepender-se de crenças e ações racistas, bem como promover políticas que promovam a equidade enquanto trabalham para desmantelar leis e práticas que possibilitar a desigualdade. Ao utilizar a espiritualidade de Santo Inácio, incluindo os Exercícios Espirituais e o Exame, podemos unir nossa fé e o trabalho de Ibram X. Kendi, tornando-nos antirracistas inacianos”, escreve Matt Kappadakunnel, graduado em administração pela Creighton University, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 02-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Quaresma é um tempo para se aproximar de Deus, que é rico em misericórdia e procura nos curar das feridas do pecado e da divisão.
Um pecado que continua ferindo e dividindo nossa Igreja e sociedade é o racismo.
No último ano, eu postei no Twitter uma recomendação aos católicos para combaterem o racismo na Quaresma. Não surpreendentemente, várias pessoas responderam me atacando e se defendendo.
Felizmente, no entanto, para muitos católicos, o assassinato de George Floyd e os protestos contra a injustiça racial levaram a um chamado para refletir sobre como responder ao pecado do racismo – tanto em termos de como inconscientemente promovemos o racismo, quanto de quais ações precisamos tomar para remover a prevalência social da desigualdade.
“How to be an antiracist” (“Como ser um antirracista”, em tradução livre), de Ibram X. Kendi, é um recurso inovador para aprender que a resposta ao racismo não é simplesmente não ser racista, mas ser antirracista — promover ativamente políticas e práticas que levem à equidade e se oponham às que propagam a desigualdade.
Ao ler este livro, tomei consciência de como eu tinha sido historicamente um espectador enquanto negros, pardos, asiáticos-americanos e povos de ilhas do Pacífico eram vilipendiados tanto em meu meio quanto na sociedade. Porque eu falhei em me ver como “um deles” (e não vendo minha própria cor parda), eu, em retrospectiva, não tinha compaixão e consciência da situação de meus irmãos e irmãs racialmente marginalizados.
Mas o livro de Kendi por si só não me levou à metanoia. Em vez disso, minha experiência da espiritualidade inaciana, ou seja, os Exercícios Espirituais e o Exame, me permitiram ler em oração “How to be an antiracist” e perceber o Espírito falando comigo através dos movimentos do meu coração. Meus olhos se abriram para minha falta de solidariedade e percebi a necessidade de citar as vezes em que também experimentei injustiça racial, bem como as ocasiões em que participei de insultos e piadas raciais, promovendo crenças prejudiciais e desiguais.
Dentro e em torno desses movimentos em meu coração, experimentei Deus me chamando em 2020 para não mais ser um espectador, mas para ficar com e para aqueles que sofrem a opressão racial. Ouvi isso como um chamado inequívoco evangélico de Cristo, que todos os dias me lembra de me perguntar:
→O que fiz por Cristo, presente nos marginalizados racialmente?
→O que estou fazendo por Cristo, presente nos marginalizados racialmente?
→O que devo fazer por Cristo, presente nos marginalizados racialmente?
Não estou sozinho neste chamado particular de Deus. Pelo contrário, a nossa fé chama-nos a sair de nós mesmos e a acompanhar os necessitados. E aqueles que vivenciam o racismo precisam de justiça.
Muitos de nós testemunhamos em nossas paróquias e nas mídias sociais aqueles que rejeitam a noção de ser antirracista, rotulando-a com desdém como “secular” e “esquerdista”. Outros aceitam a noção do pecado pessoal do racismo, mas discordam da ênfase de Kendi na desigualdade estrutural.
O que falta a esses católicos é uma experiência de metanoia em termos do pecado do racismo. Ao ver através dos olhos da Trindade como o coração de Deus sofre com aqueles que sofrem a opressão racial, seus olhos, como os meus, podem ser abertos novamente. Isso permitiria que os católicos antirracistas abrissem seus corações ao chamado de Cristo para amar e defender os marginalizados racialmente.
Nesta Quaresma, os católicos devem ler e examinar a própria metanoia de Kendi em relação ao pecado do racismo e conectar sua reflexão com os Exercícios Espirituais e o Exame Inaciano.
Em sua introdução a “How to be an antiracist”, Kendi compartilha de forma vulnerável como ele uma vez comprou o racismo. Ele escreve: “Eu costumava ser racista a maior parte do tempo. Estou mudando. Não estou mais interagindo com racistas alegando ser 'não racista'. Não estou mais falando através da máscara da neutralidade racial”. Kendi escreve para seu público não como um especialista irrepreensível, mas como alguém que também foi enganado por uma educação social que promove a desigualdade. Ele escreve:
Para mim, que terminei o ensino médio no ano 2000, é difícil de acreditar que se exista tantas ideias racistas… Eu era um idiota, um idiota que viu as lutas contínuas dos negros no Dia de Martin Luther King e decidiu que os próprios negros eram o problema. Essa é a função consistente das ideias racistas – e de qualquer tipo de intolerância mais ampla: nos manipular para ver as pessoas como o problema, em vez das políticas que as prendem.
Ler a lembrança de Kendi de quando ele pensava e agia de maneira racista me fez lembrar da Meditação sobre o Pecado nos Exercícios Espirituais. Neste exercício, consideramos como caímos no passado e nossa necessidade da misericórdia de Deus. Reconhecer os casos em que cometemos erros e desejar fazer o oposto são os primeiros passos para a conversão e crescimento no seguimento de Cristo.
As crenças e atitudes racistas que Kendi percebeu em si mesmo foram internalizadas por meio de influências sociais, que formam preconceitos implícitos ou inconscientes.
O Exame Inaciano é uma excelente maneira de desmascarar preconceitos inconscientes. Nesta oração, refletimos sobre nossas interações e movimentos interiores ao longo do dia e discernimos quais crenças e ações refletiam o terno amor de Deus e quais se opunham a esse amor.
Também podemos rezar o Exame Particular, focando em um pecado específico como o racismo.
Ao refletir sobre nossos dias – como amávamos a Deus e ao próximo nesta área e como perdemos a oportunidade de fazê-lo – podemos tomar consciência de quaisquer crenças e tendências racistas que possamos ter e buscar o perdão de Deus.
No Exame, podemos pedir a Deus a graça de pensar e agir de modo a promover a equidade e a dignidade humana. Em conjunto com isso, podemos orar pela virtude para combater o vício do racismo.
Além disso, por meio do Exame, podemos refletir sobre como podemos colocar em prática o antirracismo, fazendo perguntas como:
Quando o pároco ou conselho pastoral está falando pejorativamente sobre temas como Black Lives Matter, vigília e teoria racial crítica, o que estamos fazendo para desafiar essas narrativas prejudiciais?
Quando os políticos apoiam descaradamente restrições aos direitos de voto que afetam desproporcionalmente pessoas não brancas, o que estamos fazendo para desmantelar essas leis injustas e impedir que esses legisladores abusem de seu poder?
Trabalhar para o antirracismo a partir de um quadro pessoal e institucional é recíproco. Quando tomamos medidas para trabalhar com outras pessoas para combater leis e práticas que são racialmente injustas, crescemos na virtude do antirracismo, o que nos ajuda a perceber e desfazer crenças e práticas pessoais que são racistas mais prontamente.
Assim, durante a Quaresma, vamos combater o pecado do racismo, engajando-nos no chamado católico para ser antirracistas, que inclui discernir e arrepender-se de crenças e ações racistas, bem como promover políticas que promovam a equidade enquanto trabalham para desmantelar leis e práticas que possibilitar a desigualdade. Ao utilizar a espiritualidade de Santo Inácio, incluindo os Exercícios Espirituais e o Exame, podemos unir nossa fé e o trabalho de Kendi, tornando-nos antirracistas inacianos.
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Como ser um inaciano antirracista nesta Quaresma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU