07 Janeiro 2022
A Igreja Católica pode retornar a assembleias democráticas, estilo Protestante, ou abraçar a reforma que dá aos conselhos um papel de deliberação, mas não de tomada de decisão.
O artigo é de Jean-François Chiron, professor de Teologia no Instituto Católico de Lyon, publicado por La Croix, 05-01-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O debate que está começando a dar forma à sinodalidade vem no contexto da maior consciência já tida sobre a violência cometida dentro da Igreja Católica. E, como tal, isso oferece uma oportunidade para rever alguns dados.
Faremos isso de forma sintética – não para encerrar o debate, mas para relembrar uma alternativa e, talvez, alertar contra uma ambiguidade.
O teólogo moral salesiano francês Xavier Thévenot (1938-2004) gostava de distinguir entre duas categorias de mudança.
Existe uma mudança do “tipo A”, o que significa fazer a mesma coisa, apenas de forma diferente. E então há a mudança do “tipo B”, o que significa fazer algo novo.
Nossa Igreja precisa de um ou de outro, dependendo da área e do problema. Isso é o que deve ser discutido entre os fiéis batizados.
Consideremos o papel dos ministros ordenados – isto é, bispos diocesanos e párocos.
A tradição católica afirma que, em vários níveis, os ministros ordenados têm a palavra final nas decisões tomadas: o papa na Igreja universal, o bispo na diocese e o padre-pároco na paróquia.
A questão, portanto, é se esse princípio deve ser questionado. Isso significaria, de uma vez por todas, livrar a Igreja do clericalismo.
A última palavra seria então dada às assembleias leigas ou aos conselhos paroquiais. A voz do ministro ordenado seria apenas uma entre outras, a de um primus inter pares ou primeira entre iguais.
O que se aplicaria a um nível da vida eclesial deveria, logicamente, aplicar-se a outros, desde a paróquia até a Igreja universal (Sínodo dos Bispos), passando pelas Igrejas locais (conselho presbiteral e/ou conselho pastoral).
Essa perspectiva merece ser discutida. Isso nos traria mais perto de como funcionam as Igrejas protestantes – onde este princípio de tomada de decisão por maioria é implementado de maneiras muito diferentes.
Estaríamos lidando com uma mudança “tipo B”: uma verdadeira revolução. Isso significa que o primeiro tipo de mudança deve ser rejeitado como insuficiente?
Trataria de trabalhar não tanto na última palavra, mas no “penúltimo” e no que segue a última palavra. Isso seria precedido, não por consultas formais, mas por deliberações genuínas, permitindo a expressão da diversidade através da parrésia (ou falando com ousadia) que o Papa Francisco encoraja.
Não se dá apenas a palavra sem desafios. Uma pessoa não pode decidir de acordo com sua própria vontade quando opiniões bem fundamentadas foram expressas.
Ao contrário, a deliberação de poucos informará, no sentido mais forte, a decisão de apenas um. Também pode ajudar a construir consenso, em vez de decisões em que a maioria prevalece sobre a minoria.
E a palavra final (é preciso decidir) não será o fim do processo: as modalidades terão que prever o que é da responsabilidade de quem decide – uma responsabilidade que é mais fácil de determinar quando é mais responsabilidade dos indivíduos que dos grupos.
Transparência na tomada de decisões, responsabilidade no sentido forte (prestar contas não só aos superiores, mas também aos seus iguais e associados), é o que tem faltado na nossa Igreja, com consequências que já não podem ser ignoradas.
Nesse sentido, pode-se sugerir que seja conferido um estatuto real aos conselhos presbiterais, que são ignorados pela lei e são importantes lugares de deliberação. Os conselhos pastorais nas paróquias também devem ser obrigatórios por lei; isso reforçaria sua legitimidade.
É normal que um pastor cancele unilateralmente as missas sem consultar o conselho paroquial? É normal que um bispo nomeie um vigário geral sem consultar seu conselho presbiteral?
Seria uma questão não tanto de ter um maior número de fiéis batizados tomando decisões, mas de participar do processo de tomada de decisões. Essa perspectiva de mudança parecerá insuficiente para alguns.
Mas o grande barco que é a Igreja Católica não pode virar em ângulo reto, mesmo que seja para evitar um iceberg, e mesmo que o iceberg já esteja rasgando a lateral do navio.
Nem as práticas em outras denominações cristãs podem ser transplantadas para a Igreja Católica como estão. Devemos levar em conta histórias, referências teológicas e mentalidades que não são as mesmas.
Mas o fato é que sempre podemos aprender com os outros.
Recordemos também o contexto atual, nomeadamente de crise de legitimidade, tanto a nível episcopal como presbiteral.
Esta é uma situação problemática, especialmente para os mais fracos, se um poder legítimo, mas desqualificado, dá lugar a apropriações não regulamentadas de poder. Essa tomada de poder pode ser obra de minorias ativas que, no contexto atual, nem sempre se inclinarão para as chamadas soluções “progressistas”.
Há também o medo da criação, em todos os níveis (paróquias, dioceses e mesmo em Roma) de pequenos (ou grandes) feudos cujos senhores prestarão contas apenas a si mesmos.
Autoridade significa legitimidade. Mas o que é legitimidade final? O do ministro ordenado, ou o do maior número – na verdade, dos representantes do maior número?
Há uma pista de que escolhas devem ser feitas a esse respeito.
Quando o Papa Francisco fez seu importante discurso em 2015 para comemorar o 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, ele citou um princípio da Igreja no primeiro milênio que diz: “Quod omnes tangit ab omnibus tractari debet” (“o que diz respeito a todos deveriam ser discutido por todos”).
Mas ele omitiu a última parte desse princípio – “et approbari debet” (“e ser aprovado por todos”). Curiosamente, a Comissão Teológica Internacional cita o princípio completo em seu documento de 2018, “Sinodalidade na vida e na missão da Igreja”.
Aqui temos duas formulações diferentes do mesmo adágio ou princípio. E, sem dúvida, eles transmitem duas ideias diferentes de sinodalidade.
Levar em consideração a alternativa aqui lembrada pode ajudar a constituir uma grade de leitura e a medir os riscos e consequências do que está sendo proposto. O que esperamos da “Igreja sinodal” depende em parte disso.
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Uma Igreja sinodal e opção para mudanças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU