22 Dezembro 2021
Liderado pelo Centro de Peacemaking, a Marquette University, administrada pela Companhia de Jesus, e grupos locais em Milwaukee, Wisconsin, estão ocupados preparando a acolhida de refugiados afegãos que fugiram dos seus países depois que as forças do Talibã tomaram Cabul, em agosto.
A reportagem é de Catherine M. Odell, publicada por National Catholic Reporter, 21-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Marquette está oferecendo hospitalidade, apoio financeiro e bolas de estudo para afegãos que querem pela educação ajudar a iniciar novas vidas. A universidade está particularmente contente de acolher Basir Bita, um ativista de direitos humanos de 36 anos, tradutor e estudante de longo tempo no Centro de Peacemaking.
Bita, sua esposa Hosnia, sua filha Mahdia, de 17 anos, e o filho Barbod, de 5, chegaram no Canadá em 22 de outubro depois de uma perturbadora jornada. Devido à Bita ter trabalhado para uma ONG canadense no Afeganistão, ele e sua família esperam se tornar cidadãos canadenses.
“Eu conheci Basir há uns 10 anos, quando eu viajava com frequência ao Afeganistão”, contou Patrick Kennelly, diretor do Centro de Peacemaking, ao NCR. “Nós estávamos oferecendo um curso sobre peacemaking e não-violência. Basir ajudou como instrutor, especialmente com traduções”. Ele também era membro e líder dos Voluntários Afegãos para a Paz, um grupo que o centro trabalhava perto, acrescentou Kennelly.
Uma década de conexões próximas entre Marquette e ativistas afegãos forjou um lanço singular entre a comunidade universitária e a população do outro lado do mundo, disse Chris Jeske, diretor associado do centro. Muitos funcionários do Centro, estudantes de graduação e pós-graduação, e alunos de Marquette em geral visitar o Afeganistão para aprender mais sobre a luta por direitos lá.
O centro também teve certeza que os estudantes da Marquette poderiam também aprender sobre essa luta nos seus próprios campus, disse Jeske.
“Durante anos tivemos estudantes graduados em estudos de paz e aqueles interessados em se reunir em nosso centro para chamada de Skype com alguns de nossos amigos afegãos”, disse. “Existe conexões significativas com o que estava ocorrendo no Afeganistão. Mesmo para estudantes de graduação da Marquette”.
Quando Cabul colapsou tão rapidamente neste inverno, Kennelly disse, “um grupo de pessoas que eram amigas do centro imediatamente perguntaram o que poderia ser feito. Nós achamos que para muitos refugiados assentados, a educação seria um tíquete que melhoraria suas vidas”. Ele explicou que o Visto F1 – visto estudantil – também permitiria que estudantes como Bita trouxesse suas famílias quando vieram estudar na Marquette.
Em pouco tempo, o Centro de Peacemaking, a Sociedade Islâmica de Milwaukee e alguns funcionários Marquette e membros da pastoral universitária se uniram para arrecadar 110 mil dólares para um Fundo de Educação do Afeganistão. Até mesmo a Escola Notre Dame de Milwaukee, uma escola primária católica, quis aceitar o filho de Bita, Barbod, como bolsista integral.
“Temos cerca de 40 mil dólares para atingir nossa meta”, disse Kennelly. “Nossa esperança é que possamos não apenas apoiar Basir e sua família, mas outros com status de refugiado ou asilo que podem obter ajuda do governo dos EUA para ir à escola. Este fundo pode ajudar com coisas como moradia e alimentação. Como uma instituição jesuíta católica, realmente levamos muito a sério o mandato de acolher o estranho”.
Bita, que atualmente mora em Vancouver, está profundamente grata pela acolhida oferecida pela Marquette. Ele está ainda mais grato, entretanto, que ele e sua família agora podem se sentir relativamente seguros após meses de trauma, ameaças de morte, espancamentos, abuso verbal e simplesmente sem saber se sobreviveriam.
Bita, fluente em inglês, disse ao NCR que pode ver que seus filhos estão começando a relaxar. A viagem de Cabul ao Canadá era perigosa, cansativa e demorava meses.
“Fizemos oito tentativas de embarcar em um voo de evacuação de Cabul”, começou Bita, “mas todas as nossas tentativas falharam”. Como milhares de afegãos ameaçados por represálias do Talibã, os Bitas sabiam que teriam de partir. “Em 26 de agosto, estávamos no aeroporto de Cabul quando ocorreu a grande explosão que causou a morte de 13 soldados americanos e quase 200 civis”.
Bita disse que só isso já era o suficiente para aterrorizar suas crianças, especialmente seu filho. Mas os ataques e ameaças ficaram mais pessoais quando foram forçados a voltar para casa depois de não conseguirem conseguir voos. Eles costumavam caminhar pelos canais de esgoto da cidade e uma vez foram confrontados por soldados do Talibã.
“Fomos todos espancados, mas fui espancado severamente. Então, um deles pegou meu telefone do trabalho”, lembrou. “Também me lembro que, após nossa sétima tentativa fracassada de pegar um voo no aeroporto, estávamos voltando para casa de táxi. Eu estava brincando com meu filho, tentando mudar seu humor. Ele começou a rir, mas mesmo enquanto ele estava rindo, ele começou a chorar. Ele estava tão traumatizado”.
A família Bita acabou viajando por terra para o norte do Afeganistão e voou para o Paquistão. Lá, eles esperaram pela permissão canadense para voar para Toronto e depois para Vancouver. Quando obtiverem o cartão de residência permanente do Canadá e um visto estudantil dos EUA, os Bitas estarão livres para viajar para Marquette.
“Vou estudar para um mestrado em aconselhamento de saúde mental”, disse Bita. Ele escolheu o aconselhamento porque ele e sua família passaram por muitos traumas, e ele sabe que 40 mil afegãos reassentados no Canadá podem precisar de ajuda. “Todos eles passaram por algum trauma e precisarão de apoio”.
Apoiar e ajudar os outros está profundamente enraizado na história e no coração deste afegão.
“Venho de uma família profundamente religiosa”, explicou Bita. “Eu nasci no Irã e meus avós esperavam que um dia eu me tornasse um 'mulá', um membro do clero muçulmano. Mas, como eu estava crescendo como um refugiado afegão no Irã, minha mentalidade mudou”. O acesso à educação e a liberdade de viajar no Irã foram negados aos refugiados – mesmo que eles tivessem nascido no Irã. Ele se ressentiu da repressão.
Aos 18 anos, Bita mudou-se para o Afeganistão para estudar na Universidade de Cabul. Nesse novo ambiente, ele começou a reavaliar a maneira como ele praticava o Islã. Naqueles dias, ele via todo não-muçulmano como um infiel. “Para ser honesto, eu acreditava que se conseguisse matar alguns infiéis, certamente iria para o céu!”.
Mais tarde, ele “percebeu como aquilo era insano e desumano”, disse ele. “Mas não é apenas o governo iraniano que mostra favoritismo para alguns e discriminação contra outros. Muitas nações ou grupos afirmam que são um 'povo escolhido', diferente de outros”.
“Por fim, reconheci que não há diferença entre você e eu, entre o Talibã e outras pessoas. Primeiro, somos todos seres humanos. Depois, somos americanos, canadenses ou afegãos e católicos ou muçulmanos”.
Hoje, Bita se considera um cidadão do mundo e pratica o sufismo, uma forma de misticismo islâmico. “Estou triste e preocupado com o Afeganistão desde que o Talibã recuperou o poder”, disse. “Vinte e oito anos de esforços internacionais e afegãos para reconstruir o país, para torná-lo um país onde muitas pessoas poderiam se encontrar, fracassaram”.
Bita “desenvolveu um senso de cidadania global”, disse ele. “Não acredito que pertença ao Afeganistão ou jamais pertencerei ao Canadá. Meu país é este planeta. Nunca sentirei saudade do Afeganistão como muitos outros sentirão”. Ele também sente a responsabilidade de fazer tudo o que puder para “proteger a humanidade e nossa união”.
Bita não tem certeza se americanos ou canadenses podem entender como tem sido para sua família ou outros refugiados que tiveram que deixar seu país para encontrar uma nova vida.
“Eu realmente acho”, disse ele após um momento de reflexão, “que as pessoas precisariam passar por tudo isso para saber o que é ser espancado, perseguido e ter amigos levados que você nunca mais verá”.
Kennelly, o diretor do centro Marquette, tem sugestões para outras comunidades que esperam receber refugiados afegãos.
“Acho que o cerne disso é lembrar a importância da presença e da construção de relacionamentos pessoa a pessoa”, disse ele. “Quando realmente conhecemos as pessoas, podemos ser empáticos e responder às suas necessidades. À medida que mais americanos encontram os afegãos, mais relacionamentos podem se formar e melhor será. Esses novos amigos serão capazes de prosperar”.
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EUA. Universidade jesuíta acolhe refugiados afegãos em seu campus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU