17 Dezembro 2021
A pandemia aumentou notavelmente a fome no mundo, muito mais do que nas décadas anteriores, especialmente entre as crianças que estão pagando o preço mais alto. De acordo com o recente Estado da Segurança Alimentar e Nutricional 2021, realizado por vários organismos das Nações Unidas – UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola), OMS (Organização Mundial da Saúde) e PMA (Programa Mundial de Alimentos) –, em 2020, cerca de 811 milhões de pessoas, um décimo da população mundial, sofreram subalimentação. Neste período, as mulheres sofreram uma taxa de insegurança alimentar 10% mais alta do que os homens, frente a de 6%, em 2019.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 14-12-2021. A tradução é do Cepat.
Ásia e África são as regiões mais afetadas, mas também a América Latina. Na Ásia, as pessoas desnutridas em 2020 eram 418 milhões (57 milhões a mais do que em 2019), na África, 282 milhões (46 milhões a mais do que em 2019), e na América Latina, quase 60 milhões (14 milhões a mais do que em 2019), especialmente em países como Haiti, Guatemala, Honduras, El Salvador e Venezuela. Mas também se verificou um aumento de casos de subalimentação em vários países da Europa, entre eles, a Itália.
A covid está ameaçando os avanços que haviam sido alcançados em relação às crianças em termos de pobreza, saúde, educação, nutrição, proteção e bem-estar. “A dois anos da pandemia, o impacto continua se agravando, aumentando a pobreza, radicalizando as desigualdades e ameaçando os direitos das crianças de uma forma jamais vista”, diz o estudo da UNICEF, que qualificou esta situação como a pior verificada nos 75 anos de sua existência. Trata-se, em especial, de cerca de 60 milhões de crianças que estão em famílias com um nível econômico inferior em comparação com antes da pandemia.
Mas os dados alarmantes não param por aí. Outro elemento que agrava a situação das crianças é que o trabalho infantil aumentou em 8,4%, chegando a 160 milhões de crianças nos últimos 4 anos. E até final de 2022, outras 9 milhões correm o risco de ser obrigadas a trabalhar por causa da pobreza aumentada pela pandemia, diz a UNICEF.
Outros dois fatores que preocupam notavelmente os organismos da Organização das Nações Unidas influenciam na situação de pobreza vivida pelas crianças do mundo: as guerras e conflitos e a mudança climática. Em nível global, 426 milhões de crianças – quase uma em cada cinco – vivem em regiões em que os conflitos são cada vez mais graves e recaem fortemente sobre os civis, boa parte na África, mas não só.
Por outro lado, quase um bilhão de crianças – quase a metade da população infantil do mundo – sofre os efeitos da mudança climática que aumenta a fome em geral ao espalhar a desertificação e outros efeitos que arruínam a agricultura e a sobrevivência. E muitas famílias decidem mudar de residência ou de país por causa disso, gerando também insegurança em todos os seus membros.
“Em uma época de pandemia global, de conflitos crescentes e diante da piora da mudança climática, hoje mais do que nunca é fundamental buscar soluções concentradas nas crianças. Enquanto trabalhamos com governos, doadores e outras organizações para elaborar um programa para os próximos 75 anos, devemos ter presente as crianças, em primeiro plano, para os investimentos, e em último para os cortes que forem feitos”, disse a diretora da UNICEF, Henrietta Fore.
Na América do Norte e na Europa, as duas regiões com as mais baixas taxas de insegurança alimentar em geral, a pandemia também aumentou o número de casos de subalimentados. Segundo o Escritório do Censo dos Estados Unidos, entre os 330 milhões de habitantes, cerca de 37,2 milhões viviam em situação de pobreza em 2020, o que significou um aumento de 3,3 milhões em relação ao ano anterior.
Na Itália, os últimos dados do instituto de estatísticas ISTAT revelaram que entre os quase 60 milhões de habitantes, mais de 5,6 milhões de pessoas vivem em condições de “pobreza absoluta”, ou seja, não estão em condições de conseguir o necessário para a sua sobrevivência, como alimentos, bens e serviços (roupas, remédios, livros para a escola, etc.). Destes 5,6 milhões, 1.127.000 são jovens de 18 a 34 anos. Milhares de crianças e adolescentes que pertencem a essas famílias em dificuldade têm ao menos a sorte de poder contar com um almoço nas escolas que frequentam.
O aumento dos pobres na Itália foi denunciado por organizações de solidariedade internacional como a muito respeitada organização católica Comunidade de Santo Egídio. Segundo o presidente da Santo Egídio, Marco Impagliazzo: “Os novos pobres da covid são famílias com crianças e dinheiro insuficiente para satisfazer as necessidades elementares. São cerca de dois milhões de famílias, das quais 1,3 milhão de pessoas são menores de idade”, disse Impagliazzo, acrescentando que muitas dessas famílias perderam o trabalho ou passaram de uma situação de trabalho precário a condições muito mais precárias, ao que se une o aumento dos preços dos alimentos.
Cerca de 59,7 milhões de latino-americanos e caribenhos passaram fome em 2020, 13,8 milhões a mais do que no ano anterior, segundo o relatório das agências da Organização das Nações Unidas sobre a segurança alimentar. O estudo também apontou que 41% da população em geral sofre insegurança alimentar, ao mesmo tempo em que sobrepeso e a obesidade aumentam de forma alarmante. Boa parte deste aumento tem a ver com o impacto da pandemia de COVID-19, que reduziu a renda de milhões de pessoas na região. No entanto, esta não é a única razão, pois há seis anos consecutivos os números da fome na região estão aumentando.
Os dados mostram que entre 2019 e 2020, na América Central, 19 milhões de pessoas passaram fome. No Caribe, 7 milhões de pessoas, e na América do Sul, 33,7 milhões de pessoas. Mas a América do Sul foi a região onde mais cresceu a insegurança alimentar: 20,5%, entre 2014 e 2020. Por outro lado, as mulheres latino-americanas, assim como no resto do mundo, em 2020, sofreram mais com a insegurança alimentar moderada ou grave do que os homens: 41,8% mulheres, 32,2% homens.
Segundo as agências da Organização das Nações Unidas, que fizeram várias propostas aos governos, é necessário que cada país tome medidas imediatas para deter o aumento da fome, da insegurança alimentar e da desnutrição em todas as suas formas. Para isso, os governos devem agir rapidamente transformando seus sistemas agroalimentares, tornando-os mais eficientes, inclusivos e sustentáveis, e assim conseguir proporcionar dietas saudáveis para todos.
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A fome aumenta no mundo e as crianças pagam o preço mais alto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU