A candidatura de Sandrine Rousseau às primárias francesas pelos ecologistas colocou em evidência uma perspectiva política ainda pouco conhecida do grande público: o ecofeminismo.
Este termo guarda-chuva designa múltiplas correntes de pensamento que ligam a dominação exercida pelos homens sobre as mulheres e a dominação que exercem sobre a natureza. Está cada vez mais presente no debate público, como o evidencia, por exemplo, a concessão, no início do ano, do prêmio do livro de ecologia política à filósofa Jeanne Burgart-Goutal pela sua obra Être écoféministe. Théories et pratiques, ed. L'Echappée, 2020 (Ser ecofeminista. Teorias e práticas).
A entrevista é de Céline Mouzon, publicada por Alternatives Économiques, 23-10-2021. A tradução é de André Langer.
É também pelo ecofeminismo – mas não exclusivamente – que se interessa o livro da pesquisadora Geneviève Pruvost. Socióloga do gênero, do trabalho e da noção de violência legal e ilegal (é coautora, com Coline Cardi, em 2012, de um livro intitulado Penser la violence des femmes [Pensar a violência das mulheres], publicado pela La Découverte), ela trabalha há dez anos em alternativas rurais e formas de construir sociedade nas periferias e nos limites do mundo mercantil.
Este novo trabalho compreende duas partes: uma etnografia contábil de uma família de camponeses-padeiros, cuja publicação está prevista para 2022, e uma magistral investigação intelectual sobre as filiações teóricas e conceituais das ecofeministas e o diálogo que mantêm com outros pensadores da ecologia política e do anti-capitalismo. Em setembro, ela publicou Quotidien politique. Féminisme, écologie, subsistance, ed. La Découverte (Cotidiano político. Feminismo, ecologia e subsistência).
O que é o ecofeminismo? A que análises teóricas a politização do cotidiano dá origem? Como a perspectiva da subsistência olha de forma crítica para as nossas sociedades de consumo? E que propostas políticas propõe?
Geneviève Pruvost é socióloga, pesquisadora do CNRS e membro do Centro de Estudos dos Movimentos Sociais (CEMS).
A ecologia política não é necessariamente feminista. Pelo contrário, o ecofeminismo é de fato uma ecologia política. Em seu livro, você faz dialogar livremente uns e outros e confronta o seu pensamento com o pensamento dos teóricos marxistas libertários. Por que essa escolha?
Eu não faço do ecofeminismo o único planeta matricial sobre o qual eu me apoio. Eu queria misturar o ecofeminismo com outros pensamentos próximos com os quais ele dialoga. Foi uma aposta editorial e intelectual para apresentar o ecofeminismo, por um lado, aos entusiastas de Henri Lefebvre [filósofo pensador marxista do cotidiano, nota do editor] e de Ivan Illich [pensador da ecologia política, nota do editor] e, por outro lado, para mostrar que o ecofeminismo constitui um corpo de pensamento plenamente reconhecido na teoria do capitalismo.
Isso me pareceu ainda mais necessário, uma vez que se perderam cinquenta anos de memória intelectual na França sobre essa corrente de pensamento. O ecofeminismo foi suplantado por teorias menos atentas às lutas ambientais e, na linha de Simone de Beauvoir, mais preocupadas em pensar a emancipação das mulheres em relação a um modelo masculino, para dizê-lo muito rapidamente.
Quanto ao marxismo libertário, sua abordagem crítica parece-me inteiramente em sintonia com uma perspectiva ecofeminista.
Como definir o ecofeminismo?
O ecofeminismo é uma vasta galáxia onde coexistem várias abordagens teóricas, várias concepções de ativismo, que têm em comum o fato de oferecerem uma reflexão global sobre gênero, ambiente, capitalismo e organização social.
Algumas correntes são mais radicais que outras, prevendo a necessária destruição do sistema capitalista, sem necessariamente aderir às economias socialistas.
O ecofeminismo que me interessa considera que a destruição do planeta, ou seja, de nossas condições de vida, está ligada a um modo de desenvolvimento econômico conduzido pelos Estados-nação, pela indústria, pela monetarização e pela colonização, que levam a uma mercantilização unilateral e ao deslocamento da produção. As pessoas comuns são destituídas da capacidade de agir, seguindo um processo que não é nada neutro: a cúpula do Estado, a propriedade da terra, as profissões liberais, capazes de reconfigurar setores vitais (medicina, engenharia, direito, construção civil, agricultura), são lugares de poder predominantemente masculinos. Esta tomada de poder considerável diz respeito a atividades que, no entanto, devem ser redistribuídas. Mas como?
As ecofeministas às quais me refiro apontam para o problema do critério da ascensão social através do trabalho assalariado em prestigiosas profissões remuneradas, o que supõe uma adesão prévia à organização do trabalho capitalista.
Tendo trabalhado anteriormente com a feminização da polícia, conheço bem a questão da feminização das profissões como uma alavanca de transformação. A feminização da polícia certamente melhora o princípio democrático da igualdade de oportunidades porque as populações anteriormente excluídas estão mais bem representadas. Mas essa integração (minoritária) não muda a função da polícia em nossas democracias.
Você fala com mais frequência de “subsistência” do que de ecofeminismo, o que lhe permite aceitar autores e autoras que não reivindicam o ecofeminismo. Como entende essa noção?
A subsistência foi conceituada pelas ecofeministas alemãs Maria Mies, Claudia von Werlhof e Veronika Bennholdt-Thomsen. O termo também se refere a trabalhos históricos e antropológicos que distinguem as sociedades marcadas pelas economias de subsistência, em oposição às sociedades de consumo, onde existe a obrigação de adquirir os serviços básicos. Para Mies e suas partidárias, trata-se de destacar as experiências do Sul Global, mas também de traçar um programa de ação para o futuro.
A subsistência refere-se a todas as atividades que permitem a um agregado familiar (este termo abrange unidades maiores do que a família, como o distrito ou a aldeia) ter formas de independência em relação à sociedade mercantil. Não se trata apenas da alimentação: todos os bens e serviços são contemplados, do cuidado às atividades artesanais.
A subsistência também implica levar em consideração os mundos vivos, que têm capacidades regenerativas que em grande parte podem prescindir da mão humana, e com os quais interagimos. Esses mundos vegetais, animais, minerais e orgânicos têm sua própria temporalidade e suas próprias restrições. A subsistência, portanto, nos afasta da ideia do domínio humano sobre a capacidade de reprodução da vida.
Isso tem implicações em termos de trabalho. O reforço das interdependências entre as atividades humanas e não humanas permite reduzir a imposição da produção. O antropólogo estadunidense Marshall Sahlins demonstrou isso: as sociedades de subsistência não são economias de sobrevivência; elas podem ser sociedades da abundância. Maria Mies, por ter crescido na fazenda, depois compartilhado o cotidiano dos camponeses indígenas em suas pesquisas de sociologia, também o demonstra: viver em um ambiente de convivência com animais de fazenda permite ocupar-se da alimentação dos animais e de muitas outras tarefas, integrando as crianças e os idosos nesta forma de estar no mundo. A subsistência é um tempo compartilhado.
A noção de subsistência também envolve uma reflexão sobre a organização coletiva. Uma “perspectiva de subsistência”, para usar a expressão homônima de um livro de Veronika Bennholdt-Thomsen e Maria Mies, reconhece a existência do tempo para o debate sobre assuntos comuns enquanto o trabalho em si está sendo realizado. As pessoas debatem em terreno familiar, no momento em que a subsistência está sendo produzida. Isso levanta a questão das arenas de tomada de decisão e do modo de governo promovidos por nossas democracias, que, por outro lado, separam os espaços de trabalho, os espaços privados e os espaços públicos. Ao especializar os espaços, privatizamos em todos os aspectos os debates cruciais que ocorrem na trivialidade do cotidiano e são, por esse fato, inclusivos.
Por fim, a subsistência convida a repensar a questão do espaço e dos ambientes de vida, para que não sejam fechados nem reduzidos a regiões. Os adeptos das alternativas rurais têm uma capacidade real de circular a partir de seu lugar de ancoragem. Há algo da ordem do nomadismo aqui, ao contrário das sociedades hipertecnológicas, que também são sociedades uniformizadas: o hotel em Dubai e o de Nova York são iguais.
Federici e Maria Mies, que viajaram pelo mundo, buscavam uma forma de manter a diversidade das organizações sociais do planeta sem perpetuar as sociedades tradicionalistas e excludentes.
A hospitalidade é a chave.
Como isso funciona na prática?
Muitas alternativas rurais estão agora tentando retomar a dinâmica da subsistência. Em sociedades pós-camponesas como as nossas, entretanto, isso é muito complicado. Com a sociedade de consumo literalmente inserida em nossos muros, perdemos o sentido do território – e das pessoas – que nos permite beber, comer, dormir, trabalhar sob um teto aquecido.
Não é simples reconstruir uma aldeia em um território fragmentado, entre um vizinho fazendeiro adepto dos agrotóxicos, uma zona comercial e vias expressas. A sociedade industrial, na fase da extrema mercantilização em que nos encontramos, também desvaloriza a desenvoltura e a polivalência. No entanto, isso era típico da organização do trabalho das sociedades camponesas, mas também dos operários, que dispunham de saber-fazer básicos em matéria de subsistência.
A aprendizagem do coletivo também se faz de forma diferente e mais tardiamente. A coordenação das atividades em pequenos territórios implicava estreitas relações comunitárias, de face a face.
É claro que não há nostalgia pelas organizações familiares patriarcais do passado. Mas isso significa que toda a socialização no trabalho coletivo e na convivência em um ambiente de convivência foi incorporada desde a infância. Agora, para todas as gerações que não foram formadas no trabalho manual e num conhecimento prático das coisas vivas, deve ser aprendido nos livros, fazer formações.
Nos novos grupos de convivência, isso significa estabelecer laços de confiança muito rapidamente e coordenar-se com eficácia, sem ter trabalhado juntos durante um longo tempo. Isso é um desafio. Talvez seja por isso que em muitas alternativas que tenho observado, com frequência se coloquem em prática as lógicas familiares, mesmo quem não tem filhos: as pessoas se casam, se separam, depois voltam a entrar em uma relação, e se conectam com pessoas que também trabalham em casa.
Outros lugares, como a zona a defender de Notre-Dame-des-Landes, funcionam como coletivos de vida não familiar, com a possibilidade de mudar de coletivos de vida de acordo com as suas opções políticas. Mas, foram necessários dez anos de lutas comuns para aprender a trabalhar juntos, para descobrir afinidades reconciliáveis e irreconciliáveis.
E é obviamente isso que os veículos blindados do Estado queriam destruir a todo custo. Essas formas pós-familiares, essa invenção de coletivos que, a partir de uma grande heterogeneidade de propostas, conseguem reunir-se, apesar de tudo, ter uma certa autonomia (em termos de saberes agrícolas, artesanais, energéticos, médicos) e reivindicar um mesmo território, tudo isso era insuportável.
Você se debruça sobre a invenção do trabalho doméstico no século XIX e seus efeitos políticos. Como assim que o trabalho doméstico não tem nada a ver com a subsistência?
A subsistência, certamente, não impede a divisão sexual do trabalho. Por outro lado, não devemos confundir o trabalho doméstico com as tarefas de subsistência.
Podemos fazer remontar a invenção do trabalho doméstico ao século XIX, que assistiu à implementação em larga escala dos processos de urbanização e de monetização da vida cotidiana. Essa reorganização social é acompanhada por uma mudança de ocupação que desorganiza a relação entre camponeses e artesãos no campo (as sociedades camponesas são indissoluvelmente sociedades de camponeses-artesãos), com consequências muito graves para as mulheres.
As mulheres ficam então encarregadas do trabalho doméstico, que na realidade é em grande parte um trabalho de consumo, ao passo que os homens estão empregados na fábrica e no escritório o dia todo. Os lares ficam despovoados e as mulheres precisam saber o que comprar, como conservar e manter os novos produtos e como operar os aparelhos elétricos, etc.
Esse longo aprendizado foi orquestrado nas e pelas escolas domésticas, provocando uma mudança drástica de regime: em uma sociedade de camponeses-artesãos, para fazer a limpeza, fazemos nossa própria vassoura. Na sociedade de consumo do século XXI, compramos um aspirador-robô cujos usos não foram pensados em termos de ergonomia e de utilidade. E também somos obrigados a pagar taxas pela sua reciclagem, já que em casa mais ninguém sabe o que fazer com as peças descartáveis.
Historiadoras e ecofeministas (Barbara Ehrenreich e Deirdre English, Susan Strasser, Silvia Federici) mostraram que a introdução gradual do trabalho doméstico ocorre em detrimento do trabalho de subsistência. É um processo de recrutamento do grupo das mulheres para o capitalismo via trabalho assalariado que reduz a porção apropriada das atividades alimentares básicas. Portanto, a emancipação através do acesso ao trabalho assalariado (o que torna possível pagar por alimentos pré-preparados ou serviços pessoais) não faz senão adiar a questão das atividades vitais, incompressíveis.
A delegação de todas essas tarefas envolve a participação das populações subalternas nos países do Sul Global. Por que se separou o trabalho tão importante do care [cuidado] das atividades materiais de cuidado dos ambientes de vida que nutrem?
Alguns veem na delegação deste trabalho uma possibilidade de emancipação para as mulheres do Norte, e um horizonte a ser generalizado para todas as mulheres do mundo; mas é uma perspectiva muito marcada socialmente e muito centrada no Ocidente. Isso nos impede de pensar com as camponesas e as operárias, para quem cuidar dos seus entes queridos significa sobrepor atividades e tempos sociais, com uma escala de prioridades totalmente diferente.
A perspectiva ecofeminista, portanto, ataca o capitalismo pela raiz: sem uma divisão igualitária das atividades do viver, mesmo em suas operações mais concretas, a democracia fica suspensa no ar.
Significaria isso que você mesmo teria que passar a fazer sua própria vassoura novamente e, mais amplamente, voltar ao estilo de vida das sociedades camponesas?
A caricatura do retorno aos amish e à lamparina a óleo permite desacreditar facilmente o ecofeminismo e a ecologia política, sem considerar seriamente as perspectivas abertas.
Precisamos desconectar o fato de se referir às organizações camponesas do fato de retornar ao tempo das sociedades camponesas. Tal aspiração corresponderia, por definição, a um projeto reacionário. Este não é o projeto das autoras e dos autores que eu cito. Se elas recorrem à evocação das sociedades pré-modernas, também se baseiam em experimentos utópicos. Não é por acaso que Françoise d´Eaubonne tenha escrito, além de seus ensaios, romances de ficção científica.
As alternativas rurais e neorurais desenvolvem, seja dito, uma verdadeira reflexão sobre o uso da tecnologia que obriga a pensar outros usos da eletricidade e da mecanização, ao imaginar um mundo sem energia nuclear.
As ecofeministas também insistem na necessidade das mulheres recuperarem o controle das técnicas. Não é à toa que ainda há avós e mães que continuam a tricotar maiôs e suéteres para dar de presente de aniversário. Há algo mais nesse gesto do que comprar de uma grande marca. Uma perspectiva de subsistência reconhece essa diferença, sem essencializá-la. Isso não significa que temos que voltar aos tempos da roca. Mas isso também não significa que devemos ignorar os conhecimentos vernaculares ainda em uso.
Em termos de estereótipos, gostaria também de destacar um elemento linguístico. O prefixo “auto”, usado em muitas expressões – autoprodução, autoconsumo, etc. – é problemático. Parece indicar que se pode realizar algo por si mesmo, e não também para e com os outros, e que não há coletivo anterior à produção, que se está em uma forma de autarquia ou de autossuficiência. O termo autoconsumo é particularmente absurdo, como se você estivesse se consumindo a si mesmo, e consumindo algo para si, feito por si mesmo. É um truque linguístico para estabelecer o consumo como padrão final.
Esse prefixo, que também pode se referir à ação do “autômato”, finalmente abre de maneira errada a imaginação para a coisa que cai do céu, do tipo “nós plantamos, então cresce”. Isso é obviamente uma simplificação de todas as operações muito complexas envolvidas na produção comum da subsistência.
Diante disso, a noção de “fábrica coletiva”, utilizada pelo historiador e sociólogo Alain Cottereau para designar as oficinas de seda de Lyon no século XIX, dá conta muito melhor do trabalho efetivo realizado nas famílias.
Como, então, articular o nosso mundo contemporâneo e as lógicas de subsistência?
Essa é a questão! Como imaginar possíveis coexistências?
Como preservar, por exemplo, o saber hospitalar universitário e a medicina alternativa? O capitalismo recusa o estabelecimento de uma pluralidade de acessos a diferentes formas de cuidado, de produção, de bens, de diferentes usos da terra, impondo monopólios com habilitações profissionais exclusivas, formando setores profissionais inteiros para um certo tipo de técnica, realizando uma mercantilização completa do cotidiano. Trata-se de lógicas predatórias que levam a verdadeiras caças às bruxas das práticas alternativas.
O parto tornou-se assim um gesto mercantil, pago pelo ato. Com esta terrível consequência: países inteiros ficam com uma grande oferta de cesáreas, porque pagam mais do que um parto fisiológico que não requer injeção de produtos farmacêuticos, mas um acompanhamento humano. As parturientes não conseguem mais dar à luz de maneira adequada e são submetidas à violência obstétrica.
O parto é, no entanto, do ponto de vista antropológico, o gesto humano mais localizado no tempo. Não se podendo prever completamente a hora e acontecendo quando tiver que acontecer, deveria ter permanecido no regime do próximo. Hoje, porém, na França, com o fechamento das maternidades, está se transformando em um ato programável, que deve se acomodar a viagens motorizadas e a analgésicos por falta de uma rede suficientemente densa de profissionais do parto.
Muitas parteiras de hospitais sofrem por trabalhar em fábricas de bebês, ao passo que aquelas que têm competências na área da fisiologia sofrem para exercer a sua arte (ao contrário da Holanda e da Alemanha), apesar do aumento acentuado dos pedidos na França.
A fitoterapia e o uso de plantas medicinais são outro exemplo. Na França, no regime de Vichy, os fitoterapeutas perderam o direito de prescrição e de designação terapêutica das plantas, e esse poder foi concedido aos farmacêuticos. Os colhedores e colhedoras de plantas podem, assim, vender nos mercados, mas não tem o direito de dizer quais são as propriedades medicinais das plantas cujas virtudes estão, no entanto, bem listadas. É muito diferente na Alemanha.
Isso não é anedótico: a fitoterapia faz parte da continuidade das atividades vernaculares. Esses saberes proibidos, que podem levar a julgamento, fazem parte de um processo de criminalização. Para a socióloga policial que já fui, esse é sempre um sinal preocupante.
Uma demonstração semelhante poderia ser feita para os saber-fazer em matéria de construção com materiais de origem biológica e da terra crua – base da habitação comum antes da invenção do concreto e do metal. O grande canteiro de obras que é a Grande Paris escava milhões de toneladas de terra, transforma-a em lixo, enquanto os edifícios da velha Lyon são feitos de terra pisada e as casas normandas e bretãs, de adobe e estrume. O conhecimento comum de quais são as terras boas para a construção – embora eminentemente durável – foi literalmente arrasado pelo lobby do concreto.
Como você descreveria a situação atual?
Não é muito forte dizer que estamos testemunhando uma guerra impiedosa contra a subsistência e toda a autonomia que ela poderia dar a regiões inteiras. Esta guerra está sendo travada silenciosamente com base em proibições profissionais, em regulamentações legais e em apropriações de terras, com uma acentuação dos regimes de propriedade e uma concentração das decisões, das quais as mulheres são as primeiras a serem excluídas. A poluição do solo e da água e a poluição sonora constituem outra técnica de terraplanagem, que torna os locais inadequados para uma vida habitável.
As lutas contra grandes projetos que envolvem artificialização, concretamento e poluição são regularmente qualificadas como “NIMBY” [para “not in my backyard”, “não no meu quintal”, nota do editor], que é uma forma de desqualificá-las, trazendo-as de volta à defesa egoísta dos interesses pessoais e para despolitizá-las.
Mas, todas as lutas ambientais começam com a defesa do território próximo, por exemplo, envolvendo as mães na saída da escola, os aposentados, as pessoas que não costumam se manifestar, e protestando contra a construção de um entroncamento próximo. Na realidade, nunca se trata de lutas envolvendo um único interesse: muito rapidamente, esses conflitos levantam questões mais gerais de justiça ambiental.
A guerra contra a subsistência é planetária e também pode assumir a forma clássica de uma guerra militar: ela destrói, então, os ambientes ricos em nutrientes. Fazer a guerra, no sentido mais tradicional, consiste em tornar esses ambientes impróprios para uso, saqueando-os com bombardeios. A destruição cria fome, priva as populações de recursos naturais e força ao êxodo urbano, em busca de ajuda internacional.
Esta é uma forma muito clássica de instalar lógicas industriais no lugar das lógicas de subsistência.
As ecofeministas oferecem contranarrativas poderosas sobre dois momentos cruciais da história: a passagem do Paleolítico ao Neolítico, e aquela do feudalismo ao capitalismo (das sociedades camponesas às sociedades industriais). Quais são essas contranarrativas e quais são os efeitos que elas produzem?
Essas contranarrativas são um gesto de grande ousadia intelectual. Elas retomam a abordagem de Marx e Engels, que consiste em se interessar pelos momentos de mudança. Como eles, as ecofeministas pensam a transição do Paleolítico para o Neolítico, depois a transição do feudalismo para o regime capitalista.
A grande questão é a acumulação. As sociedades patriarcais são sociedades que acumulam bens, que os monopolizam e os colocam nas mãos dos patriarcas. As ecofeministas, pois, se perguntam: quais são as organizações de trabalho e de poder que proporcionam a acumulação? Das sociedades de caçadores-coletores às sociedades industriais, passando pelas sociedades agropastoris e depois camponesas, a acumulação tem sido cada vez mais acentuada. Quem se beneficia com o acúmulo de bens? Como se opera a concentração de terras e de conhecimentos?
É a sua abordagem investigativa, marxista, que agrega a uma lógica de classe uma atenção ao recrutamento das mulheres e dos povos do Sul, já que a exploração dos povos e das terras colonizadas condiciona o crescimento do consumo do Norte Global.
A especificidade do corpo de textos que estou tecendo em conjunto, em comparação com a abordagem adotada pelo feminismo universalista, é que a hipótese de sociedades pré-patriarcais igualitárias não é tabu. As ecofeministas acreditam que pode ter havido um lugar e uma época em que as mulheres receberam grande poder, como os homens de resto. Elas não hesitam em afirmar que algumas sociedades cultuaram deusas da fertilidade. Elas chegam a varrer as evidências dos “grandes homens” inventores, oferecendo contranarrativas: foram as mulheres que inventaram a agricultura, porque foram elas que tradicionalmente guardaram as sementes; são as mulheres as primeiras produtoras porque procriam e têm podido amamentar crianças, assim como outros pequenos mamíferos que domesticaram desta forma, etc.
Em suma, consideram que a subsistência (colheita, agricultura, pecuária, processamento artesanal, conservação, manejo) não é uma tarefa fácil, e que este trabalho realizado pelas mulheres colocou-as em uma posição social central: quem não está vestido e alimentado não está em condições de caçar nem arar.
Portanto, elas colocam o patriarcado na historicidade. O interesse dessa abordagem é obviamente estratégico: se o patriarcado nem sempre existiu, ele pode ser desfeito.
Talvez o mais singular, do ponto de vista historiográfico, seja que essa aposta interpretativa também não tenha criado escola. Como é que, de fato, para tempos tão longínquos em que a imaginação é necessária, dada a ausência de fontes, a hipótese igualitária não se colocou ou ficou à margem, sendo muito sistematicamente desacreditada no plano científico?
Claro, essa abordagem leva a reescrever a história de uma maneira muito arrogante. Não é à toa: a história da emancipação humana (que se abstrai da natureza “selvagem”) é francamente hegemônica. Elas atravessam a história e os textos em alta velocidade, mas de forma poderosa, sem serem historiadoras, rastreando os pontos de mudança e as contradições da grande narrativa. Afinal, existem escritos das ciências sociais que são altamente referenciados e matizados, ou praticam o gênero do afresco histórico, mas, mesmo assim, são baseados em estereótipos implícitos, como têm mostrado as historiadoras e pré-historiadoras feministas.
O desafio epistemológico, para essas ecofeministas, é desnaturalizar as evidências da dominação masculina e da industrialização salvadora em todos os momentos e em todos os lugares.
E a transição do feudalismo para o capitalismo?
As ecofeministas detêm-se, em primeiro lugar, na caça às bruxas que visa romper as solidariedades camponesas que se levantaram contra a nova aliança entre os burgueses das cidades e os senhores do campo, como mostrou Silvia Federici.
As denúncias de feitiçaria permitem que se marginalize setores inteiros dos saberes em posse das mulheres, essenciais à autonomia, que sejam deslegitimados, e atribuir às mulheres o exercício de tarefas domésticas muito limitadas incorporando-as assim ao capitalismo.
A maternidade, a obstetrícia, a fitoterapia, a fiação, a tecelagem são exemplos típicos dessa apropriação: esses saber-fazer exercidos principalmente por mulheres foram apreendidos por médicos, farmacêuticos e engenheiros do sexo masculino durante o século XIX.
O outro ponto abordado tanto por Silvia Federici quanto pelas ecofeministas diz respeito à reavaliação das capacidades das sociedades camponesas de resistir à ordem senhorial e burguesa das cidades. Essa resistência política era muito forte, e as mulheres participavam dela, principalmente nos movimentos heréticos, que reivindicavam uma melhor distribuição das terras.
Essa leitura da história permite que as ecofeministas multipliquem as vozes silenciadas, para dar conta do ponto de vista das populações para as quais a partilha das tarefas de subsistência e de cuidado do meio ambiente constitui a base da organização política das sociedades. Com este prisma, não são as atividades de subsistência que devem ser rotuladas como “pré-modernas”, “pré-capitalistas” ou “não capitalistas”, mas o capitalismo que surge como um estranho regime “não substancial” e “antissubsistência”.
O ecofeminismo distingue-se, assim, de outros feminismos, do feminismo materialista e das teorias queer. Onde se situam as diferenças?
Feministas marxistas autônomas como Silvia Federici e ecofeministas como Maria Mies se distinguem das feministas materialistas de sua época na questão da historicização do patriarcado.
Para as primeiras, o patriarcado não é um dado universal. Existem muitas formas possíveis de patriarcado e de resistência ao seu domínio. Há uma especificidade do patriarcado capitalista, cuja última fase é a busca pelo monopólio da criação de plantas, animais e humanos. Ao fazer isso, elas pintam um afresco que nos leva do nascimento do capitalismo ao capitalismo do nascimento. O trabalho doméstico vinculado à atividade de consumo é considerado particularmente empobrecido: essa tarefa não inclui a fabricação de seus instrumentos, não libera excedentes trocáveis e não pode renovar os materiais (que desaparecem assim que são consumidos).
O trabalho de subsistência nas sociedades camponesas é de natureza completamente diferente. Isso, portanto, torna sua equivalência teórica complicada, como pode fazê-lo Christine Delphy. O risco dessa abordagem, dizem as ecofeministas, é adotar um padrão ocidental, industrial, burguês e monetário para pensar a dominação, a emancipação e a riqueza. Claro, as feministas materialistas estão bem conscientes dessa armadilha, e não é isso que elas dizem.
As diferenças também dizem respeito aos modos de ação: a implementação de políticas públicas, impulsionada por um feminismo de Estado, não é criticada como tal, mas não constitui a alavanca que essas teóricas-ativistas privilegiam. Vindas de movimentos ambientalistas libertários ou do movimento autônomo anticapitalista, sua crítica ao Estado como braço armado do capitalismo leva-as a clamar por uma ação direta sobre o bem-viver. Seu interesse pelo fenômeno comunitário e pela resistência (contra-violenta para Françoise d'Eaubonne, a desobediência civil com a sabotagem de bens para Marie Mies) não diminuiu da década de 1970 para cá, o que as leva a aderir ao movimento alter-globalização nos anos 1990.
Quanto às teorias queer, também há uma diferença teórica na concepção da matéria, como uma superfície inerte que seria o suporte do discurso – como se a matéria não tivesse vida própria. A intersecção é mais clara com o feminismo decolonial.
No entanto, essas linhas divisórias não existem mais para as jovens gerações feministas dos anos 2010 na França que, tendo perdido cinquenta anos de debates ecofeministas, dificilmente se preocupam com as “tradições”. Elas criam coletivos ecoqueer, materialistas, intersetoriais, que militam tanto pela justiça ambiental quanto pela politização do menor gesto. E essa é uma ótima notícia!