15 Setembro 2021
"A pergunta sobre o 'livre-arbítrio' é muitas vezes feita nestes termos: que sentido pode ter tal categoria, quando os processos de tomada de decisão parecem ser determinados por dinâmica neurofisiológica e, de acordo com experimentos famosos, resultam substancialmente realizados antes que o cérebro os registre no plano de consciência? A questão, evidentemente, é ampla, no que diz respeito à compreensão do ser humano, da ética e até do direito: de fato, envolve a própria noção de responsabilidade. Estamos perante a prova de que a noção de liberdade está entre as mais difíceis de tratar: envolve, de fato, os mais diversos planos lógicos, cognitivos, emocionais, linguísticos, gerando o risco de confusões paralisantes", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado por Riforma, 17-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ataque ao chamado "livre arbítrio", seja lá o que isso signifique, não é novo. A ideia do "ser humano - máquina" foi explicitamente formulada no século XVIII, mas não é difícil identificar suas raízes nas múltiplas tendências "naturalistas" (antes chamadas de "materialistas") da filosofia grega antiga. É fato, porém, que a abordagem neurocientífica constitui um salto qualitativo: abandonando definitivamente modelos um tanto simplistas de tipo mecânico, hoje se tenta descrever a atividade cerebral e os processos de tomada de decisão usando instrumentos teóricos que integram novos conhecimentos de caráter fisiológico e bioquímico a chaves de leitura derivadas de ciência da computação.
A pesquisa teórica básica, além disso, está em estreito diálogo com aquela tecnológica, comprometida (com considerável sucesso, ao que parece) em empurrar adiante os limites da inteligência artificial.
A pergunta sobre o "livre arbítrio" é muitas vezes feita nestes termos: que sentido pode ter tal categoria, quando os processos de tomada de decisão parecem ser determinados por dinâmica neurofisiológica e, de acordo com experimentos famosos, resultam substancialmente realizados antes que o cérebro os registre no plano de consciência? A questão, evidentemente, é ampla, no que diz respeito à compreensão do ser humano, da ética e até do direito: de fato, envolve a própria noção de responsabilidade.
Estamos perante a prova de que a noção de liberdade está entre as mais difíceis de tratar: envolve, de fato, os mais diversos planos lógicos, cognitivos, emocionais, linguísticos, gerando o risco de confusões paralisantes.
Já o debate católico-protestante (mas, em última análise, totalmente interno ao pensamento de Agostinho) sobre graça e livre (ou servo) arbítrio é um exemplo desse risco. Lutero poderia falar ao mesmo tempo da liberdade do cristão e de servo arbítrio: obviamente, trata-se de diferentes usos do mesmo termo; e algo semelhante também aconteceu no confronto entre o Reformador e Erasmo de Rotterdam.
Evidentemente, os termos da discussão atual são muito diferentes.
Pode ser útil observar algumas precauções, que, se não facilitam respostas simples e claras, pelo menos removem um pouco a possibilidade de falar bobagens.
Em primeiro lugar, uma certa sobriedade parece-me necessária para tirar conclusões mais ou menos filosóficas de hipóteses de pesquisa isoladas, que no momento parecem sugestivas. Cuidado: não estou dizendo que as teorias científicas não tenham implicações profundas na compreensão do ser humano; nem que, uma vez que são por definição provisórias, podem tranquilamente ser ignoradas porque irão mudar.
Esses são argumentos anticientíficos e irracionalistas frívolos (não raramente presentes também nas igrejas) que devem ser simplesmente rejeitados. Em vez disso, afirmo que as consequências de uma hipótese científica sobre a compreensão filosófica e religiosa do ser humano quase nunca são evidentes ou diretas. E isso também deve ser dito claramente aos "naturalistas" que povoam as páginas de divulgação científica dos suplementos literários dos principais jornais.
Em segundo lugar, creio que o pensamento cristão deve abandonar de uma vez por todas a ideia de que a fé é uma espécie de "megateoria" sobre Deus e sobre o mundo, que teria a tarefa de completar o quadro oferecido pelas ciências. Mesmo quando formulada da maneira mais prudente, essa visão constitui uma variante da tese do "Deus tapa-buracos", que a teologia do século XX esperava ter liquidado. É compartilhada, obviamente na perspectiva oposta, pelos profetas do ateísmo "científico": como o mundo se explica muito bem mesmo sem a hipótese de Deus, esta última pode ser facilmente eliminada ou considerada intelectualmente residual. É verdade que quando a fé fala do mundo, entende a mesma realidade a que se referem as ciências: ela a contempla, porém, de um ponto de vista diferente.
É um fato que muitas mulheres e muitos homens consideram supérfluo, talvez nocivo, colocar, ao lado do ponto de vista das ciências sobre a realidade, outro diferente, que a leia a partir do que a fé chama de "palavra de Deus". Outras pessoas, convencionalmente chamadas de "crentes", não consideram tal perspectiva obrigatória, mas nem mesmo supérflua, porém gratuita: uma possibilidade que não se pode deduzir, mas que nos é oferecida e que, se aceita, muda a forma como olhamos a vida e até mesmo a morte.
Tudo isso não fecha o debate sobre o "livre arbítrio": simplesmente tenta indicar o espaço dentro do qual (também) ele se coloca.
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Neurociências e livre arbítrio. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU