13 Setembro 2021
“O 'diálogo inter-religioso' é uma das curas desta pandemia? Possivelmente. Mas só se não se contentar com fórmulas apotropaicas que, repudiando a violência, não investigam como e onde é concebida”, escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por Repubblica, 11-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Há um tempo de curar”, diz Qoelet. Um versículo bíblico sugestivo. Joe Biden também o citou após a eleição; com um certo otimismo e um certo erro de gramática. Porque aquele versículo não diz que há um tempo de ficar doente e um tempo de curar. Ele diz que “há um tempo de matar e um tempo de curar”. E dessa doença de matar - da pandemia da guerra, como a chama o cardeal Zuppi - as religiões sempre foram protagonistas. Ou porque não dispostas a desarmar os corações, ou porque prontas para excitá-los, ou porque surdas ao grito das vítimas.
O "diálogo inter-religioso" é uma das curas desta pandemia? Possivelmente. Mas só se não se contentar com fórmulas apotropaicas que, repudiando a violência, não investigam como e onde é concebida.
De fato, “diálogo inter-religioso” é muitas coisas juntas. É um mercado de siglas em busca de visibilidade. É a feira da vaidade em concorrências internas às religiões. É a passarela de condenações astuciosas da violência, especialmente alheia. São os bastidores de uma política que espera tocar as massas falando aos “líderes religiosos” (nem imagino qual será a cara de Deus no juízo universal quando lhe apresentarão os líderes religiosos...).
Mas também pode ser outra coisa e o fórum inter-religioso do G20 em Bolonha tentará discuti-lo de hoje à terça-feira, quando Mario Draghi o encerrará com um discurso muito aguardado.
O diálogo pode, de fato, ser o lugar onde assumimos a responsabilidade pelo sangue derramado e respondemos com as várias ferramentas dadas respectivamente às autoridades crentes, aos líderes políticos e aos estudiosos.
Para os primeiros, o instrumento é a oração. O início da Bíblia nos conta que o primeiro crime ocorre dentro da fraternidade e em frente ao altar, para nos lembrar que somos todos irmãos de Abel e todos irmãos de Caim. O sangue, ou melhor, "os sangues" (diz o hebraico) de todos os Abeis da história sobem a Deus pedindo para serem lembrados pelos irmãos dos mortos, pelos irmãos dos assassinos. Por isso o G20 se abrirá com a primeira lembrança comum das pessoas em oração mortas em locais de culto. Uma lista que só nos últimos quarenta anos - desde o assassinato de Stefano Gaj Taché, de dois anos, em frente à Sinagoga de Roma, em 9 de outubro de 1982 – conta com quase três mil crimes e milhares de vítimas. Mortos que não são mais vítimas daqueles que morreram alhures; mas cujos "sangues" pedem para serem lembrados juntos.
No início do G20, portanto, a memória de 8 daqueles crimes e a escuta de cada um da oração e do choro do outro como se fosse o próprio.
Os líderes políticos recebem outras ferramentas, que são de sua escolha: escolha em como passar do tempo de matar para o tempo de curar. O G20 sob a presidência italiana escolheu três “P” dos objetivos globais da ONU: people, planet e prosperity; o que pedem os que rezam, os que sofrem, os que estudam, é que se lembre do quarto P de paz: a paz dos conflitos abertos e a paz no que diz respeito ao conflito atômico que todos corremos o risco de negligenciar como fizemos com as epidemias. Isso significa que a política precisa de um novo compromisso com questões que requerem não uma agenda, mas a produção de um pensamento mais crítico e uma sabedoria exemplar.
Cabe aos estudiosos lembrar que aquelas que entram em diálogo não são as "essências" das religiões, mas as culturas que as veiculam. Esse desnível permite esperar que os patrimônios de compaixão que cada tradição traz consigo possam tomar ou retomar vida mesmo onde prevaleceram as hermenêuticas do ódio, da discriminação, da falsificação religiosa.
Aberto pelo discurso do Presidente do Parlamento Europeu Sassoli e do Presidente Pahor no semestre da presidência eslovena da UE, iluminado na segunda-feira pela presença do Patriarca Ecuménico Bartolomeu, e encerrado na terça-feira pelo Presidente do G20, Mario Draghi, IF20 (esta é a sua sigla) não entregará "valores comuns" aos quais cada um depois atribui um peso diferente, mas três compromissos - "não nos mataremos, nos ajudaremos, nos perdoaremos" - que cada um pode enraizar em sua própria fé ou não-fé e redescobrir em sua história. Assumindo para si uma responsabilidade exigente que chama os penitentes a mais penitência, os sábios a mais sabedoria, os políticos a mais política e visão de longo prazo.
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O G20 das religiões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU