01 Setembro 2021
O entusiasmo em lutar contra a emergência climática se desinfla na medida em que os dias passam e o velho Green New Deal progressista, que o inspirou a redigir seu plano inicial, vai ficando cada vez mais desbotado. Contemplando ao menos o desastre de Luisiana, Biden acabará despertando?
A reportagem é de Azahara Palomeque, publicada por La Marea-Climática, 31-08-2021. A tradução é do Cepat.
Como em um jogo de paralelismos macabros, as ruas de Nova Orleans permanecem inundadas e os danos humanos e materiais se acumulam no 16º aniversário do furacão Katrina. Desta vez, o culpado é o furacão Ida, que atravessou Cuba como fenômeno de categoria 1 e, em sua passagem pelas águas cada vez mais quentes do Golfo do México, se fortaleceu até alcançar a categoria 4 em Luisiana.
Como o resto do planeta, os Estados Unidos estão sofrendo uma série de catástrofes ambientais que, ano após ano, aumentam em número e em poder destrutivo, um problema que preocupa seriamente Joe Biden, segundo deixou claro inúmeras vezes.
Não obstante, suas políticas ambientais constituem um compêndio deslavado de promessas quebradas, algumas conquistas notáveis e outras promessas que deveriam se materializar em medidas concretas antes das eleições de meio de mandato, em julho de 2022.
Até agora, os resultados têm sido muito decepcionantes em um país cuja geografia padece, por regiões, seja o flagelo de tempestades destrutivas, seja o da seca e os incêndios florestais.
Há algumas semanas, o senado aprovou por uma ampla maioria, que inclui 17 representantes republicanos, um pacote no valor de 1,2 trilhão de dólares para melhorar a infraestrutura e combater as mudanças climáticas. O acordo bipartidário, no entanto, resultou em cortes milionários, quando comparado com o plano inicial proposto pelo presidente, alguns meses antes.
O primeiro Plano de Trabalho continha rubricas orçamentárias bastante amplas para ações como a pesquisa climática, a descarbonização do setor industrial e manufatureiro, e o investimento em moradias e outros edifícios eficientes energeticamente, que estão completamente ausentes da proposta ratificada pelo senado.
Segundo uma análise da organização não governamental World Resources Institute, o novo plano de infraestruturas também reduz o orçamento para a eletrificação de veículos – que inclui aumentar o parque de carregadores e ônibus escolares elétricos – de 182 bilhões para 15 bilhões de dólares. Por outro lado, diminui o gasto anteriormente proposto em questões como a renovação de dutos e o tratamento das águas – os Estados Unidos estão imersos em uma crise de água potável -, a ampliação do transporte público e da malha ferroviária, e deixa de fora qualquer investimento em energias renováveis, assim como a projetado aumento do imposto sobre sociedades que serviria para financiá-lo.
A maior conquista talvez seja a iniciativa de selar poços abandonados de petróleo e gás que continuam liberando gases na atmosfera, mas se trata de um remendo que mal reduz as emissões do segundo país mais poluidor do mundo, atrás da China. De fato, o plano de infraestruturas terá um impacto praticamente nulo na redução de gases do efeito estufa e parece, muito mais, estar dirigido tanto à criação de emprego como a mitigar os efeitos das diferentes catástrofes futuras. É o que indica a rubrica dedicada à “resiliência”, reduzida apenas em 8 bilhões de dólares, e destinada à construção de pontes, estradas e outros projetos que permitam às cidades resistir melhor os choques meteorológicos.
Diante das críticas vindas de grupos ecologistas, mas também de dentro do próprio Partido Democrata, Biden se comprometeu a avançar em outra lei que reúna as iniciativas ambientais descartadas, assim como algumas de corte social como questões trabalhistas, subvenções para creches e serviços médicos. A nova lei seria aprovada por um processo denominado “reconciliação”, que requer apenas maioria simples no Senado.
Com essa câmara, dividida em 50%, mais o poder da vice-presidente, Kamala Harris, para desempatar, os democratas já deram um primeiro passo autorizando um gasto de 3,5 trilhões de dólares orientado à sua proposta climática. Não obstante, teria que satisfazer seus senadores mais conservadores e levaria meses para ser aprovada, caso isso aconteça.
Recentemente, o presidente dos Estados Unidos também foi duramente criticado pelo aumento das permissões governamentais para a extração de petróleo e gás em zonas terrestres e marítimas federais. Biden, que deteve as novas perfurações no início de seu mandato, por meio de uma ordem executiva, foi obrigado por um juiz federal a retomá-las, alcançando números que superam os de Trump.
Segundo informa a NPR – a rádio pública estadunidense -, Biden está a caminho de se tornar o mandatário que mais concedeu permissões para a extração desses combustíveis fósseis, desde 2008. Essa ação contradiz sua promessa eleitoral de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50% até 2030. Mas é coerente com um pedido recente lançado à Organização de Países Exportadores de Petróleo - OPEP, para aumentar a produção. Com o preço do petróleo nas nuvens e uma inflação em alta que já ultrapassa 5%, a preocupação com uma possível recessão, em um momento no qual o país ainda não se recuperou do golpe econômico causado pela pandemia, surge na Casa Branca.
O presidente parece estar enfrentando o dilema entre proteger os consumidores de novos aumentos – não só do petróleo, mas de outros bens como os alimentos, que precisam de maquinaria e transporte operados pela gasolina – e cumprir seus objetivos climáticos, em uma época na qual, além disso, sua popularidade está em queda livre.
A economia vai ganhando a briga. O entusiasmo em lutar contra a emergência climática se desinfla na medida em que os dias passam e o velho Green New Deal progressista, que o inspirou a redigir seu plano inicial, vai ficando cada vez mais desbotado. Contemplando ao menos o desastre de Luisiana, Biden acabará despertando?
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Biden na encruzilhada climática: as medidas aprovadas até agora são insuficientes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU