23 Agosto 2021
"Os talibãs não são alienígenas nem pessoas da Idade da Pedra, mas, em última análise, provêm de uma corrente não negligenciável, embora particularmente conservadora, do Islã majoritário. E no mundo islâmico eles não são de forma alguma considerados meros párias como acontece no Ocidente - mesmo que despertem a mesma repulsa entre os crentes liberais", escreve Christoph Schmidt, em artigo publicado por katholisch.de e reproduzido por Settimana News, 22-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando a mídia fala sobre a brutalidade dos talibãs, dos apedrejamentos, das fustigações e das mutilações, frequentemente fala sobre um "Islã da idade da pedra". Além do absurdo básico do termo (o Islã se originou no século VII), também é enganoso em termos de estudos religiosos.
Os talibãs não saíram de uma máquina do tempo, mas estão profundamente enraizados no ambiente fundamentalista do islã indo-paquistanês. Suas origens devem ser buscadas no distrito ortodoxo de Deoband, uma cidade no estado do norte da Índia - Uttar Pradesh.
O distrito foi fundado em 1866, poucos anos depois que os britânicos sufocaram a grande revolta contra seu domínio colonial. O objetivo era um movimento de renascimento religioso para ajudar o Islã a recuperar forças e expulsar os infiéis do país.
Os Deobandi atribuíam sua inferioridade ao fato de que os muçulmanos não seguiam as leis islâmicas com rigor e haviam se esquecido de suas "raízes". Portanto, eles se esforçavam para purificar o islã sunita de todas as inovações "ilícitas" e das influências ocidentais. Apenas os ensinamentos e as instruções literais do Alcorão, junto com as tradições (hadiths) das palavras e atos do Profeta Maomé, deveriam ser os princípios orientadores.
O resultado foi um islã dogmático da Sharia, que recusava todas as manifestações de piedade popular, como a veneração de santos, as representações pictóricas, a música e a dança. Tudo o que possa distrair a atenção da adoração ao Todo-Poderoso Alá é considerado um pecado.
E esse pecado tem uma morada principal: as mulheres. O véu rigoroso, a segregação de gênero e a restrição da liberdade de movimento da mulher têm como objetivo proteger o devoto muçulmano de sua sedução diabólica, mas também proteger a "honra" da própria mulher.
Em geral, aos Deobandi não faltam representações de inimigos. Além dos cristãos e dos hindus, também xiitas e ahmadis são considerados infiéis - embora estes se considerem muçulmanos. No fim, os deobandi diferem apenas em nuances dos salafistas e dos wahhabitas sauditas - apoiadores de longa data dos talibãs. Eles ainda enfatizam o dever da jihad contra os ocupantes não muçulmanos. No entanto, eles se distanciaram dos ataques terroristas da Al-Qaeda contra civis.
Hoje, a escola Deoband é considerada a segunda instituição de ensino mais importante do Islã sunita, depois da Universidade Al-Azhar, no Cairo. Sua influência no Sul da Ásia é extensa - especialmente no Paquistão, onde cerca de um quarto da população segue seus ensinamentos e cerca de dois terços das madrassas (internatos onde a teologia e o direito são ensinadas) são administradas por Deobandi - na Grã-Bretanha, aliás, este é o caso de quase metade das mesquitas que surgiram na esteira da imigração.
Na década de 1980, o partido Deobandi do Paquistão (Jamiat Ulema-e-Islam) fundou várias madrassas para refugiados afegãos que haviam fugido da guerra soviética. Elas se tornaram o terreno fértil do movimento talibã fundado em 1994.
A ideologia deobandi e o pashtunwali, o código de honra da etnia pashtun afegã, da qual os talibãs são recrutados, se fundiram em uma mistura explosiva.
Com a conquista do Afeganistão em 1996 e a fundação de um "Emirado Islâmico", a doutrina tornou-se uma estrutura de Estado pela primeira vez. Os muçulmanos leigos, a minoria xiita do país e especialmente as mulheres sofreram as consequências. Embora haja alguma margem de manobra na interpretação da lei Sharia pelos Deobandi, os talibãs frequentemente optaram pela variante mais draconiana.
Os talibãs não são alienígenas nem pessoas da Idade da Pedra, mas, em última análise, provêm de uma corrente não negligenciável, embora particularmente conservadora, do Islã majoritário. E no mundo islâmico eles não são de forma alguma considerados meros párias como acontece no Ocidente - mesmo que despertem a mesma repulsa entre os crentes liberais. "Não são poucos os que veem os talibãs como combatentes pela liberdade e muçulmanos devotos", disse o especialista Christian Wagner, da Stiftung Wissenschaft und Politik de Berlim, à KNA.
Seu emirado terrorista, desmantelado em 2001, era então reconhecido por apenas três países: Paquistão, Arábia Saudita wahhabits e Emirados Árabes Unidos. Agora há grande esperança de que os islamistas queiram evitar esse isolamento no futuro e atenuem sua visão antidireitos humanos do Islã.
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A modernidade dos talibãs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU