23 Agosto 2021
Grande especialista em Islã, Olivier Roy acredita que os talibãs evoluíram politicamente e agora, acima de tudo, buscam um reconhecimento internacional. Nesta longa entrevista, o cientista político expressa a sua opinião sobre a estratégia e o que está em jogo na recente tomada do poder.
A reportagem é de Laurent Marchand, publicada por Internazionale, 19-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A brutal degradação da situação em Cabul era previsível? Subestimamos os talibãs?
A ascensão dos talibãs estava prevista e era previsível, e foi até acompanhada, pois os estadunidenses negociavam com eles, com a ideia de que teriam maioria no próximo governo. O que surpreendeu a todos, começando pelos estadunidenses, foi o colapso do exército afegão em poucos dias. Sabemos por que isso aconteceu, mas a rapidez desse processo foi uma surpresa.
Por que ele entrou em colapso?
Aconteceu um pouco como com a França em 1940: a partir do momento em que todo um sistema começa a ruir, o resto vem por conta própria.
Mas subestimamos a estratégia dos talibãs?
Sim. No fundo, pensávamos que eles visavam essencialmente a uma técnica de usura e que não tinham nenhuma estratégia ofensiva. Que preferiam simplesmente explorar o colapso do regime e a saída dos estadunidenses. E que aceitariam uma transição política que lhes custava menos e que lhes evitaria o esforço da guerra. Percebemos que eles tinham uma estratégia quando, há algumas semanas, começaram a ocupar os postos de fronteira e a fechar algumas passagens. De forma inteligente. Conquistaram todas as posições pelas quais passam os suprimentos do Afeganistão. De forma coordenada. Em Kandahar, em Herat, mas também na fronteira com o Tajiquistão. Depois, eles começaram a conquistar, uma a uma, as capitais das províncias.
Corrompendo as milícias locais.
É outro aspecto. E não necessariamente as corrompendo, aliás. A questão é mais complexa. Eles consultaram os líderes que conheciam. Estamos falando de uma sociedade caótica, é claro, mas que é estruturada. As pessoas têm relacionamentos, relações de vizinhança, matrimoniais, tribais, de clãs e assim por diante. Os talibãs exploraram a dinâmica do colapso garantindo uma saída de cena honrosa para os outros atores. Promessas de dinheiro, anistia, cooptação. Funcionou, porque já funcionava assim, na realidade. Não existem os terroristas islâmicos malvados, de um lado, e a pobre população afegã martirizada, de outro. Existe uma sociedade que tem as suas regras próprias, em que as pessoas se matam, mas na qual também funciona um sistema de alianças que não correspondem a regras ideológicas.
No entanto, trata-se de uma derrota amarga para todo o Ocidente.
Sim, a derrota está na impossibilidade de construir um Estado estável no Afeganistão. Essa é a derrota fundamental.
Nós sabíamos disso...
Sim, a questão está toda aí. Por que não percebemos que as coisas seriam assim? Existem duas possibilidades. Ou a inteligência militar não estava funcionando e os estadunidenses não perceberam que o exército afegão não existia. Ou eles sabiam perfeitamente disso, mas, por motivos políticos, decidiram não declarar isso.
Você prefere essa segunda hipótese?
Sim, é um clássico. De baixo, chegam relatos muito lúcidos que, por motivos políticos, passam em silêncio.
Os talibãs evoluíram?
Evoluíram politicamente, mas, sociologicamente, eu acho que não. Existe uma continuidade na classe dominante, porque todos os líderes atuais já estavam nos tempos do mulá Omar, há 20 anos. Ao contrário, é razoável acreditar que eles evoluíram politicamente. Em 2011, em Paris, houve algumas negociações entre afegãos, e eu fazia parte da delegação francesa. Os talibãs estavam presentes na última reunião. Estavam propensos a participar da negociação. Porque tiraram algumas lições de 2001.
Quais?
De fato, em 2001, foi o 11 de setembro que determinou a sua derrota. Caso contrário, eles ainda estariam no poder. Ao contrário do que se fez crer, não intervimos para salvar as mulheres afegãs, mas para vingar o 11 de setembro e matar Bin Laden. Mais tarde, foi necessário evitar o retorno dos talibãs e criar um Estado estável. Mas o insucesso estava claro desde o início. Um dos principais motivos é a corrupção.
Em todos os níveis?
É uma corrupção de proporções enormes. Os Estados Unidos derramaram bilhões de dólares em um dos países mais pobres do planeta. É fácil imaginar o que aconteceu... Os comandantes estadunidenses caíam de paraquedas no Afeganistão com malas cheias de dólares. Tudo estava à venda. Uma classe política corrupta se apossou do país. Sabemos que o ex-presidente Hamid Karzai fazia parte disso. O atual presidente não, mas não lutou contra essa chaga.
Que lições os talibãs podem ter tirado do ponto de vista da ameaça terrorista, especialmente para nós, ocidentais? O Afeganistão é novamente um refúgio para as organizações terroristas ou não?
Não, absolutamente. Os talibãs entenderam, na minha opinião, que essa era a condição da sua normalização. Eles venceram, certamente, e poderiam tranquilamente ignorar todas as promessas que fizeram. Mas, na minha opinião, eles não vão fazer isso. Eles visam a uma normalização em nível internacional, querem ser reconhecidos como um governo legítimo. É por isso que a comparação com Saigon e a fuga do Vietnã não funciona.
O que eles pedem?
Os talibãs estão pedindo que os embaixadores permaneçam. Se eles se comprometerem a não acolher organizações terroristas internacionais, então o governo deles será reconhecido. E as mulheres afegãs vão acabar no esquecimento. Portanto, acho que eles farão algumas concessões nas questões de segurança, para ter as mãos mais livres no Afeganistão.
Qual é o papel do Paquistão hoje?
Ele apoiou os talibãs desde o início. Há 25 anos, manter os talibãs no poder em Cabul tem sido uma obsessão dos serviços de inteligência paquistaneses. Não quero ir muito longe, mas não me surpreenderia se o plano de fechar as fronteiras e conquistar as capitais das províncias foi concebido pelos paquistaneses.
E a porosidade com a fronteira paquistanesa não é, justamente, uma fonte de perigo terrorista?
Sim, certamente. Mas os paquistaneses têm um problema com os seus terroristas, do Talibã. Em todo o caso, ninguém controlará a zona de fronteira.
Você compartilha a imagem do Afeganistão como o túmulo dos impérios?
É correta. Trata-se de um país muito particular, com tradições guerreiras. O paradoxo é que o que torna esse país forte é também a sua fraqueza. Todas as suas divisões tribais, de clã, geográficas, familiares fizeram dele um país governável apenas por meio de uma relação flexível entre o centro e a periferia. A monarquia afegã, entre 1933 e 1973, tinha conseguido isso. Houve 40 anos durante os quais ela conseguira encontrar esse equilíbrio. Na realidade, foi a guerra fria que abalou isso, as tensões entre estadunidenses e russos. Depois, os russos cometeram o erro de invadir, e, depois deles, os estadunidenses cometeram o mesmo erro. Ninguém conseguiu criar um poder central estável.
Os chineses não vão invadir?
Absolutamente não! Os chineses querem duas coisas. Que os afegãos não apoiem os uigures, e eu acredito que eles têm todas as garantias dos talibãs a esse respeito. E também querem as matérias-primas: cobre e outras. Eles adquiriram concessões enormes. Mas o raciocínio dos chineses é que não importa quem governe em Cabul, o país não é controlável mesmo assim.
O patrimônio cultural afegão está novamente em perigo?
De fato, sim. Não por causa das tendências iconoclastas dos talibãs, que eu acho que serão mais prudentes. Mas por simples negligência. O passado pré-muçulmano não lhes interessa. Eles vão deixar que os saques continuem, como ocorre desde 2001.
Os talibãs terão mãos livres sobre grande parte do território afegão ou devemos esperar uma guerrilha incessante?
Existem duas possibilidades. A primeira é uma situação semelhante ao fim dos anos 1990, quando os talibãs não conseguiam controlar os redutos da oposição, particularmente Panshir. Se essa região resistir, ele não terão grandes problemas em cercá-la. Ainda mais que nenhum país enviará armas de paraquedas ao sucessor de Massoud. A Rússia quer apenas uma coisa, que os talibãs garantam a fronteira com a Ásia Central, e eles vão fazer isso. A segunda é que os talibãs sejam superados à direita, por grupos ainda mais radicais. Como aqueles que reivindicam o seu pertencimento ao grupo Estado Islâmico, que já estão presentes no território. Pode-se acreditar que os talibãs vão fazer todo o possível para esmagá-los, porque não podem aceitar uma concorrência. Mas, ao mesmo tempo, os pashtuns do Leste correm o risco de instalar no território novas áreas de refúgio para o terrorismo.
E, portanto, de nos ameaçar diretamente?
Sim, mas, paradoxalmente, os talibãs estariam do nosso lado.
Eles conseguirão manter Cabul?
Na capital, há muita pobreza, mas a cidade se ocidentalizou muito. A sociedade é moderna, existe internet, ao contrário de 2000. Se os talibãs retomarem os seus velhos métodos, a cidade será para eles um osso duro de roer.
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O que os talibãs farão agora. Entrevista com Olivier Roy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU