20 Agosto 2021
O fracasso da ocupação afegã dos Estados Unidos e aliados e da intervenção haitiana, inclusive com tropas da região latino-americana e caribenha (MINUSTAH), não esconde os negócios da guerra, especulação, produção e circulação capitalista, com sequelas de destruição social e natural, escreve Julio C. Gambina, economista argentino, em artigo publicado por Rebelión, 19-08-2021. A tradução é do Cepat.
O terremoto no Haiti, ocorrido em período muito próximo ao assassinato do presidente ilegítimo do país, e o fim da ocupação militar estadunidense no Afeganistão expressam os limites das “soluções” da ordem global capitalista para os povos empobrecidos. Com efeito, os povos do Afeganistão e Haiti estão entre os mais vulneráveis do mundo, com índices de pobreza e deterioração das condições de vida.
Os processos locais para desenvolver um caminho próprio nesses territórios foram obstruídos pela hegemonia do poder mundial. A aliança com a URSS, com presença militar soviética a partir de 1978, em plena ofensiva estadunidense contra o bloco socialista, marcou a história recente desse país por três décadas, mais ainda com a invasão armada a partir de 2001. Esses 20 anos de ocupação evidencia o legado de miséria para uma esmagadora maioria do povo afegão.
Em um mesmo tempo histórico, a tentativa autônoma do Haiti a partir de meados dos anos 1980, com a saída da ditadura de Duvalier, em 1986, e a presidência de Jean-Bertrand Aristide, em 1991, obstruída pelo intervencionismo estadunidense, impossibilitou a autodeterminação democrática, condicionando por três décadas, política e economicamente, o país da primeira independência colonial da região, em 1804. A sequela da miséria entre a maioria do povo haitiano deixa claro o papel da política exterior dos Estados Unidos e seus parceiros na região.
É importante reconhecer o tempo histórico das lutas pela emancipação dos povos em relação à situação da ordem capitalista e sua hegemonia, que para o caso estadunidense inicia no fim da segunda guerra. A ordem mundial constituída em torno de 1945 impôs a supremacia do dólar e da economia estadunidense no capitalismo global, com o desdobramento militar associado à OTAN e a ideologia cultural da maquinaria midiática transnacionalizada.
A disputa pela dominação mundial foi sustentada contra o sistema do socialismo estendido de 1945 até a crise polonesa e da própria URSS, entre 1980 e 1989/91, mediada pela crise capitalista dos anos 60/70, especialmente a “monetária”, explicitada em agosto de 1971, há meio século.
Há 50 anos, explodiu a ordem mundial capitalista, com a decisão unilateral dos Estados Unidos em relação à não conversibilidade do dólar em ouro. Desde então, foram promovidas iniciativas políticas globais e regionais para garantir a unilateralidade da ordem capitalista, um imaginário que buscou se implementar a partir de 1989/91, com o fim da história, da ideologia e do socialismo.
O capitalismo triunfante parecia o rumo civilizatório definitivo, com a capacidade de “controle” militar e ideológico dos Estados Unidos, mesmo com o declínio de seu poder econômico, afetado pela desvalorização do dólar, o novo caráter de país endividado (agora o mais), com fortes déficits fiscais e externos. Um tema agigantado pela expansão global do poder fabril e econômico da China, especialmente em inícios do século XXI.
O fracasso da ocupação afegã dos Estados Unidos e aliados e da intervenção haitiana, inclusive com tropas da região latino-americana e caribenha (MINUSTAH), não esconde os negócios da guerra, especulação, produção e circulação capitalista, com sequelas de destruição social e natural.
A miséria estendida entre as populações do Afeganistão e Haiti tem responsáveis nos executores da política exterior estadunidense e, claro, na cumplicidade global das direções políticas de vários países que não apenas não condenam a dominação e manipulação estadunidenses, mas tentam obter benefício próprio. Nessa cumplicidade está o poder local no Afeganistão (denunciado por Biden de não querer enfrentar a ofensiva Talibã) e no Haiti. A corrupção é funcional para a manutenção da ordem capitalista.
O poder mundial associado aos Estados Unidos olha com assombro a debacle civilizatória no Afeganistão e no Haiti, desobrigando-se de responsabilidades. O fenômeno convoca os povos do mundo a pensar em uma ordem alternativa, que enfrente a liberalização econômica de uma sociedade monetária mercantil, sustentada pela exploração da força de trabalho e a pilhagem dos bens comuns.
Não há dúvida de que o poder mundial tentará frear qualquer ação alternativa, conforme demonstra o bloqueio genocida contra Cuba ou as sanções contra a Venezuela ou qualquer país que tente um rumo próprio.
Trata-se de pensar na catástrofe que nos ameaça, para além do concreto explicitado nesses dois países e que, segundo o relatório preliminar do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC das Nações Unidas, que será consolidado em inícios de 2022, afeta a vida sobre a terra.
É urgente mudar o rumo e desarmar a ordem mundial, o que supõe desmercantilizar a vida cotidiana, um programa que está no debate sobre a suspensão ou eliminação das patentes de propriedade intelectual sobre as vacinas, mas extensivo aos bens comuns, como é o caso da terra e a água, imprescindíveis para o sustento da vida social e natural.
A desmercantilização está associada à promoção da organização socioeconômica de base comunitária, solidária, de autogestão, sem fins lucrativos, com outro modelo de produção e de desenvolvimento que desestimule o consumismo e promova a cooperação internacional e a autodeterminação dos povos.
Um horizonte de paz e solidariedade social precisa da humanidade frente à barbárie da ordem sustentada pela ganância e a acumulação, promovida por poderes políticos, militares e culturais que exercem sua dominação espacial a partir da hegemonia da propriedade privada dos meios de produção e países que atuam ancorados em seu poder imperialista.
Pode ser, e os dados estão confirmando, que os Estados Unidos estejam perdendo peso relativo em sua capacidade de hegemonia mundial, mas mantêm os instrumentos de dominação física e cultural para postergar um eventual ocaso final, que em sua trajetória afeta o planeta e a população mundial.
Em todo caso, o que está evidente é a ausência de uma alternativa civilizatória, que por décadas se atribuiu ao socialismo. A ressignificação de uma ordem socialista, ou não capitalista, emerge como uma necessidade das novas camadas que lutam contra a barbárie do capitalismo.
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Afeganistão e Haiti demonstram os limites do capitalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU