14 Julho 2021
Fausto Bertinotti conta que Fidel Castro tinha uma relação direta, mas que viu as relações se esfriarem com os companheiros cubanos quando a Refundação se posicionou publicamente contra a pena de morte no país caribenho, e é "grato a Cuba pelo que representou para milhões de pessoas como eu, eu a amei e sou grato a ela".
Fausto Bertinotti é um ex-sindicalista e ex-político italiano. É também escritor de diversas obras de caráter político-sindical. Desde jovem um socialista maximalista, Bertinotti militou no Partido Socialista Italiano nos anos 60, mas entra num grupo dissidente em 1964, quando o PSI decide fazer parte do governo.
A entrevista é de Matteo Pucciarelli, publicada por Repubblica, 13-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com que estado de espírito você está vendo a crise que o país atravessa agora?
Acredito que a surpresa e o milagre de Cuba é ter chegado tão longe, com todas as suas luzes e sombras. O mundo mudou radicalmente, os dois blocos da Guerra Fria não existem mais, a contraposição entre sociedades pós-revolucionárias e capitalistas foi invadida pela globalização. Com a China que segue um rumo imperial sobre a qual está hasteada uma bandeira vermelha, mas sempre imperial, enquanto Cuba tentou com dificuldades crescentes ser fiel a si mesma. Pense você que em Porto Alegre e nas praças das multidões em luta no início dos anos 2000, o último grande movimento planetário, ainda se conversava sobre Cuba. Hoje, porém, quem dirige o país tem uma escolha: ouvir as ruas, o povo, ou perder tudo.
A utopia está para acabar?
Restam fatores característicos da experiência como a centralidade da educação, a excelência da saúde pública, a solidariedade e o internacionalismo. Mas a história está se esgotando, há sinais de desgaste: o duplo mercado, as desigualdades internas, a burocratização: nessa condição, sofrendo o deslocamento da história universal e uma forte pressão econômica, seria necessária uma revolução dentro da revolução, um retorno à língua original, que era aquela de todo poder ao povo. Seria um grande gesto e coerente com o nascimento do Socialismo cubano um governo que hoje dissesse a quem se manifesta 'vocês têm razão', não só para ouvir, mas para construir a história junto com aquelas pessoas, sem alimentar a ilusão de que o mercado seja salvífico. Cuba pode ter um fim diferente dos Países que passaram do socialismo para o mercado, mas é preciso voltar atrás para tentar retomar o futuro, um salto do tigre que tenha confiança total no povo. A primavera de Praga ainda é uma lição: é possível sair de uma crise do sistema socialista, mas pela esquerda e por baixo, e isso é possível se a razão for dada ao povo contra o poder constituído. Isso exigiria um ato de total requestionamento do próprio poder por parte das próprias classes dirigentes. Quem luta nas ruas é um recurso, não um perigo.
O contexto internacional, com o embargo que já dura décadas, certamente não ajuda.
Isso provoca indignação, o Ocidente que tanto fala da autodeterminação dos povos e depois pune assim Cuba, enquanto na OTAN há a Turquia de Erdogan e na União Europeia a Hungria de Orbàn. Mas, por outro lado, se Cuba sempre foi um exemplo e um farol para todas as esquerdas da América Latina, inclusive as menos radicais, é precisamente porque, como baluarte da própria independência, nunca se curvou ao Grande Irmão.
Que lembranças você tem da sua última visita a Cuba?
Não me lembro quando foi, de qualquer forma poucos anos atrás, fui como cidadão privado com minha esposa. Dois episódios simples me impressionaram. Uma senhora no mercado de Santiago tinha uma foto de Fidel e dizia 'ninguém era como ele'. Ou uma professora de uma escola fundamental que nos mostrou com orgulho os cadernos das crianças. Cuba nunca foi uma esperança perdida. Entre os objetos mais caros que tenho, há um livro que me trouxe de Cuba na década de 1960 um jovem líder da esquerda socialista que depois morreu aos 30 anos em um acidente aéreo, Alberto Scandone. Estava escrito, como dedicatória: 'Esperamos que Cuba resista para que pelo menos nossa esperança não desapareça’.
O socialismo é um ideal coletivo, mas em vários momentos da história parece ter funcionado enquanto havia um líder no comando, por quê?
Esse é um problema enorme e não resolvido, na ideia do socialismo existe essa contradição que anima o governo de todas e de todos e o guia carismático. Entende bem que este último marca aquelas instituições que não querem se resignar ao tempo, que pensam que vão durar muito, porque o líder carismático encarna a história, é aquele que permite ao Estado ou às religiões cruzar a história ao juntar coisas até contraditórias. Afinal, todos os movimentos populistas e as reflexões de teóricos como Ernesto Laclau professam que o movimento de baixo deve ter uma figura carismática para atuar como catalisador para a massa. Isso, no entanto, expõe às marés da história quando se perde o guia forte ou a memória da origem. No entanto, parece-me que as revoltas dos últimos anos, em grande parte, não tenham um partido nem um líder carismático por trás delas: dos coletes amarelos às lutas dos argelinos, terminando com os Black Lives Matter.
Vinte anos depois de Gênova: como vai comemorar o aniversário?
Tenho vários encontros e conferências online. Foi um movimento horizontal que encontrou uma reação muito forte e violenta decidida em nível mundial, Gênova é uma passagem que temos na pele, inclusive dolorosa pela morte de Carlo Giuliani, mas foi também um evento de extraordinária participação, o último grande movimento.
Mark Fisher em Realismo Capitalista escreveu que hoje ‘é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo'. Ele está certo?
Hoje parece justamente isso, não é por acaso que os movimentos ecológicos evocam o fim do mundo, a catástrofe, como risco próximo. Neste mundo existe um núcleo duro denominado domínio do capital, para não chegar ao fim do mundo será necessário encontrar o caminho para pôr um fim ao capitalismo.
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Cuba: "Uma nova Revolução para salvar a Revolução". Entrevista com Fausto Bertinotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU