08 Junho 2021
“Ou as novas tecnologias ficam a serviço dos/das trabalhadores/as, gerando melhores condições de vida, eliminando o trabalho forçado, repetitivo, dando mais tempo para desfrutar uma vida digna, ou ficarão nas mãos de um minúsculo grupo de especuladores financeiros, gerando maior acumulação, exploração e exclusão”, escrevem Diego Lorca e Diego Pierdominici, membros do Observatório Internacional do Trabalho e do Futuro - OITraF, uma equipe de jovens profissionais dedicados à Pesquisa e Análise do convulsionado mundo do Trabalho, em artigo publicado por ALAI, 04-06-2021. A tradução é do Cepat.
No mundo em que estamos vivendo, às vezes é complexo encontrar respostas concretas e inclusive elaborar questões sobre as causas do que nos cerca. Nesta nota, tentaremos esboçar algumas das mudanças observadas no mundo do trabalho, suas causas e suas possíveis consequências. A pandemia mudou a forma de trabalhar? Ou aprofundou tendências que vinham há anos?
Em 2016 e por ocasião do Fórum Econômico Mundial de Davos, Klaus Schwab, fundador do Fórum, cunhou o termo Quarta Revolução Industrial para se referir aos avanços tecnológicos emergentes em uma série de campos, incluindo a robótica, a inteligência artificial, a nanotecnologia, a internet das coisas, a impressão 3D, os veículos autônomos, etc.
Todas estas mudanças trazem profundas modificações nas condições e modos de trabalho. Enquanto alguns desaparecerão, outros serão criados e alguns terão que se adaptar. Mas esta revolução tecnológica não surgiu do nada, tem uma relação intrínseca com o desenvolvimento do sistema capitalista e sua tendência inescapável de investir em meios de produção que diminuam os tempos sociais do processo produtivo.
É necessário recordar que na crise de 2008 – que teve características de crise orgânica – a especulação do setor financeiro e imobiliário gerou uma bolha de dinheiro fictício sem base produtiva, que acabou fazendo explodir o sistema financeiro dominante até aquele momento.
O setor tecnológico se tornou uma enorme saída para o capital acumulado, não investido com a estagnação. Isto significou a transformação de toda a estrutura de procedimentos da produção manufatureira e de comercialização. Além disso, a criação de plataformas digitais e a expansão da conectividade no mundo permitiram a aceleração deste processo.
A pandemia de coronavírus, que começou segundo a Organização Mundial da Saúde no dia 11 de março de 2020, veio para acelerar estes processos de digitalização da economia em uma velocidade poucas vezes vista. Mas esta crise sanitária, que se soma à crise financeira e econômica mundial, não atinge todos por igual. Vemos hoje como a maioria dos/das trabalhadores/as perdem, enquanto um grupo muito pequeno de empresários ganham.
Por tudo isso, afirmamos que a pandemia veio para acelerar processos e tendências que já vinham acontecendo há anos.
Segundo o relatório da Organização Internacional do Trabalho A COVID-19 e o mundo trabalho – 7ª edição, em 2020, em nível mundial, 8.8% das horas de trabalho foram perdidas em comparação com o quarto trimestre de 2019, equivalentes a 255 milhões de empregos em tempo integral. A perda de horas de trabalho em 2020 foi aproximadamente quatro vezes maior que a registrada durante a crise financeira mundial de 2009.
A quantidade de pessoas desempregadas, em nível mundial, aumentou em 33 milhões, no ano de 2020, e a taxa de desemprego subiu para 6,5%. Além disso, estima-se que a renda global do trabalho, em 2020, diminuiu 8,3%, a saber, 3,7 trilhões de dólares, ou seja, 4,4% do PIB mundial.
Assim, a automação, a robotização e a inteligência artificial abrem uma nova etapa na configuração mundial do trabalho, orientada para o “conhecimento”, formando novas frações dentro da classe trabalhadora que acentuam as diferenças salariais no interior da classe.
Por um lado, começa a emergir uma fração da classe trabalhadora ligada aos trabalhos do setor da informação, um grupo muito diversificado unido pelo uso da mais moderna tecnologia da informação para o tratamento, administração, identificação e processamento de dados. São criadores, administradores e processadores dos fluxos de informação, que tornam possível esta Nova Fase Digital do Capitalismo. Esta fração é formada por cientistas, pesquisadores/as, engenheiros/as de projeto, analistas de software, pesquisadores/as em biotecnologia, banqueiros/as, investidores/as, projetistas do urbano, consultores/as em finanças, arquitetos/as, planejadores/as estratégicos/as, etc.
E por outro lado, observa-se como tendência geral de aumento da informalidade e do subemprego. Além de um crescimento da exploração do trabalho e da expulsão de grandes massas de trabalhadores do processo produtivo. Deste modo, as economias globais poderiam ser classificadas em: um segmento avançado, integrado globalmente, que emprega uma minoria da força de trabalho com altos graus de formação e remuneração, e um amplo segmento de baixa produtividade que absorve a maior parte da força de trabalho, com baixos salários e condições muito precárias.
A transformação da economia em serviços de plataformas digitais muda a forma de trabalhar e de acumular riqueza. Esta transformação se apresenta sob a aparência de “maior liberdade” para a classe trabalhadora, já que agora pode “decidir quando, onde, quanto e como trabalhar”, mas o que realmente se oculta é o seu maior grau de dependência. Nesta forma de mediação virtual, não existem responsáveis pelas condições dos/das trabalhadores/as, mas, sim, existem pessoas que acumulam lucros em uma grande velocidade.
Segundo a revista Forbes, que atualizou sua lista dos empresários mais ricos do mundo no dia 6 de abril, 7 dos primeiros 10 multimilionários mais abastados provêm da indústria tecnológica. Segundo a revista, “no total, os 2.755 multimilionários que formam a lista somam 13,1 trilhões de dólares, frente aos 8 trilhões de 2020. Os Estados Unidos continuam sendo o país que mais têm ricos, com 724, seguido pela China (incluindo Hong Kong e Macau), com 698”.
Agora, como esses 2.755 multimilionários puderam acumular tanta riqueza em um mundo atravessado por uma profunda crise?
Em primeiro lugar, pela restrição na circulação dos/das trabalhadores/as, como afirma Giménez [1]: “assim como sob o capitalismo industrial o trabalhador foi conduzido à fábrica, onde foi disciplinado por meio do medo da morte pela fome e também organizado sob a lógica do trabalho comum, hoje, as mudanças estruturais em sua fase digital empurram as classes subalternas para as novas fábricas do território virtual, com suas plataformas e redes sociais, construindo novos valores organizativos”.
Segundo o relatório digital-2020 (de wearsocial.com), metade da população mundial (3,8 bilhões de pessoas), atualmente, utiliza as redes sociais. Agora, 4,54 bilhões de pessoas estão online, com um aumento interanual de 298 milhões, ou seja, 7%, sendo assim, estamos nos aproximando de uma penetração da Internet de 60%. O usuário médio da Internet passou 6h43min por dia online, em 2020, mais de 100 dias no total.
Isto gera uma dependência por parte de todas as empresas, instituições e pessoas, do serviço que essas Big Techs possam oferecer. Grandes fluxos de informação que, através de um complexo sistema de algoritmos, estas empresas transformam na fonte de sua riqueza. Dessa forma, controlam os tempos sociais de produção de todos os outros ramos da indústria e do comércio.
Isso não é novo, como afirmamos anteriormente. Já em 2018, mais da metade dos habitantes do planeta utilizava internet. A porcentagem de usuários ficou em 51,2%, o que supõe um aumento de 2,6 pontos, em relação a 2017.
Outra parte destes lucros provém do rebaixamento dos salários, em nível mundial, e do aumento da jornada de trabalho. Segundo um estudo realizado por Adecco Argentina, desde o começo da quarentena, 42% dos/das trabalhadores/as dedicam mais horas ao trabalho em casa do que no escritório, ao passo que 40% cumprem exatamente as mesmas horas, como se estivesse em seu lugar de trabalho. Isto é possibilitado pelo grande exército de desempregados/as que pressionam sobre as condições salariais dos empregados/as e aumenta a luta entre os trabalhadores por salários e postos de trabalho.
Finalmente, uma última parte deriva da restrição da circulação dos/das trabalhadores/as. Segundo dados da OIT, no relatório citado antes: “Durante todo o ano, 77% dos trabalhadores se viram afetados por essas medidas, o que significa uma porcentagem muito próxima ao valor máximo de 85%, alcançado em fins de julho de 2020”.
Isso permitiu às empresas poupar em infraestrutura, eventos corporativos, energia e suprimentos, dietas, viagens, veículos da empresa, suprimentos eletrônicos, entre outros gastos fixos anuais. Segundo um estudo realizado pela Global Workplace Analytics, a empresa internacional de pesquisa e consultoria sobre os/as empregados/as, a economia média em imóveis com teletrabalho em tempo integral é de 10.000 dólares por ano, por empregado/a.
Os/As trabalhadores/as combinam novas e velhas formas de luta em defesa de seus direitos e condições de trabalho, utilizam as ruas e também o território virtual para reivindicar, organizar-se e lutar por seus direitos. Vimos na França como o movimento de “Coletes b” se organizou através das redes sociais e saíram em conjunto às ruas, pressionando o governo nacional. O que começou como uma reivindicação por causa de um aumento da gasolina, rapidamente passou a uma rejeição das políticas neoliberais.
Na Índia, estourou a “Maior manifestação do mundo” que se tenha registro. No dia 26 de novembro, 250 milhões de agricultores marcharam em todo o país, o que significa 3,3% da população mundial, deixando mais de 64 mortos e centenas de feridos. Detectando a importância da virtualidade para construir organização, o Governo fez 134 cortes de internet, 68% de todos os que acontecem no mundo.
No Chile, as manifestações que começaram por um aumento de 30 pesos no transporte público, também se transformaram em um processo em que a maioria do povo foi às ruas para pedir uma mudança da constituição neoliberal e contra o governo de Sebastián Piñera. E a luta continua.
Outro exemplo de luta vem das mulheres trabalhadoras que neste 8M também inundaram as redes e as ruas de todo o mundo. E assim poderíamos continuar citando exemplos de manifestações em todo o planeta.
Nas empresas tecnológicas, o panorama de luta não é diferente. No Reino Unido, o Tribunal Superior sentenciou que os/as trabalhadores/as do Uber têm direito à legislação trabalhista vigente, o que abre as portas para obter um salário mínimo ou férias pagas.
Em janeiro deste ano, cerca de 200 trabalhadores da Alphabet Inc., a empresa matriz do Google, formaram um sindicato para velar pelos princípios de igualdade no trabalho e pela observância de princípios éticos no modelo de negócio. A formação deste sindicato, o primeiro criado entre as grandes tecnológicas, é consequência direta de protestos sem precedentes dentro da empresa e de um ano de organização em sigilo.
Ou as novas tecnologias ficam a serviço dos/das trabalhadores/as, gerando melhores condições de vida, eliminando o trabalho forçado, repetitivo, dando mais tempo para desfrutar uma vida digna, ou ficarão nas mãos de um minúsculo grupo de especuladores financeiros, gerando maior acumulação, exploração e exclusão.
O curso que os acontecimentos possam tomar dependerá da participação ativa dos trabalhadores e trabalhadoras, e de que estes consigam construir um programa estratégico que coloque o bem-estar geral da classe trabalhadora em primeiro lugar.
[1] Giménez, P. (2020). Un 1º de mayo (muy) diferente, un mundo en guerra mediado por la virtualidad. Disponível em: https://www.nodal.am/2020/05/un-1o-de-mayo-muy-diferente-un-mundo-en-guerra-mediado-por-la-virtualidad-por-paula-gimenez/
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O trabalho na Quarta Revolução Industrial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU