27 Mai 2021
“O tempo urge, a doença mata, os direitos humanos mais básicos estão sendo pisoteados..., mas nada disso importa, pois “ninguém ficará para trás”. Que o circo continue!”, escreve Fernando Luengo, economista, em artigo publicado por Público, 26-05-2021. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
“Não deixar ninguém para trás”
Quanto lengalenga e desfaçatez há nessa frase, quando a escutamos daqueles que, contínua e deliberadamente, estão fazendo justamente o contrário, deixando muita gente na sarjeta, privados dos direitos mais básicos, doentes e famintos, sem esperança.
Um lema utilizado indiscriminadamente por boa parte da classe política (não quero cair na tentação, populismo de andar pela casa, de meter todo mundo no mesmo saco) e das elites econômicas.
Vão acreditar nisso de tanto repetir? Impossível saber. Suponho que deve haver de tudo, cínicos e crédulos.
Para mim, mais que um piedoso desejo é pura demagogia, uma persistente, densa e interessada cortina de fumaça para ocultar os ultrajes que assistimos continuamente.
Aqueles que a repetem várias vezes, também a aplicam ao processo de vacinação com o qual se pretende conter e reverter a pandemia? Seria por acaso válida quando se sabe que uma proporção muito grande da população que vive nos países mais pobres e nos não tão pobres, em termos de renda por habitante, está sendo excluída do mesmo? Falamos de milhares de milhões de pessoas. Sim, também se escuta muitas vezes neste caso.
É possível emplacar esse lema e desviar o olhar quando o foco está nos enormes privilégios desfrutados pelas grandes empresas farmacêuticas, que estão vivendo uma verdadeira época dourada? Temo que a resposta a esta pergunta também seja positiva.
Os que estão no topo e os defensores do establishment podem insistir no mantra de que o governo dos assuntos públicos e privados beneficia a todos e sem pestanejar considerar bom não questionar a privilegiada posição dessas corporações. Sim, as mesmas que obtiveram – não só em tempos de pandemia, mas como um componente estrutural de seu modelo de negócio – um enorme volume de fundos públicos, em forma de recursos e pesquisa básica e aplicada, imprescindíveis para obter as vacinas (e outros remédios), fundos que privatizaram com a complacência, exceto casos excepcionais, de governos e instituições.
O faturamento destas empresas, cujo mercado é a doença dos que podem comprar as vacinas, protegidas pelas patentes, é bilionário, do mesmo modo que cresceram exponencialmente as retribuições de seus executivos e grandes acionistas.
Algumas vozes se ergueram contra esta situação, exigindo que se liberem as patentes, ocorra uma efetiva transferência de tecnologia e que as capacidades produtivas necessárias para que as vacinas possam chegar a todos sejam efetivadas. Mas as resistências e as posições tíbias, onde lamentavelmente encontramos as instituições comunitárias e a maior parte dos governos europeus, estão impedindo avançar nesta direção.
O tempo urge, a doença mata, os direitos humanos mais básicos estão sendo pisoteados..., mas nada disso importa, pois “ninguém ficará para trás”. Que o circo continue!
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O meganegócio das grandes farmacêuticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU