Um grupo de quatro parlamentares, entre eles a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), pediu nesta quarta-feira (19) que uma comitiva da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDMH) da Câmara dos Deputados visite a aldeia Palimiu, na Terra Indígena Yanomami. Desde o dia 10, os Yanomami vêm sendo atacados diariamente por garimpeiros que navegam pelo rio Uraricoera, sem que nenhuma providência dos governos federal e estadual seja tomada. No último domingo (16), a aldeia foi atacada por bombas de gás lacrimogêneo.
A reportagem é de Emily Costa e Ana Lúcia Montel, publicada por Amazônia Real, 19-05-2021.
Até o momento, o governo federal não enviou ajuda nem proteção policial à comunidade, apesar de determinação judicial. Na imagem acima, indígenas Yanomami na aldeia Palimiu na manhã de hoje (19/05). (Foto: Condisi-Y)
“É questão de vida. É a segurança de uma coletividade para que não aconteça o mesmo que aconteceu no passado, de massacre, de genocídio, no caso Haximu, que a gente já viu o que aconteceu. Já houve esse genocídio no passado e a gente não quer que se repita”, disse a deputada Joênia Wapichana, em coletiva online realizada nesta quarta-feira, promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O caso Haximu refere-se ao massacre ocorrido em 1993, onde ao menos 16 indígenas Yanomami foram mortos por garimpeiros.
A visita dos parlamentares não seria necessária se o governo cumprisse ordem judicial que determina a proteção dos Yanomami. Na quinta-feira (13), a 2ª Vara da Justiça Federal em Roraima já havia acatado o pedido do Ministério Público Federal (MPF), obrigando a União a enviar e manter efetivo armado na comunidade. O governo federal, incluindo a União, a Funai e o Ibama, alegou falta de aeronave e condições climáticas pouco favoráveis para o deslocamento aéreo de policiais federais a Palimiu, segundo o MPF.
O pedido à CDMH também menciona o ataque de garimpeiros armados aos sete agentes da Polícia Federal enviados à Palimiu no último dia 11 e ressalta urgência: “Estamos diante de uma situação extrema com grande possibilidade de extermínio do povo Yanomami”. O documento é assinado pelos também deputados Airton Faleiro (PT/PA), Nilto Tatto (PT/SP) e Camilo Capiberibe (PSB/AP), todos integrantes da Frente Parlamentar Indígena.
Na noite desta quarta, o presidente da CDHM, deputado Carlos Veras (PT/PE), também solicitou apoio aos Yanomami, acionando o Ministério da Justiça, o Ministério da Defesa e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na coletiva, a Apib também divulgou o ingresso de um novo pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela retirada imediata de garimpeiros nas Terras Yanomami, em Roraima e no Amazonas, e em Munduruku, no Pará.
Na ação, a Apib cita também o envolvimento dos invasores do Território Yanomami com facções do crime organizado, conforme revelado com exclusividade pela Amazônia Real no último dia 10.
Os Yanomami possuem o maior território indígena em extensão territorial do Brasil. A comunidade Palimiu fica no município de Alto Alegre e é alvo de garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Nos últimos tempos, o território vem recebendo um grande número de garimpeiros com ligação com o PCC.
Nesta quarta-feira, a liderança Timóteo Yanomami fez um novo apelo pela proteção da comunidade Palimiu, em vídeo gravado pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana (Condisi-Y), Junior Hekurari. No vídeo, enviado à Amazônia Real, o cacique relata o drama dos indígenas.
“Os garimpeiros estão nos atacando de noite e de dia também. Muito triste. Tudo isso é problemático para a nossa comunidade. Pretendemos viver em paz, com tranquilidade. Queremos viver. A Polícia Federal, até agora ninguém chegou. Estamos pedindo grande ajuda e apoio para defender nós. Vocês autoridades maior em Brasília, da Funai também. Decidir para olhar para nós. Para vigiar. A segurança está em falta”, apela o líder indígena da aldeia Palimiu.
Segundo Junior Hekurari, os ataques dos garimpeiros estão acontecendo também à noite, deixando os moradores de Palimiu apavorados. Outro problema é a completa ausência de profissionais de saúde para atender o polo-base da aldeia. Desde os ataques, a Secretaria Especial de Saúde Indìgena (Sesai) decidiu retirar os profissionais. Com isso, 1.200 indígenas de 11 aldeias atendidas pelo polo-base ficaram sem atenção médica.
“As comunidades estão com muito medo. E agora muita gente com malária, crianças doentes. Isso está sendo muito revoltante. Até agora a PF não chegou. O governo federal não tem nenhum planejamento”, desabafou Junior.
Procurado, o coordenador do Distrito Sanitário Especial (Dsei) Yanomami sinalizou à reportagem que não há um prazo para o retorno definitivo dos cinco profissionais da equipe de saúde. Há apenas possibilidade de atendimentos temporários.
“Até o momento não e enquanto não tiver segurança a equipe não retornará permanentemente. Porém, iremos fazer atendimentos específicos conforme haja demanda em casos de urgência”, disse nesta quarta-feira o coordenador do Dsei, Romulo Pinheiro, acrescentando que “possivelmente retornaremos amanhã (20) para atendimento e voltamos no mesmo dia”.
O vice-coordenador da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Yanomami, também participou da coletiva de quarta-feira e alertou sobre a grande preocupação com a saúde dos indígenas da comunidade, em especial as crianças.
“Agora nós estamos há nove dias sem assistência de saúde lá na comunidade. As crianças estão com sintomas de malária, de diarreia. Estão com sintoma de gripes”, disse Dário Yanomami. “Desde o dia 10, quando as crianças estavam no mato, dormiram no mato, quando choveu bastante, o sintoma de pneumonia entrou e as crianças estão correndo risco. É isso que está acontecendo, não tem nenhuma assistência para as crianças, para as mulheres, homens.”
Durante a live, lideranças indígenas do povo Munduruku, que também têm suas demandas pleiteadas na ação da Apib, questionaram a falta de atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) com os povos indígenas, e cobraram que seja feita internação imediata para barrar as violações dos direitos dos povos indígenas.
“Estamos muito indignados com tudo isso que está acontecendo. A gente espera pelo estado, pelo governo e agora temos que esperar pelo STF. Será que ele está mesmo com o povo indígena, com o meio ambiente, será que o STF tem coração, será que são pais de família, porque não ver o que tá acontecendo? O STF tem que fazer algo urgente, urgente mesmo”, disse Maria Leusa Munduruku, coordenadora da Associação Wakoborun.
Além da preocupação com as consequências do garimpo, as lideranças indígenas demonstram preocupação com as influências de alcoolismo e prostituição, que chegam nas comunidades através dos garimpeiros.
A coordenadora jurídica da Apib, Samara Pataxó, explicou que em julho de 2020 a entidade entrou com uma ação no STF, pedindo a desintrusão de invasores de sete territórios indígenas, entre eles, os dos Yanomami e Munduruku.
“O ministro (Luís Roberto) Barroso, que é relator do processo, acolheu parte dos pedidos e deu prazo para o governo realizar um plano de retirada”, lembrou Samara. No documento a Apib também solicitava ao governo que fosse apresentado um plano de enfrentamento e monitoramento da Covid-19 entre os povos indígenas.
“Então, embora Barroso não tenha deferido a cautelar da desintrusão dos invasores das sete terras, para amenizar, pediu a criação de um plano de contenção e isolamento dos invasores. Já estamos na quarta versão”, acrescentou a coordenadora jurídica da Apib. “O governo não consegue trazer respostas rápidas para planos urgentes.”
Yanomami na aldeia Palimiu na manhã de quarta-feira (19/05). (Foto: Condisi-Y)
Segundo o MPF de Roraima, desde o relato do conflito de domingo (16), quando a comunidade foi atacada com bombas de gás lacrimogêneo e tiros, “nenhum órgão do Executivo esteve na região sequer para apurar oficialmente o que aconteceu”.
Após esse ataque com bombas de gás, procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedido do MPF-RR e com o pleito da coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), subprocuradora-geral da República Eliana Torelly, questionou na segunda-feira (17) por meio de ofício o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, sobre a falta de aeronave para deslocar policiais à aldeia atacada. Aras afirmou que é “imprescindível o imediato destacamento de força pública” a fim de garantir a segurança e reprimir novos atos de vingança dos garimpeiros.
“O retorno dos criminosos com arma de fogo e o atentado contra a vida de indígenas e agentes policiais demonstra exemplarmente a periculosidade do grupo criminoso que atua naquela região”, disse a 6CCR no ofício enviado ao Ministério da Defesa, ressaltando que a atuação da PF na última semana não foi suficiente para impedir o retorno dos garimpeiros à Terra Indígena.
Em resposta à PGR, o Ministério da Defesa informou nesta terça (18) que liberou a aeronave para o envio de policiais à Palimiu, o que ainda não havia ocorrido até a tarde desta quarta-feira (19), conforme o MPF.