07 Mai 2021
A biodiversidade está no topo da agenda dos governos. Felizmente, porque há uma emergência: um quarto das espécies animais e vegetais conhecidas está ameaçado de extinção.
A reportagem é de Antoine de Ravignan, publicada por Alternatives Économiques, 03-05-2021. A tradução é de André Langer.
“Proteger a biodiversidade para preservar a nossa saúde”, é o título de um artigo de La Fabrique Écologique publicado na primavera. “A crise da Covid-19 evidenciou um caso particular de interação entre biodiversidade e saúde, o da transmissão de um agente patógeno da vida selvagem para o homem”, lembra seu autor, Julien Fosse, inspetor-chefe de saúde pública veterinária.
Mesmo que o assunto seja motivo de preocupação, a emergência sanitária e os impactos econômicos e sociais de sua gestão não permitiram que os governos dessem muita atenção a essas interações entre o homem e a natureza, na origem de uma pandemia que já matou quase 3 milhões de pessoas no mundo, sem contar as mortes indiretas.
Essa situação pode mudar em 2021, pelo menos é o momento certo para isso. De fato, a crise da saúde não apenas adiou para este ano duas grandes cúpulas internacionais dedicadas à biodiversidade e planejadas há muito tempo. Também demonstrou sua importância e atualidade, e pode levar cidadãos e políticos a se interessarem mais por ela.
Mas, basicamente, por que se preocupar tanto com a biodiversidade? Se a morte do último rinoceronte branco é triste, o que dizer da pobreza dos países onde a caça ilegal prospera? E desde que a vida apareceu na Terra, as espécies aparecem, desaparecem e evoluem. Precisamos realmente de 650 espécies de coníferas, mais de 12.000 espécies de formigas e mais de 20.000 espécies de abelhas?
É fora de propósito fazer a pergunta. Por um lado, a biodiversidade não pode ser reduzida à maior ou menor abundância de espécies. Por outro lado, sua complexidade, na sua natureza e nas suas funções, torna o raciocínio utilitarista bastante fútil, o que permitiria, por exemplo, decretar quais os elementos que devem ser preservados e quais podem ser destruídos.
A biodiversidade é a estrutura viva de nosso planeta. Isso abrange todas as formas de vida (plantas, animais, bactérias, etc.), ou seja, a diversidade específica de cada uma, mas também a diversidade genética dentro de cada espécie. Abrange também todos os ambientes de vida, em todas as escalas, da lagoa ao oceano, das árvores à paisagem. E isso recobre, dentro dos ecossistemas que constituem os ambientes e seus habitantes, todas as relações das espécies entre si (predação, simbiose, etc.) e com seu meio ambiente. Estamos, portanto, lidando com cadeias de relações extraordinariamente complexas, muitas vezes ainda mal conhecidas. E cujo nível de perturbação com as atividades humanas está atingindo, em contrapartida, duramente os humanos.
O aumento das zoonoses nos últimos 50 anos – ontem a aids, hoje a Covid-19, para falar apenas das mais epidêmicas – está ligado a fenômenos como a extensão das fronteiras agrícolas em zonas tropicais ou a intensificação, principalmente sob a pressão demográfica, da caça para carne de animais selvagens, o que aumenta os contatos entre humanos e microorganismos patogênicos carregados pela vida selvagem. Por outro lado, a natureza e sua diversidade desempenham um papel fundamental no fornecimento de recursos humanos de todos os tipos: farmacopeia tradicional e industrial, alimentos, água doce... Mais de 75% das culturas alimentares são baseadas na polinização animal, e o desaparecimento de populações inteiras de insetos enfraquece essa função. Os sistemas agrícolas baseados na diversidade genética e paisagística também são meios de defesa contra os perigos climáticos ou as pragas de insetos das plantações. A qualidade e a quantidade das reservas de água doce estão ligadas à manutenção da cobertura vegetal e ao controle da pulverização agrícola.
No entanto, a biodiversidade não pode ser reduzida às suas imensas contribuições materiais, cujos mecanismos nem sempre estão bem identificados. São também contribuições culturais, estéticas, emocionais, espirituais, cuja importância não é a mesma entre os humanos. E, além dos mil e um prazeres da biodiversidade (que chatice encontrar sempre as mesmas variedades de maçãs onde quer que se vá!), podemos reconhecer que a vida em todas as suas formas tem um valor em si, o que implica em respeitar a natureza em si mesma, e, portanto, por esta razão também limitar as pressões que inevitavelmente se exerce sobre ela.
Após a quinta extinção em massa, que ocorreu há cerca de 65 milhões de anos e estima-se que tenha provocado o desaparecimento de três quartos das espécies, um novo colapso está em andamento. De acordo com o relatório global das Nações Unidas sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos publicado em junho de 2019, um quarto das espécies animais e vegetais avaliadas estão ameaçadas de extinção, e estamos falando apenas da média. Se integrarmos outras categorias importantes de formas vivas (fungos, bactérias, protozoários, etc.), quase um milhão de espécies (de um número total estimado em cerca de 10 a 15 milhões) correm o risco de se extinguir, muitas inclusive nas próximas décadas. O ritmo de desaparecimentos está se acelerando e é dezenas, senão centenas, de vezes maior do que nos últimos 10 milhões de anos.
Em setembro de 2020, o último “Relatório Planeta Vivo” do WWF apresentou números alarmantes: as populações de 21.000 espécies monitoradas por esta organização (mamíferos, pássaros, peixes, etc.) diminuíram em 68% em média desde 1970, com taxas ainda maiores para muitas delas (os gorilas na República Democrática do Congo e os papagaios cinzentos em Gana). Na Europa, a população de aves do campo nas áreas rurais diminuiu 34% desde 1990. A queda é de 39% para as borboletas, considerado um indicador representativo das populações de insetos.
Além do colapso das espécies, ocorre a erosão da diversidade genética e dos ambientes. Das 6.190 raças de mamíferos domesticados pelo homem ao longo da história, 559 estão extintas e mais de mil estão à beira da extinção. Essa biodiversidade genética é, no entanto, essencial para a segurança alimentar, principalmente quando se trata de selecionar características que possibilitem a obtenção de variedades vegetais e animais mais resistentes às mudanças climáticas. O mesmo se aplica à diversidade de ambientes e paisagens, especialmente às zonas úmidas. Por exemplo, a floresta de mangue desempenha um papel protetor nas áreas costeiras tropicais, especialmente em face das ondas gigantes, mas perdeu três quartos de sua superfície original.
Muitos são os fatores para a perda de biodiversidade, mas não têm o mesmo peso. A principal causa relativa à biodiversidade terrestre é a mudança no uso do solo, consequentemente a destruição e a fragmentação dos locais de vida. Em questão, a extensão de áreas agrícolas e/ou a intensificação da produção, vinculadas ao crescimento populacional e a dietas cada vez mais baseadas na carne. O consumo de carne e outras proteínas animais hoje mobiliza três quartos da superfície agrícola mundial (terras cultivadas e pastagens). Em seguida vem a extração de madeira e, finalmente, a urbanização. Enquanto as florestas tropicais abrigam os mais altos níveis de biodiversidade do planeta, 100 milhões de hectares (quase o dobro do tamanho da França) foram destruídos entre 1980 e 2000, devido à pecuária e às plantações de soja na América Latina ou às plantações de dendezeiros no Sudeste da Ásia. Embora a taxa de desmatamento tenha diminuído desde a década de 1990, ela continua muito alta: o equivalente a um campo de futebol a cada dois segundos, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). No que diz respeito à biodiversidade marinha, a pesca é a principal causa de desaparecimento das espécies.
Estas pressões, essencialmente ligadas à procura de alimentos e aos sistemas agrícolas que a satisfazem, são seguidas, na hierarquia das causas, por outros fatores como a poluição (incluindo a que acompanha as alterações do uso do solo, como a aplicação de pesticidas), a disseminação, intencional ou incidental, de espécies exóticas invasoras e as mudanças climáticas. Essas duas últimas causas de degradação da biodiversidade, também inter-relacionadas, estão se tornando cada vez mais importantes.
A análise dos fatores que explicam o colapso da biodiversidade evidencia os limites das medidas voltadas para a proteção de espécies e espaços. Embora seja fundamental fortalecer essas políticas de conservação, a extensão e a melhor administração das áreas protegidas por exemplo, é fundamental agir sobre as causas da extinção atual, como a artificialização dos solos e os nossos regimes agrícolas e alimentares. E, portanto, reorientar um modelo econômico que hoje está nos colocando contra a parede.
Prevista inicialmente para acontecer em outubro de 2020 em Kunming (China), a 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade (COP 15) é para a biodiversidade o que o Acordo de Paris de 2015 é para o clima. Trata-se de adotar uma nova estrutura global de ação em que os Estados se comprometam a implementar seriamente seus planos nacionais e a cooperar mais.
Adiada uma primeira vez para maio de 2021, esta cúpula foi novamente adiada. É anunciada para acontecer entre os dias 11 e 24 de outubro próximo. Nesta perspectiva, a França, que já publicou uma nova estratégia sobre áreas protegidas em janeiro, está em processo de elaboração da sua terceira estratégia nacional para a biodiversidade, abrangendo o período 2021-2030. Após uma consulta aos atores territoriais em fevereiro passado, uma consulta nacional aos cidadãos foi aberta em maio. Espera-se que o documento seja finalizado no final do ano e seja apresentado no Congresso Mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Previsto para acontecer em Marselha, o congresso estava inicialmente agendado para junho de 2020 e foi adiado para 3 a 11 de setembro. Um evento importante sobre o estado do conhecimento e das políticas no campo da proteção da biodiversidade, a montante de Kunming.
Até a cúpula chinesa, outros eventos estão na agenda. Em termos europeus, a Comissão deve apresentar quatro planos de ação detalhando os elementos do Pacto Verde que afetam a biodiversidade (gestão das florestas, produção biológica, luta contra a poluição, restauração dos ecossistemas). O G7, que se reunirá no Reino Unido de 11 a 13 de junho, terá como foco a reconstrução do mundo pós-vírus, “mais justo, mais verde, mais próspero”, segundo os anseios de Boris Johnson, cujo país também sediará a COP 26 da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em Glasgow, no início de novembro. A necessidade de articular a luta pela preservação da biodiversidade e contra o aquecimento global merece destaque nos dois momentos, tema que também deve estar na agenda da Assembleia Geral da ONU em setembro.
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Biodiversidade: alerta, colapso! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU