22 Abril 2021
Um webinar promovido pelo Vaticano nesta semana reuniu a famosa primatologista Jane Goodall e o cardeal Peter Turkson para uma conversa sobre biodiversidade e a sua importância na preservação da vida na Terra, não apenas para as pessoas, mas também para todo o planeta.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada em National Catholic Reporter, 21-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Goodall se reuniu com Turkson, prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, em um webinar no dia 20 de abril [assista abaixo, em inglês], destacando as agruras das espécies e dos ecossistemas, antes de uma importante cúpula das Nações Unidas sobre a biodiversidade, prevista para outubro.
O prelado católico e a primatologista repassaram uma série de temas, desde a responsabilidade dos humanos pela proteção dos ecossistemas até as formas pelas quais o desrespeito dos humanos pela natureza pode invariavelmente prejudicar a eles mesmos, seja por meio das mudanças climáticas ou de pandemias.
“Nós temos este lindo planeta verde e azul criado por Deus. Como é possível que a criatura mais intelectual que já caminhou neste planeta esteja destruindo seu único lar?”, perguntou Goodall.
Goodall, que, antes de começar seus comentários, fez uma saudação ao estilo dos chimpanzés, disse que, mesmo em meio à multidão de crises ambientais, ela tem esperança – alimentada a partir dos jovens, da ciência e do papa – de que a humanidade pode mudar seus caminhos.
As ameaças enfrentadas pela biodiversidade do planeta – seus ecossistemas e as espécies vivas que os habitam – passaram a estar em um foco mais nítido nos últimos anos. A Terra viu cinco extinções em massa, e muitos cientistas dizem que uma sexta está em andamento e possivelmente acelerando.
Um relatório da ONU de 2019 projetou que um milhão dos 8 milhões de espécies estimadas sobre a Terra enfrentarão a extinção até o fim deste século, um desaparecimento acelerado pelas mudanças no uso da terra e do mar por parte dos humanos, a exploração de espécies, mudanças climáticas e espécies invasoras.
“Hoje, há uma desconstrução devastadora do dom da criação de Deus”, disse Turkson.
O cardeal disse que, na Bíblia, a biodiversidade representa a forma que a criação de Deus assume, e os humanos foram encarregados de cuidar da natureza. Ele disse que o ensino da Igreja reconhece o valor intrínseco e o propósito de cada uma das plantas e dos animais que constituem a tapeçaria da Terra.
Mas, à medida que as atividades humanas ameaçam cada vez mais as plantas e as espécies animais de extinção, a humanidade contraiu “uma grande e grave dívida ecológica”, disse Turkson.
“O custo dos danos causados pela exploração humana da natureza é muito maior do que os benefícios econômicos obtidos. Quando certas espécies são destruídas ou seriamente prejudicadas, os valores envolvidos são incalculáveis”, afirmou ele.
Por meio do seu programa Tacare, o Instituto Jane Goodall tem trabalhado com comunidades locais em todo o mundo para colocar em ação a conservação holística de base comunitária para restaurar a terra usada em demasia, sem pesticidas ou outros produtos químicos.
Goodall disse que ajudou as pessoas a verem a interconexão entre as espécies e como a proteção do ambiente beneficia não apenas a vida selvagem, mas também as pessoas (pronunciada como “take care” [em inglês, cuidar], a sigla Tacare se refere a Lake Tanganyika Catchment Reforestation and Education).
“Quando uma dessas espécies se extingue, ela abre um furo nessa tapeçaria. E, à medida que mais e mais furos são feitos, à medida que essas espécies se extinguem com uma rapidez terrificante, no fim vamos ficar com uma tapeçaria tão dilacerada que o ecossistema entrará em colapso. E é disso que dependem as nossas vidas”, disse Goodall.
Jane Goodall, a famosa primatologista, e o cardeal Peter Turkson – na imagem, à direita no centro – participam de um webinar promovido pelo Vaticano no dia 20 de abril sobre a importância da preservação da biodiversidade para as pessoas e o planeta (Imagem: NCR/YouTube)
A primatologista disse acreditar que a janela permanece aberta para salvar os chimpanzés e outras espécies da extinção, mas isso começa com a redução de “estilos de vida insustentáveis” que destroem o ambiente e as condições que os alimentam. Fazer isso inclui abandonar os combustíveis fósseis, eliminar gradualmente a agricultura industrial e as fazendas industriais, e avançar para práticas de permacultura.
“Temos que pensar nas escolhas que fazemos a cada dia”, disse ela. “Vamos ao supermercado para comprar comida. Perguntemo-nos: ‘De onde isto veio? A sua produção prejudicou o ambiente? Foi cruel com os animais? É barato por causa dos salários injustos em outras partes do mundo?’. E, se a resposta for sim, sim e sim, então não compre.”
Essas mudanças podem fazer com que um produto custe mais, “mas isso significa que vamos valorizá-lo mais e desperdiçar menos”, disse Goodall. Várias coisas lhe dão esperança de que tais mudanças ainda são possíveis.
Uma é a preocupação com a natureza que ela vê nos jovens, incluindo aqueles que participam do programa Roots and Shoots do seu instituto, e outra está nos avanços industriais e científicos que ela viu ao longo dos seus 89 anos de vida. Ela também alimenta a sua esperança com o papa.
“Uma das minhas razões de esperança é o Papa Francisco, porque, naquela sua posição como papa, com toda a Igreja Católica ao redor do mundo, a sua posição sobre o ambiente realmente fez uma grande diferença”, disse ela, acrescentando: “E o outro motivo de esperança é que as outras religiões também estão começando a falar cada vez mais sobre o ambiente.”
O webinar foi organizado pelo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral e pela força-tarefa ecológica da Comissão Covid-19 do Vaticano, junto com duas dezenas de organizações parceiras, incluindo o Movimento Católico Global pelo Clima, a CIDSE [Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e Solidariedade], a União Internacional de Superiores Gerais e o Parlamento Mundial de Religiões. O evento serviu como preparação para a COP-15, a conferência da ONU sobre biodiversidade, agendada para outubro em Kunming, China.
O Vaticano, que participará da conferência sobre biodiversidade, traçou vários objetivos para o encontro, entre eles o aumento das áreas protegidas, a valorização das contribuições da natureza às pessoas e a repartição justa e equitativa dos benefícios dos recursos biológicos.
Mas, principalmente, com a ajuda de Turkson, o papel do Vaticano começa com a crescente conscientização sobre o clamor dos pobres e o clamor da terra, resultantes dos abusos humanos da natureza, e com o convite às pessoas para a cidadania ecológica e a conversão ecológica.
“A conversão ecológica é uma mudança de mentalidade, uma mudança de olhar, uma mudança de estilo de vida e de hábito, passando de um desejo de controlar e dominar para um desejo de salvaguardar, de proteger. Isso é o que asseguramos e o que propomos como uma forma de salvaguardar a biodiversidade para todos nós”, disse Turkson.
A realização da conferência sobre biodiversidade na China provavelmente servirá como um exame mais aprofundado sobre as origens da pandemia do coronavírus. Cientistas e autoridades de saúde continuam investigando como a Covid-19 surgiu, com uma teoria importante que a rastreia a Wuhan, China, possivelmente a um mercado onde animais selvagens vivos eram vendidos.
Goodall disse que a destruição de ecossistemas e habitats empurrou os animais para um contato mais próximo com os humanos. Essa proximidade, em locais como mercados de animais silvestres e fazendas industriais, cria condições para que um patógeno passe dos animais às pessoas.
“Trouxemos isso em grande parte para nós mesmos devido ao nosso absoluto desrespeito aos animais e ao nosso desrespeito ao mundo natural”, disse ela.
Turkson disse que “a atual pandemia nos alerta para o fato de que, quando a natureza está doente, a própria humanidade fica muito doente”.
O Papa Bento XVI fez essa conexão em 2009, em sua encíclica Caritas in veritate, acrescentou o cardeal, na qual o agora papa emérito escreveu: “As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa” [n. 51].
“A saúde da humanidade, portanto, depende da natureza”, disse Turkson. “Quando a natureza adoece como um resultado da poluição e da destruição causadas pelo ser humano ou centradas no ser humano, a humanidade invariavelmente sofre. Isso mostra que tudo está interligado.”
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“A sobrevivência humana depende da biodiversidade”. Primatologista Jane Goodall participa de debate com cardeal Turkson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU