26 Abril 2021
Aqui está uma breve amostra de notícias que circularam pelo Vaticano nos últimos dias.
O Pontifício Conselho para a Cultura, sob o comando do sempre idiossincrático cardeal Gianfranco Ravasi, causou surpresa novamente ao anunciar um próximo congresso sobre os cuidados de saúde, nos dias 6 a 8 de maio, copromovido pela Fundação Cura, que, entre outros conferencistas, contará com Joe Perry, guitarrista da banda Aerosmith, Deepak Chopra, Anthony Fauci e Chelsea Clinton.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado em Crux, 25-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco mais uma vez entrou com tudo na batalha em torno das mudanças climáticas, desta vez enviando uma breve videomensagem para a cúpula do Dia da Terra, nos dias 22 e 23 de abril, promovida do presidente dos EUA, Joe Biden, com o objetivo de marcar o ressurgimento dos Estados Unidos como um líder global na luta contra as mudanças climáticas. O pontífice chama o ambiente de um “dom que recebemos e que temos que cuidar, proteger e levar adiante”.
O cardeal Peter Turkson, de Gana, que chefia o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano e é considerado um aliado-chave do Papa Francisco, promoveu um webinar sobre a biodiversidade no dia 20 de abril. Um destaque foram as considerações da cientista britânica Jane Goodall, conhecida em todo o mundo pelos seus estudos sobre os chimpanzés e pela sua defesa da conservação das espécies. Goodall chamou o Papa Francisco de “uma razão de esperança” nos esforços dela.
Enquanto os protestos contra as medidas anti-Covid-19 eclodiam na Itália e em outras partes do mundo, muitas vezes envolvendo trabalhadores do setor de restaurantes, transportes e turismo em dificuldades, o Papa Francisco e sua equipe vaticana permaneceram em grande parte às margens. Nas mídias italianas, o consenso geral era de que, embora o pontífice geralmente defenda os pequenos, neste caso o amplo apoio de Francisco ao consenso científico a respeito das medidas anti-Covid teve a precedência.
Na quinta-feira passada, o Papa Francisco se encontrou com o primeiro-ministro designado Saad Hariri, do Líbano, usando a ocasião para mais uma vez exortar a comunidade internacional a fazer mais para trazer estabilidade à nação do Oriente Médio. O pontífice também expressou o seu desejo de visitar o Líbano o mais rápido possível.
Recapitulando, essas histórias envolvem os sistemas de saúde e de entregas do século XXI, as mudanças climáticas, a biodiversidade, a tensão entre a proteção da saúde pública e da liberdade individual na era da Covid, e a política do Oriente Médio.
Existe um denominador comum entre elas? Sim: no mundo de hoje, espera-se que o papa tenha algo a dizer sobre todos elas.
Vivemos em uma era da opinião instantânea, em que a perspectiva geralmente é a primeira vítima. No entanto, aqui está um pouco de perspectiva que qualquer pessoa que acompanha as notícias vaticanas e a cena católica deve tentar ter em mente: o papado, do modo como passou a ser entendido, é uma missão impossível.
Não estou falando sobre como o papado é definido, digamos, no Catecismo da Igreja Católica ou no Código de Direito Canônico. Essas fórmulas são consagradas pelo tempo, imutáveis e, honestamente, elásticas o suficiente para acomodar todos os tipos de aplicações concretas.
Estou falando das expectativas na mente popular – nas ruas, nos corredores, na TV e nos jornais, nas redes sociais e assim por diante.
Consideremos o que esperamos – ou exigimos, na verdade – que os papas modernos sejam:
Mestres do xadrez político: da Ucrânia ao Oriente Médio, da África subsaariana ao leste da Ásia, se houver um conflito se formando ou se desenrolando em algum lugar do planeta, esperamos que os papas não apenas falem sobre isso, mas também façam algo – planejem uma viagem, mandem um enviado, organizem uma cúpula, mas que façam alguma coisa. Se um país é um mau ator no que diz respeito aos direitos humanos, queremos que o papa o repreenda; se um presidente ou primeiro-ministro não é coerente com o ensino social católico em alguma área, queremos que o papa expresse o seu desagrado. Se um determinado papa não faz algo – ou tenta, mas tropeça – ele é considerado um covarde ou um fracasso.
Gigantes intelectuais: quer se trate de filosofia, artes, literatura, cinema ou qualquer outra tema, se houver uma tendência em desenvolvimento, esperamos que o papa lide com ela. Esperamos que eles publiquem documentos detalhados, virtualmente do tamanho de um livro, chamados de “encíclicas”, de tempos em tempos, e depois submetemos esses documentos a críticas acirradas se não forem completamente convincentes ou persuasivos em todos os detalhes. Se um determinado papa não for um Tomás de Aquino moderno, ficaremos decepcionados.
CEOs da lista Fortune 500: o papa deve agir como um CEO de uma grande corporação religiosa multinacional, policiando os sistemas financeiros e erradicando a corrupção e a má gestão. Apesar do fato de não existir algo como “Catolicismo S.A.” e de as dioceses de todo o mundo serem jurídica e financeiramente independentes do Vaticano, consideramos o papa pessoalmente responsável pelos problemas em todos os lugares. A reação pública aos escândalos de abuso clerical pode ser o melhor exemplo disso, mas dificilmente é o único. Se uma paróquia do interior do país perdeu dinheiro na coleta do último fim de semana, não demorará muito para que alguém clame para que o papa faça alguma coisa.
Celebridades midiáticas: as pessoas esperam que os papas agora deem entrevistas, estrelem programas especiais feitos para a TV, publiquem livros e CDs, e viajem pelo mundo e reúnam multidões. Quando o Papa Francisco visitou o Brasil em 2013 para a Jornada Mundial da Juventude, muito se falou do fato de que, quando ele apareceu na Praia de Copacabana, ele superou o recorde dos Rolling Stones. Se esses programas de TV, livros e grandes eventos não forem bem, então as pessoas começarão a falar que o papado é um fiasco.
Ah, e não esqueçamos...
Santos vivos: esperamos que os papas sejam modelos pessoais de santidade, irradiando espiritualidade e projetando virtudes sobre-humanas. Se um papa parece um pouco irritado, mal-humorado, entediado, triste ou arrogante, ou exibe qualquer outra emoção incoerente com uma versão cinematográfica e epocal da vida espiritual, sua armadura parece estar rachada em algum ponto.
A verdade é que fazer qualquer uma dessas coisas bem é um trabalho para uma vida inteira, e bastante raro. Listar todas em uma descrição de trabalho colossal é uma receita para ter dores de cabeça perpétuas.
É claro que alguém poderia argumentar que os papas não deveriam atender a essas expectativas, que eles deveriam apenas pregar o Evangelho e salvar almas. Mas o navio dessa ideia já zarpou há muito tempo e não voltará para o porto.
Essa perspectiva também não significa que os papas não sejam sujeitos a críticas legítimas.
Talvez São João Paulo II não deveria ter reconhecido a Eslovênia e a Croácia tão rapidamente após a dissolução da Iugoslávia em 1992, por exemplo, e talvez, como François Mitterrand afirmou certa vez, essa pressa ajudou a desencadear a Guerra dos Bálcãs.
Talvez Bento XVI deveria ter respondido muito mais rápido aos escândalos dos abusos clericais na Irlanda e em toda a Europa em 2009 e 2010.
Talvez Francisco deveria ser mais firme sobre as políticas em torno da liberdade religiosa na China ou mais cauteloso em seu apoio aos novos e abrangentes poderes governamentais justificados pela crise da Covid.
Tudo isso é justo. O que a perspectiva aqui apresentada sugere, entretanto, é que é preciso fermentar essa crítica com uma hermenêutica da generosidade, já que o fracasso ocasional ou os pontos cegos são praticamente inevitáveis quando você elege alguém para fazer o impossível.
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Papado moderno é uma missão impossível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU