13 Abril 2021
"Tendo em vista que neste ano ocorreram outros despejos em nossa região, percebemos que a função social da terra, preceito previsto no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal, não está sendo observada e que grupos econômicos com alto poder aquisitivo têm se beneficiado de confusões de documentos de terra na região para se apropriarem de terras da união, muitas delas com ocupação de longa data, inclusive com processos correndo há anos", escreve o Centro de Direitos Humanos Dom Pedro Casaldáliga, em nota pública de apoio às famílias em situação de despejo da gleba Porta da Amazônia.
O Centro de Direitos Humanos Dom Pedro Casaldáliga (CDHDPC), no ato de sua função social, externa a sua solidariedade e apoio às 58 famílias que habitam a gleba Porta da Amazônia há aproximadamente 23 anos, bem como manifestar a sua indignação pela forma com que o despejo destas famílias está sendo conduzido.
Solidarizamo-nos com as famílias que estão sendo despejadas da gleba Porta da Amazônia, pois muitas dessas pessoas vivem nessa terra, nela trabalham e dela tiram seu sustento por mais de duas décadas. Essas pessoas têm entre si laços familiares, sociais e religiosos criados no território. Somos solidários com as mulheres, homens, crianças, idosos, pessoas com deficiência – pessoas humanas com sonhos e sofrimentos, vítimas do processo de despejo, algumas das quais que não possuem outro local de moradia.
Localização da cidade de Confresa, no mapa Mato Grosso, região Norte do Araguaia, onde reside a comunidade ameaçada de despejo (Mapa: Wikimedia Commons)
Salientamos que o despejo em questão está ocorrendo em um momento de grave crise sanitária mundial, com o registro de mais de 300 mil mortos por Covid-19 no Brasil, período este em que várias instituições defensoras de Direitos Humanos têm cobrado dos poderes da República para que não haja despejos coletivos urbanos e rurais durante a pandemia. Há inclusive recomendação do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que se evitem despejos no contexto pandêmico. Entendemos que essa resolução não foi atendida neste caso, acarretando atos lesivos aos direitos humanos e à dignidade daqueles, em situação de vulnerabilidade, até então residentes naquela terra.
A terra é de quem nela habita e produz. Tendo conhecimento do processo judicial, entendemos que no mesmo estão em oposição a compreensão da terra como “bem de mercado”, sujeito às leis da oferta e procura, e a função social da Terra. Nesse sentido, causa espanto que o processo tenha corrido em São Paulo e não em Mato Grosso, Estado no qual se encontra a terra em litígio e onde habitam as 58 famílias que até então tiram dessa terra o seu sustento. Embora aparentemente os parâmetros legais tenham sido cumpridos no processo, observa-se, por meio de relatos e gravações audiovisuais que a execução da decisão de retirada das famílias da terra em litígio não observou a Resolução n.10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que dispõe sobre soluções garantidoras de Direitos Humanos e Medidas Preventivas em situação de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos.
No que diz respeito ao momento do despejo, a citada Resolução 10/2018 prevê que o juízo da causa faça um plano de remoção das pessoas que se encontram na área, com a participação do grupo atingido, de representantes de órgãos governamentais, como o INCRA e Ministério Público, também prevê que o despejo seja acompanhado pelo Conselho Tutelar e Assistência Social, no caso de haver crianças e idosos no local. Embora haja mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência no local, no ato do despejo em questão não houve a presença nem do Conselho Tutelar, nem da Assistência Social ou de outro órgão público que vise garantir os direitos básicos dessas pessoas.
Diante da realidade ora apresentada e considerando que o Estado existe para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, o que se observa é que no que diz respeito à terra, vários tribunais brasileiros têm sido usados para dar legalidade a injustiças a olhos vistos, em grave prejuízo dos mais pobres e vulneráveis.
Tendo em vista que neste ano ocorreram outros despejos em nossa região, percebemos que a função social da terra, preceito previsto no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal, não está sendo observada e que grupos econômicos com alto poder aquisitivo têm se beneficiado de confusões de documentos de terra na região para se apropriarem de terras da união, muitas delas com ocupação de longa data, inclusive com processos correndo há anos. Repudiamos e denunciamos tais práticas, pois causam grave dano ao bem-estar social, ao desenvolvimento regional e principalmente violam Direitos Humanos garantidos em pactos internacionais e pela Constituição cidadã de 1988.
Porto Alegre do Norte, 7 de abril de 2021.
CDHDPC - Centro de Direitos Humanos Dom Pedro Casaldáliga
Entidades que apoiam essa nota:
REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica - Brasil
CBJP – Comissão Brasileira Justiça e Paz
MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos
CPT/MT - Comissão Pastoral da Terra
FDHT/MT – Fórum Direitos Humanos e da Terra do Mato Grosso
Centro de Direitos Humanos Burnier Prelazia de São Félix do Araguaia
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Urgente: Apoio às famílias em situação de despejo da Gleba Porta da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU