12 Abril 2021
STF derrota manobra vergonhosa do presidente do Senado, que tentou proteger Bolsonaro. Comissão poderá convocar depoentes e quebrar sigilos. E mais: em torno do Orçamento, Centrão e Planalto preparam-se para briga de bandidos. A análise é de Maíra Mathias e Raquel Torres, editoras do portal OutraSaúde.
Imagem: Aroeira
A análise é reproduzida pelo portal OutrasPalavras, 09-04-2021.
No dia em que o Brasil registrou 4.249 mortes, atingindo um novo recorde na pandemia, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a instauração da CPI da Covid no Senado. A decisão atende ao pedido dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania - SE) e Jorge Kajuru (Cidadania - GO) que conseguiram coletar 31 assinaturas a favor da comissão – quatro a mais do que o necessário para sua abertura – mas, no meio do caminho, encontraram Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Então recém-eleito, com apoio do governo, o presidente do Senado resolveu segurar o início da investigação que mira exatamente as omissões e sabotagens de Jair Bolsonaro e sua equipe ao longo da crise sanitária. Ontem, o pedido completou 63 dias dormitando na sua gaveta.
Acontece que, como explicou Barroso, a CPI é um direito das minorias parlamentares garantido pela Constituição brasileira. Para ser instaurada, precisa de apoio de pelo menos um terço dos membros da casa legislativa; indicação de um fato determinado a ser apurado; e prazo certo de duração. Cumpridos os três requisitos, não cabe ao presidente da casa legislativa travar a CPI.
Mas foi exatamente este o caminho trilhado por Pacheco – que tentou se justificar dizendo que adotou um “juízo de conveniência e oportunidade” para não instalar a CPI. Para ele, o momento é “inapropriado” e a investigação pode representar “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia”. Em documento enviado a Barroso, ele chegou a recorrer a filigranas burocráticos (disse que não havia a cópia deste documento e a certificação da assinatura daquele outro entre os papéis apresentados ao Supremo). Ontem, prometeu cumprir a decisão.
“Os requisitos da Constituição são claros, e foram preenchidos. O presidente Pacheco infelizmente se recusava a fazer a leitura e a instalação fazendo um juízo de valor que não cabe a ele fazer, dizer se é conveniente ou não”, disse Alessandro Vieira, um dos autores do pedido ao STF, ao Estadão.
Em nota, o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT - RN), afirmou: “É lamentável que o Congresso dependa de uma decisão do Judiciário para garantir o direito da minoria. É urgente que se apurem as ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia.”
O senador Randolfe Rodrigues (Rede - AM) foi na mesma linha: “Esperamos com urgência o início dos trabalhos para apurar os responsáveis pelo genocídio em curso no Brasil e por este atoleiro sanitário. Temos pressa! Há vidas em risco!”
Jair Bolsonaro recebeu a notícia com cinismo e ameaças. O presidente, que dias antes havia ironizado a primeira vez que o país ultrapassou a marca das quatro mil mortes (“Agora eu sou genocida”) e acusando governadores de falta de humanidade por adotarem medidas de isolamento social, disse que “o Brasil está sofrendo demais e o que menos precisamos é de conflitos” à CNN Brasil.
Na mesma entrevista, ele afirmou que “seria bom se todo mundo jogasse dentro das quatro linhas” da Constituição e que a “população está cada vez mais se conscientizando”. Não por acaso, a expressão foi usada horas antes, em uma cerimônia do Exército em que foi mais explícito: “Nós atuamos dentro das quatro linhas da nossa Constituição. Devemos e sempre agiremos assim. Por outro lado, não podemos admitir quem porventura procura sair deste balizamento”. Na cerimônia, ele voltou a dizer “meu Exército”, mentiu que “ainda” integra a força, disse que o país vive uma “fase imprecisa” e que as Forças Armadas seguirão em “perfeita sintonia com os desejos da nossa população”.
A decisão de Luís Roberto Barroso tem precedente. Em 2005, o então ministro Celso de Mello determinou que o Senado instalasse a CPI dos Bingos.
Barroso liberou o processo da CPI da Covid para julgamento no plenário virtual do STF. A análise do caso começará na sexta-feira de semana que vem, e os ministros terão até a sexta seguinte para votar. Até lá, a decisão tomada ontem fica valendo.
A CPI tem o poder de convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilos telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar ao Ministério Público pedido de abertura de inquérito.
Também ontem, o Supremo decidiu, por nove votos a dois, manter os decretos estaduais e municipais que proibiram temporariamente cultos e missas com o objetivo de evitar a disseminação do coronavírus e um maior colapso do sistema de saúde.
Dias Toffoli surpreendeu, e votou junto com Kassio Nunes Marques sem apresentar nenhum argumento próprio.
Os demais ministros votaram com o relator do caso, Gilmar Mendes, e foram duros – já que ao decidir monocraticamente pela abertura de igrejas e templos em todo o país na véspera da Páscoa, Nunes Marques desrespeitou a jurisprudência da Corte, que já tinha resolvido que governadores e prefeitos podem adotar medidas restritivas no contexto da crise sanitária e que a associação de juristas evangélicos que apresentou a ação não está na lista das entidades com prerrogativa para fazê-lo.
Bolsonaro, é claro, criticou a decisão do plenário afirmando que diante das dificuldades da pandemia muitas pessoas têm procurado espaços religiosos em busca de apoio.
Vetar as emendas parlamentares que ocuparam o espaço deixado pelas despesas obrigatórias no orçamento de 2021, ou atender a pressão da Câmara e do Senado? Ao que parece, Jair Bolsonaro vai escolher a primeira opção.
Ontem de tarde, ele se reuniu com ministros e auxiliares para avaliar as alternativas. À noite, chamou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para uma reunião, na qual levou a tiracolo o subchefe de assuntos jurídicos da Presidência, Pedro Cesar Souza.
O governo tenta convencer o Centrão de que não dá para sancionar o orçamento como está – R$ 26 bilhões em despesas obrigatórias foram canceladas a favor de emendas parlamentares – porque isso deixaria Bolsonaro vulnerável ao processo de impeachment por crime de responsabilidade. No jantar com empresários na quarta-feira, o presidente teria dito que não pretende ‘colocar o seu na reta’ pelas emendas.
Mas, segundo o Estadão, as presidências da Câmara e do Senado se uniram contra o veto. “Nos bastidores, parlamentares reagem contra a possibilidade de Bolsonaro vetar todos os recursos com a digital do relator do orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), um total de R$ 29 bilhões. Dentro desse valor, R$ 17 bilhões foram indicados conforme a escolha de deputados e senadores e R$ 12 bilhões entraram para atender pedidos de ministros do governo”, diz o jornal.
Por sua vez Lira, o maior prejudicado pelo veto por ter prometido as emendas ainda durante sua campanha à presidência da Câmara, tem na sua gaveta 101 pedidos de impeachment.
Na área técnica da Economia, a avaliação é que se não todas, pelo menos a maior parte das emendas de relator precisam ser canceladas para que a despesa obrigatória seja recomposta. Já se teria chegado a um acordo de R$ 13,5 bilhões, mas isso não é suficiente, de acordo com a equipe de Paulo Guedes.
Para complicar, ontem a presidente do TCU, Ana Arraes, mudou o relator das contas do governo referentes a 2021. Sai o ministro Bruno Dantas, entra Aroldo Cedraz, que já é responsável pela fiscalização do Ministério da Economia. Uma reprovação das contas também pode levar a impeachment.
Bolsonaro tem até dia 22 de abril para decidir.
O último boletim do Infogripe, da Fiocruz é razoavelmente animador. Como se sabe, a iniciativa monitora os níveis de alerta para os casos reportados de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e tem servido muito bem para acompanhar a pandemia no Brasil, a partir das hospitalizações, porque quase todos os casos de SRAG são hoje causados pelo novo coronavírus. Os autores mostram que, na semana de 28 de março a 3 de abril, houve no Brasil como um todo sinal de queda na tendência de longo prazo. Os únicos estados com sinal de crescimento são Rio de Janeiro e Maranhão. No Sul, todas as macrorregiões de saúde apresentam sinal de queda.
Há chances de que, em alguma medida, os dados estejam ofuscados por conta dos sistemas de saúde em colapso: se há superlotação nos hospitais, a queda das internações pode acontecer simplesmente porque eles não conseguem mais dar conta de atender a novos pacientes. Mas em vários estados os números positivos começam a aparecer pouco depois de decretadas medidas mais restritivas de mobilidade, o que reforça o que já sabíamos: elas funcionam.
O boletim não indica, no entanto, que está tudo bem. Ao contrário, o número de hospitalizações por covid-19 em todas as regiões continua muito alto e, mesmo com a diminuição, em geral ainda estão acima dos picos de novembro, como nota Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe. Em São Paulo as hospitalizações estão caindo indubitavelmente, mas ainda assim 88% das vagas de UTI estão cheias. E continua havendo outros problemas relacionados a isso: quase 40% dos serviços municipais do estado estão com estoque zerado de bloqueadores musculares e sedativos, usados na intubação.
Obviamente, ainda não é hora de relaxar. “Precisamos de no mínimo duas semanas de queda nos novos casos para começar a liberar leitos. Para UTI esse tempo é maior ainda. Isso é consequência da evolução natural da doença”, sublinha Gomes.
Ou seja: fazer como o Rio de Janeiro, que já deve reabrir hoje seus bares, restaurantes e cinemas, é correr o risco de jogar pelo ralo os últimos esforços, que ainda nem chegaram a ter grandes impactos. O estado é justamente um daqueles que ainda apresenta tendência de crescimento, segundo o Infogripe. A fila de espera por leitos de UTI acabou de ter a primeira queda após três dias de alta. Mas ainda há mais de 600 pacientes aguardando vaga… No Distrito Federal, onde a ocupação está em 100%, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou o fim do lockdown. A Justiça determinou ontem a retomada das restrições, mas o governo vai recorrer.
Ir à Justiça, aliás, foi a decisão do Conselho Nacional de Saúde e das entidades que integram a Frente pela Vida. Em conjunto, eles entraram com um pedido no STF para que seja implementado um lockdown nacional de 21 dias, com auxílio emergencial de R$ 600.
Mesmo se as restrições forem mantidas onde elas já existem, o número de mortes vai demorar para baixar. Ontem, pela segunda vez, houve mais de quatro mil registros em 24 horas: 4.190, segundo os veículos de imprensa. A média móvel ficou em 2.818, e está acima de dois mil óbitos desde o dia 17 de março.
Ainda sob a batuta de Luiz Henrique Mandetta, há exatamente um ano o Ministério da Saúde criou o ‘Censo Hospitalar’ – todos os estabelecimentos de saúde do país são obrigados a preencher diariamente um sistema com informações sobre a ocupação de leitos, tanto aqueles reservados para pacientes com covid-19, como os demais. A ideia era ter uma fonte de informação mais atualizada do que o CNES (o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), que servisse para a União definir sua estratégia de apoio em relação a estados e municípios. Mas uma investigação do Open Knowledge Brasil mostra que o Censo, afinal, não tem serventia: 68% dos dados computados no sistema têm problemas.
Entre as falhas, foram identificadas inconsistências no preenchimento de leitos e desatualização. Quase 90% dos estabelecimentos com UTI do país apresentam taxas de ocupação exorbitantes, acima de 120%. Em alguns estados, a taxa geral ficou acima de 200% ou até 300%. Em cenários de colapso, como o que vivemos, é possível verificar realmente ocupações acima de 100%, mas, segundo o estudo, uma prevalência grande de taxas tão altas assim é indicativo de problemas de registro. Além disso, 31% dos hospitais não atualizam seus dados há pelo menos duas semanas, e 24% não fazem isso há mais de 90 dias. “Se esses forem os únicos dados disponíveis, podemos considerar que o país está se planejando no escuro”, resume Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) decidiu não agendar por agora a votação do projeto que cria o camarote da vacina. Líderes da Casa discutiram a proposta ontem e, diante das divergências, Pacheco só deve retomar os debates na semana que vem. Na próxima reunião, os líderes vão definir se colocam ou não o projeto em votação – mas parece pouco provável que ele não venha a ser apreciado.
Apesar de as grandes farmacêuticas já terem afirmado reiteradamente que só negociam com governos, o bilionário Carlos Wizard continua confiante. Ao Valor, ele disse que já começou a negociar a compra de pelo menos 10 milhões de doses com laboratórios da Ásia, Europa e Estados Unidos. Quais seriam eles? Não disse. Se confirmado, o aval para a compra de vacinas não aprovadas pela Anvisa pode abrir portas para imunizantes que ponham em risco a segurança da população.
O ministro da Saúde, que nunca escondeu a simpatia pela proposta, deu ontem mais uma demonstração de apreço. “Se houver apoio da iniciativa privada na compra de vacinas, melhor, pois teremos capacidade de acelerar essa vacinação”, disse Marcelo Queiroga, em visita ao Rio Grande do Sul. E ainda completou: “Não é o momento de ficar ‘ah, porque o privado vai furar a fila’, é preciso parar com isso, vamos nos unir”.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou ontem que um novo lote do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) foi liberado para exportação pela China. A remessa contendo a matéria-prima necessária para a produção da CoronaVac deve chegar ao Brasil até o próximo dia 20.
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CPI da Covid complica ainda mais situação do genocida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU