08 Fevereiro 2021
"A pandemia nos lançou em um "além" tecnológico e esterilizado, do qual não é fácil retornar. A única maneira segura, na opinião do autor, para ressurgir da pandemia com mais consciência e força do que antes é recomeçar a partir das certezas do sentimento. Crepet pega o leitor pela mão e o guia para retornar à normalidade, recuperado de um naufrágio emocional e também capaz de fortalecer", escreve Manuela Minucci, em artigo publicado por La Stampa, 07-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A palavra de ordem, para alguns, é força. Para outros, fragilidade ou (a agora onipresente) resiliência. Essas são as modalidades entre as quais a humanidade terá que escolher para sair do confinamento o menos prejudicado possível. O confinamento destruidor-de-afeto que apagou todas as certezas foi apenas um apocalipse ou foi também uma oportunidade de enriquecimento? Mais ainda: é possível voltar para trás? Ou será que o “digito ergo sum", a smartização da vida, um like em vez de um abraço, os cumprimentos via Skype da avó em substituição do seu formidável bolo de chocolate, já ultrapassaram os limites da adaptabilidade humana?
É o cerne do debate que o livro La fragilità del bene (Einaudi, 455 p., 15 euros) do psiquiatra Paolo Crepet quer provocar. Reúne três ensaios, escritos no passado, mas repropostos com poderosa atualidade, sobre os pilares da existência: amor, amizade, felicidade. Uma espécie de Ética para homens e mulheres contemporâneos: “Hoje mais do que nunca - explica Crepet - para sair do abraço mortal do vírus e começar a olhar para o futuro, precisamos resgatar e reeditar três palavras sagradas que o presente tornou-o ainda mais frágeis: porque durante o lockdown todos nós descobrimos repentinamente que bens primários, como a liberdade de estar perto ou abraçar, não eram algo dado como certo, assim como a beleza e a saúde. Percebemos como era curto o caminho para nos tornarmos analfabetos emocionais”.
A pandemia nos lançou em um "além" tecnológico e esterilizado, do qual não é fácil retornar. A única maneira segura, na opinião do autor, para ressurgir da pandemia com mais consciência e força do que antes é recomeçar a partir das certezas do sentimento. Crepet pega o leitor pela mão e o guia para retornar à normalidade, recuperado de um naufrágio emocional e também capaz de fortalecer.
Um ensaio apaixonado, em suma, que enfoca os laços que tornam nossas vidas únicas. Partindo do fato de que o isolamento imposto pela pandemia nos terá ensinado alguma coisa, principalmente se a distância inclusive mental a que nos acostumaram os encontros no Zoom e o ensino via web não se tornará um modus vivendi: “Com isso eu não quero dizer que assim que a peste passar, vamos voltar a dançar - explica Crepet - mas certamente, depois de ter entendido que se pode trabalhar de forma smart, ou dizer olá para um amigo pelo WhatsApp, tudo isso nunca poderá substituir a verdadeira vida: aquela de um sorvete desfrutado com a nossa melhor amiga, o nascimento de uma ideia de uma equipa que trabalha lado a lado, no mesmo local, transformando a bola de pingue-pongue que quica na mesa numa jogada vencedora. "Efeitos que se obtêm graças à empatia, à partilha e também a uma especial linguagem do corpo”.
O espaço e o tempo terão que voltar a conter o inesperado, que é o sal da experiência. “Porque é muito diferente viajar pelo mundo no Google Earth ou sentir com o próprio nariz o perfume da canela ou do cominho que invade o Grande Bazar de Istambul. Aquela será novamente felicidade verdadeira e não virtual, um trem sem horário que você nunca sabe quando vai passar”.
O pós-lockdown deve, portanto, ser imaginado como um grande “reativador dos sentidos”, graças ao amor, à amizade e ao reconhecimento da verdadeira felicidade. Nada nunca mais será como antes. Continuaremos a trabalhar de casa, a desconfiar de um abraço ou a estudar no tablet: “Estaremos mais conscientes da presença do bem, da importância de um amigo com quem partilhar um jogo ou de uma grande dor, mas, acima de tudo, estaremos tão entediados com a tecnologia que buscaremos a autenticidade, a experiência ao vivo agora removida”.
Mas aqui está a nova encruzilhada. Será que nas pessoas prevalecerá esse desejo de usufruir ao vivo dos dias ou a "síndrome da toca"? “Na minha opinião - responde Crepet - Zuckerberg ou Besos não levaram em conta que o ser humano é capaz de ficar entediado. E não é com o uso de teclados dourados para novos celulares altamente inteligentes que ele poderá ser conquistado para sempre”.
Em suma, devemos partir dos fundamentos. Como a amizade que “apesar de ser como uma planta suculenta que precisa de pouca água, se alimenta de proximidade, de gestos, do lanchinho compartilhado lado a lado”. Se o amor “não pode se tornar uma mensagem lacônica lançada no universo distraído”, também não pode contar com a probabilidade de que uma alma encontre outra na noite dos jogos tecnológicos. E independentemente de nossa opinião, o psiquiatra recomenda se revisitar o ensinamento de livros como Zen e a arte da manutenção da motocicleta. É necessário restaurar o brilho, a partir da interioridade e dos detalhes: “O homem é um animal social que não nasce para viver só. Num futuro próximo, as empresas avaliarão a economia de um trabalho ágil, mas depois não poderão deixar de reunir o grupo, porque a criatividade, nestes dias em que estamos fechados em nossas casas-celas, se asfixia, esmorece, se achata e implode". A pandemia turvou uma visão, fazendo com que naufragasse no desespero. Mas além da escuridão existe o ser humano. Aquele verdadeiro, não o homo technologicus.
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A fragilidade do bem, a empatia e a pós-pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU