15 Dezembro 2020
"O que incomoda em Francisco se resume em dois pontos nos quais ele insiste com força: a misericórdia, que é julgada prejudicial à Igreja como instituição e à vida cristã, e a presença dos pobres, os "descartados", os imigrantes, os invisíveis , ou melhor, daqueles que não se querem ver", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 14-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daqui a três dias, no dia 17 de dezembro, o Papa Francisco completa seus oitenta e quatro anos. Muitos para um homem e para um Papa que tem uma missão extraordinária, estendida por todo o planeta, e é sinal de comunhão para um bilhão de católicos. Há mais de sete anos é bispo de Roma e conhecemos bem as características de seu ministério petrino. Os últimos papas se diferenciaram no estilo, na teologia, no caráter humano, mas Francisco desde o início surpreendeu e escandalizou muitos na Igreja e despertou o interesse e a escuta daqueles que se sentiam "fora" ou nutriam desconfianças pela religião. Devemos reconhecer isso: ele é um sinal de contradição em uma Igreja que, especialmente no mundo ocidental, vive uma crise entre as mais profundas de sua história.
Sem esquecer a complexidade da atual situação eclesial, será possível dar uma resposta sintética ao motivo de tal polarização em torno de Francisco? Desde que o Papa mostrou sinais na direção de uma primazia absoluta atribuída ao Evangelho sobre qualquer realidade católica, escrevi que isso desencadearia os poderes inimigos; estes, postos contra a parede, iriam reagir gerando uma situação em que o Papa, por necessidade humana e divina, só poderia sofrer rejeição, deslegitimação e acusações. E assim aconteceu.
O que incomoda em Francisco se resume em dois pontos nos quais ele insiste com força: a misericórdia, que é julgada prejudicial à Igreja como instituição e à vida cristã, e a presença dos pobres, os "descartados", os imigrantes, os invisíveis , ou melhor, daqueles que não queremos ver.
O Papa Francisco é um conservador e não pode ser diferente para um homem de sua idade, sua linguagem é muitas vezes defasada. Por exemplo, quando evoca entre os sinais dos tempos a figura da mulher, ele o faz recorrendo à cultura que o formou, hoje ultrapassada.
A sua moral é aquela da tradição cristã, mas é verdade que para ele Jesus Cristo não é primariamente uma doutrina, uma moral, mas sim vida. Para ele, converter-se ao cristianismo significa "converter-se à vida", segundo a bela definição da conversão presente nos Atos dos Apóstolos. E quem se converte à vida vive de misericórdia para com os pecadores, de amor para com os pobres.
Quando Francisco faz homilias, se sente a paixão do Evangelho em suas palavras e se percebe que para ele o Evangelho é vida, não ideologia. Isso não é fácil de ser aceito pelos "devotos". Mas um pastor da Igreja deve ser dotado de firmeza na fé, discernimento e misericórdia: nada mais!
Não sou um laudator de Francisco e às vezes fico perplexo com alguns dos resultados de seu discernimento, que, aliás, como jesuíta, é exercido. Mas o discernimento não é infalível e até mesmo o sucessor de Pedro às vezes pode falhar. Em todo caso, estou convencido de que o Papa Francisco não será lembrado por reformas das quais vemos apenas o esboço, o início de um processo, mas pelo primado conferido ao Evangelho como palavra viva que julga toda realidade eclesial, religiosa e mundana.
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O Papa e o primado do Evangelho. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU