09 Dezembro 2020
Em três densos dias (19 a 21 de novembro de 2020), estudantes, economistas e empreendedores com menos de 35 anos, de 115 países, responderam ao apelo do Papa Francisco para construir um novo pensamento e uma nova espiritualidade, dando novamente uma alma a uma economia doente.
O comentário é de Mario Chiaro, publicado por Settimana News, 08-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Quero dar graças ao divino Labirinto / dos efeitos e das causas / pela diversidade das criaturas / que formam este singular universo, / pela razão, que não deixará de sonhar / com um plano do labirinto” (“Outro poema dos dons”, J. L. Borges).
Esse texto, lido durante o evento “A economia de Francisco” (19 a 21 de novembro de 2020), pode servir de marco digno para os três dias vividos online com milhares de jovens, conectados de todo o mundo com Assis, para um pacto econômico que olha para o futuro.
Estudantes, economistas e empreendedores refletiram justamente sobre o divino labirinto da vida para fazer florescer uma economia que seja “não para os últimos, mas com os últimos”.
Segundo a economista salesiana Ir. Alessandra Smerilli, professora do Auxilium e membro da comissão científica do evento, os três dias narraram um processo que já começou e que continua. Em plena pandemia, a reavaliação do cuidado em todos os aspectos da vida econômica foi um tema transversal em todos os trabalhos.
Desenvolveu-se o objetivo de “reanimar” a economia, reunindo 2.000 jovens economistas e empreendedores, em diálogo entre si e com ilustres convidados.
O valor adjunto desse evento é justamente a realização de uma aliança inédita entre jovens e adultos. “A Economia de Francisco não é o protagonismo dos jovens, é a inauguração de um novo modo de trabalhar que reúne em reciprocidade jovens e adultos de todo o mundo.”
Esses jovens aderiram a um apelo do Papa Francisco de maio de 2019 e tiveram a possibilidade de mostrar as propostas elaboradas até aqui, de contar um trecho de caminho já percorrido junto com a intenção, porém, de continuar caminhando, por meio de 12 aldeias temáticas [1].
Entre os conferencistas conectados pela internet, o primeiro dia foi inaugurado pelo economista Jeffrey Sachs, cujo discurso foi dedicado a “Três propostas para a vida florescer. Modelos de negócios para uma economia mais humana”: foi-lhe apresentada a proposta de um “Child Flourish Index”, um índice para avaliar o bem-estar infantil.
Em segundo lugar, refletiu-se sobre um “Plano de recuperação para o mundo”: os conferencistas (Caruso, Cárdenas e Snyder) abordaram os temas da relação entre economia e paz. Em particular, Caruso, professor de economia da paz, abordou a questão da relação entre interesse público e setor privado na busca da paz: “Esse aspecto é particularmente relevante se olharmos para a indústria militar, em que incentivos privados muitas vezes tendem a colidir com o interesse da coletividade. Há também um papel do setor privado na alocação de seus recursos em investimentos que não sejam prenúncios de conflitos, mas motores de resolução deles”.
No segundo dia, a primeira parte foi dedicada ao tema “Generatividade, bens relacionais e sociedade civil”: o sociólogo Mauro Magatti contestou o nosso modelo econômico dominado pelo circuito produção-consumo: “Produzir e consumir são duas dimensões antropológicas profundas. O problema surge quando essas duas formas do agir pretendem se tornar absolutas e preencher e dar sentido às nossas vidas”.
Propõe-se, portanto, uma orientação para um movimento antropológico também original, o de gerar: “Tal movimento inicia no momento empreendedor – trazer ao mundo (…) Desenvolve-se no organizacional – cuidar, mediante o qual nos confrontamos com a realidade, para compreender quem somos realmente (os nossos limites e as nossas capacidades) e a aprender a estar com os outros (…) e que chega até o promocional – o abrir mão”.
A economia generativa é aquela que trabalha para criar as condições socioinstitucionais para que esse movimento antropológico, na base de um novo impulso econômico pós-consumista, seja reconhecido e fortalecido.
O desejo de outras intervenções foi o de passar do modelo de duas mãos (mercado e instituições) para o modelo das quatro mãos: mercado, instituições, cidadania ativa e empresas responsáveis.
No mesmo dia, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006 e idealizador do microcrédito, Muhammad Yunus, também falou em uma conferência dedicada a “Finanças e humanidade”. Ele traçou o caminho para uma mudança de paradigma: “A pandemia da Covid-19 revelou todas as fraquezas do sistema atual. Aqueles que estavam às margens da existência em nível global acabaram ainda mais nas margens. Agora, todos estão trabalhando para voltar à situação anterior à pandemia. Mas por que queremos voltar àquele sistema, que era terrível? O trem que estava nos levando para a morte parou. É o momento de descer e de nos perguntar: queremos voltar atrás ou é o momento certo para seguir na direção oposta: um mundo sem poluição, sem concentração da riqueza, sem desemprego em massa?”.
No geral, foi um ataque frontal às finanças e aos bancos, que, com enormes ganhos alimentados por produtos derivativos, criaram um perigoso “mundo de fantasia”.
No último dia, foi realizada uma sessão interativa sobre o tema “Vocação e lucro”. O apelo geral foi ao bem comum de todos, relido pelos jovens à luz do ensino social da Igreja e representado por uma árvore com grandes raízes: dignidade de cada pessoa, solidariedade, serviço permanente, sustentabilidade (o benefício vocacional próprio), subsidiariedade, cocriatividade.
A economista inglesa Kate Raworth ilustrou a sua teoria sobre a “economia da rosquinha” como uma bússola para um século XXI marcado por crises financeiras, ecológicas e sanitárias. Todos vivemos interconectados em um planeta-aquário que se revela como um ambiente hospitaleiro para a vida. No entanto, estamos longe de pô-lo em equilíbrio, e a próxima década é crucial.
A “rosquinha” é organizada de tal forma que, no centro, estão distribuídas em diversas categorias as carências essenciais das pessoas, enquanto do lado de fora da rosquinha estão contrapostos os limites ecológicos dos sistemas naturais (mudanças climáticas, poluição química, perda de biodiversidade etc.). Precisamente entre esses dois conjuntos de limites, existe um espaço para a humanidade, igualitário do ponto de vista social e natural.
Diagrama que representa a chamada “economia da rosquinha”, de Kate Raworth
Durante a segunda metade do século XX, o desenvolvimento econômico global assegurou a milhões de pessoas as necessidades fundamentais mínimas. Infelizmente, porém, esse efeito positivo foi acompanhado por um aumento vertiginoso da atividade humana (a “grande aceleração”) e da exploração irresponsável dos recursos naturais.
Nesse contexto, o economista e ensaísta Perkins evocou mais duas imagens: estamos em uma economia do deserto (um sistema em que ninguém está no lugar certo) e viajamos na astronave Terra que vai rumo ao desastre. A Covid-19 acelerou os processos e revelou todas as nossas vulnerabilidades. Portanto, são necessários centros incubadores de novas formas econômicas e um novo esforço educacional em nível mundial.
O Papa Francisco não usou meias palavras para dirigir aos jovens o seu apelo final, para que eles sejam artífices do presente e do futuro da sociedade e da Igreja. Com uma videomensagem, a partir do apelo do Pobrezinho de Assis (“Francisco, vai, repara a minha casa que, como vês, está em ruínas”) [2], o pontífice indicou a urgência de “uma narrativa econômica diferente”.
É preciso uma responsável tomada de consciência de todos os atores sociais e em particular dos jovens: “As consequências das nossas ações e decisões afetarão vocês em primeira pessoa. Portanto, vocês não podem ficar de fora dos lugares onde se gera não digo o futuro de vocês, mas o presente de vocês. Vocês não podem ficar de fora de onde se geram o presente e o futuro. Ou vocês se envolvem, ou a história vai passar por cima de vocês”.
Neste tempo, porém, há uma “fragmentação nas análises e nos diagnósticos, que acaba bloqueando toda solução possível. No fundo, falta-nos a cultura necessária para permitir e estimular a abertura de visões diferentes, marcadas por um tipo de pensamento, de política, de programas educacionais e também de espiritualidade que não se deixe encerrar por uma única lógica dominante. Se é urgente encontrar respostas, é indispensável fazer crescer e apoiar grupos dirigentes capazes de elaborar cultura, iniciar processos – não se esqueçam desta palavra: iniciar processos –, traçar caminhos, alargar horizontes, criar pertencimentos”.
Os elogios do pontífice foram à metodologia e ao estilo experimentados pelos jovens na construção do evento de Assis, aquela necessária cultura do encontro, que é o oposto da cultura do descarte. Estar em torno da mesma mesa para dialogar, pensar, discutir e criar, em uma perspectiva poliédrica, as diferentes dimensões e as respostas aos problemas globais.
“Esse exercício de se encontrar para além de todas as legítimas diferenças é o passo fundamental para qualquer transformação que ajude a dar vida a uma nova mentalidade cultural e, portanto, econômica, política e social.”
Não estamos condenados a modelos econômicos que concentram o seu interesse imediato no lucro. Não basta sequer focar na busca de paliativos no terceiro setor ou em modelos filantrópicos.
“É necessário aceitar estruturalmente que os pobres têm a dignidade suficiente para se sentar nos nossos encontros, participar das nossas discussões e levar o pão para as suas casas. E isso é muito mais do que assistencialismo: estamos falando de uma conversão e transformação das nossas prioridades e do lugar do outro nas nossas políticas e na ordem social (…) Lembrem-se da herança do Iluminismo, das elites iluminadas. Tudo para o povo, nada com o povo. E isso não está certo. Não pensemos por eles: pensemos com eles. E com eles aprendamos a avançar modelos econômicos que beneficiarão a todos, porque a abordagem estrutural e decisória será determinada pelo desenvolvimento humano integral, tão bem elaborado pela doutrina social da Igreja.”
O pensamento final é o de não escolher atalhos, que seduzem e impedem de se misturar para ser fermento onde nos encontramos: “Nada de atalhos: fermento, sujar-se as mãos (…) Não tenham medo de se envolver e de tocar na alma das cidades com o olhar de Jesus; não tenham medo de habitar corajosamente os conflitos e as encruzilhadas da história para ungi-los com o aroma das Bem-aventuranças. Não tenham medo, porque ninguém se salva sozinho. Ninguém se salva sozinho. A vocês, jovens, provenientes de 115 países, convido-lhes a reconhecer que precisamos uns dos outros para dar vida a essa cultura econômica, capaz de fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer esperanças, estimular confiança, enfaixar feridas, tecer relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns com os outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restaure a força às mãos e inspire nos jovens – todos os jovens, sem excluir ninguém – a visão de um futuro cheio da alegria do Evangelho”.
Luigino Bruni, professor economista da Universidade Lumsa e do Instituto Universitário Sophia, além de diretor científico do evento, destacou a importância do apelo final dos jovens em 12 pontos, “nos quais eles pediram, entre outras coisas, que sejam introduzidos comitês de ética nas empresas, que sejam abolidos os paraísos fiscais, que sejam revisados a governança e gestão das empresas. Os jovens são sonhadores de olhos abertos, com a sua nota típica que é a positividade: eles são a saúde do mundo, não tanto a doença. Eles tendem a ver o seu trabalho, fazer negócios, como algo bonito, porque é a vida deles. Não é verdade que eles não querem adultos ao seu lado: eles os querem, se não forem patrões ou prepotentes. Foi bonito ver jovens e prêmios Nobel dialogando como iguais: os jovens têm estima pelos melhores mais renomados e famosos e têm respeito pelas competências, porque sabem que são o fruto bom de uma vida madura ou idosa”.
[1] Os temas das “aldeias” foram os seguintes: 1) trabalho e cuidado, 2) finanças e humanidade, 3) política e felicidade, 4) vida e estilos de vida, 5) CO2 das desigualdades, 6) negócios e paz, 7) negócios em transição, 8) mulheres para a economia, 9) gestão e dom, 10) energia e pobreza, 11) agricultura e justiça, 12) lucro e vocação.
[2] Dentro do percurso sobre a economia, foi proposto também um itinerário de evangelização (“Tu a tu con Francesco”) segundo as passagens e os lugares da experiência humana e espiritual de Francisco de Assis: Santuário da Espoliação: o alvorecer de uma vocação, o reinício de uma vida; Santuário de Rivotorto: o abraço ao leproso, a fraternidade improvável; Palácio Monte Frumentário: a economia do pão compartilhado; Basílica de Santa Clara: o talento das mulheres; Igreja de São Damião: o cuidado e a custódia.
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A economia de Francisco: um pacto econômico que olha para o futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU