30 Novembro 2020
Existem caminhos que não devem ser refeitos. Um deles é o da abolição do trabalho infantil. Vergonhosamente, ainda são muitas as pequenas mãos utilizadas para arar os campos, extrair metais das minas, são muitas as crianças forçadas a se levantar de madrugada para vender nos mercados, são muitas as meninas obrigadas a percorrer quilômetros para encontrar a água necessária para a família, forçadas aos trabalhos domésticos que as impede de frequentar a escola, e cujo futuro é apenas o casamento e a gravidez precoces.
A reportagem é de Anna Lisa Antonucci, publicada em L’Osservatore Romano, 27-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A crise socioeconômica mundial causada pela pandemia pode nos levar 20 anos de volta em relação ao trabalho infantil. De acordo com as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Nações Unidas que promove a justiça social e os direitos humanos com referência particular aos do trabalho, há atualmente 152 milhões de crianças trabalhando, das quais 73 milhões são forçadas a formas de trabalho perigoso.
A crise que se abateu sobre o mundo, segundo a OIT, corre o risco de reduzir à extrema pobreza entre 42 milhões e 66 milhões de crianças em 2020, além dos 386 milhões de menores que já viviam na pobreza no fim de 2019. E está comprovado, de acordo com os estudos da OIT, que existe uma relação direta entre o agravamento da pobreza e o aumento do trabalho infantil.
As famílias que sofreram transtornos decorrentes direta ou indiretamente da pandemia – perda de empregos; falta de renda por causa da contenção; interrupção das remessas; despesas médicas imprevistas – podem ser forçados a depender do trabalho infantil para sobreviver. Além disso, em muitas regiões do mundo, a pandemia trouxe consigo um dramático aumento da insegurança alimentar e nutricional entre as famílias vulneráveis.
Portanto, paradoxalmente, o ano de 2021, que a ONU designou como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, poderia ser, pelo contrário, a data de um trágico retorno ao passado. Por isso, a OIT adverte que, não só na ausência de medidas para mitigar e eliminar os efeitos da pandemia, existe o risco de não se atingir o objetivo de desenvolvimento sustentável de erradicar o trabalho infantil até 2050, mas também de cancelar os avanços conquistados duramente nas últimas duas décadas na luta contra essa praga.
Os estudos sobre a crise econômico-financeira de 2008-2009 revelaram que as famílias de trabalhadores migrantes que sofreram uma queda nas remessas se viram obrigadas a fazer com que seus próprios filhos trabalhassem. E agora, segundo a OIT, já estão surgindo novos casos de menores forçados à escravidão.
A pobreza constrange as famílias a obrigar os próprios filhos a trabalhar para obter um empréstimo ou pagar uma dívida. Os menores são forçados à servidão doméstica e utilizados como mão de obra em setores perigosos, como o da mineração e da agricultura, além de várias atividades em condições de trabalho precárias.
Além disso, segundo a agência da ONU, as famílias desesperadas estão forçando seus próprios filhos a procurar comida e dinheiro nas ruas, expondo-os a todos os tipos de riscos. Muitas vezes, os pais se adaptam também ao fato de mandarem seus filhos para trabalhar em outro lugar, submetendo-os ainda mais à exploração e ao risco de acabar nas garras dos traficantes de seres humanos.
Em um momento em que a maioria das crianças não vai à escola, fechadas por causa do vírus, também desaparece aquela proteção social que a educação garante. Outras pandemias também demonstraram que, assim que elas abandonaram a escola e entraram em atividades lucrativas, as crianças dificilmente voltam à sala de aula. Esse foi o caso da pandemia de Ebola de 2014 na África ocidental, quando a maioria dos cinco milhões de crianças afetadas pelo fechamento das escolas nunca mais voltou às aulas, e os casos de gravidez na adolescência e de casamento infantil aumentaram.
Por fim, em muitos contextos, a pandemia forçou as crianças a novos papéis laborais dentro das famílias, porque são percebidas como mais resistentes ao vírus. Assim – por exemplo, em Mianmar, onde as famílias acreditam erroneamente que os menores têm menos probabilidade de se infectar – eles são encarregados de fazer as compras fora de casa, são obrigados a cuidar das crianças menores e dos doentes, ou vão trabalhar apesar das medidas de quarentena.
Convém, portanto, relembrar as palavras de Iqbal Masih, menino operário e ativista paquistanês que se tornou um símbolo da luta contra o trabalho infantil: “Nenhuma criança deveria empunhar um instrumento de trabalho. Os únicos instrumentos de trabalho que uma criança deve ter nas mãos são canetas e lápis”.
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Pandemia exacerba exploração do trabalho infantil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU