24 Novembro 2020
"Ensinar diante de uma tela significa não recuar diante da necessidade de encontrar uma nova adaptação imposta pelas adversidades da realidade, testemunhando que a formação nunca se dá sob a garantia do ideal, mas sempre contra o vento, com o que existe e não com aquilo que deveria existir e não existe. Trata-se de uma lição na lição que nossos filhos devem assumir para si, evitando por sua vez repetir a lamentação de seus pais. Não haverá nenhuma geração Covid a não ser que os adultos e, sobretudo, os educadores insistam em pensá-la e nomeá-la assim, deixando para nossos jovens o opaco benefício da vítima: o de se lastimar, quiçá por uma vida toda, pelas ocasiões que lhes foram injustamente roubadas", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 23-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nunca percebemos tanto a importância da Escola como a partir do momento em que fomos obrigados a fechá-la pela emergência sanitária. Poderia ter sido feito mais?
Havia outras possibilidades? Observo que a Escola continuou aberta, apesar de ter sido efetivamente fechada. Essa abertura coincide em primeiro lugar com o chamado ensino a distância. A rigor, como é bem sabido por todos os professores, esta é uma contradição em termos porque o ensino implica em si relação, presença dos corpos, estar junto numa comunidade viva sem a mediação asséptica garantida pela tecnologia. Certamente, poder-se-ia falar mais, tanto do lado do professor quanto do lado dos alunos, sobre os inúmeros limites desse ensino.
Evidentemente, não é de forma alguma, como dizem, o ideal.
Na verdade, implica um esforço adicional em comparação com o ensino presencial, mas sem atingir os mesmos resultados. Mas, tentemos nos perguntar: quando foi que ocorreu um processo de formação seguindo uma trajetória ideal? Aqueles que trabalham de várias maneiras na formação sabem bem que o que realmente molda nossa vida nunca está na ordem do ideal. Os maiores efeitos formativos são gerados não de sucessos ou gratificações, de desempenhos admiráveis ou de afirmações sem questionamentos, mas das quedas, dos fracassos, das derrotas e das desorientações.
Pois bem, não é isso que está acontecendo sob o terrível magistério do Covid 19? Nossos filhos não se veem confrontados com a dureza da realidade, em vez do mundo sempre um pouco protegido do ideal? Todo autêntico processo de formação nunca é um percurso linear, sem interrupções ou adversidades, nunca é como percorrer uma autoestrada vazia. O movimento próprio de toda formação é espiraliforme e diz respeito sobretudo à capacidade de responder à ferida e ao trauma: como fazer para se levantar depois de uma queda? Como se faz para recomeçar, como se retoma o caminho depois de ter-se perdido?
Cada formação é feita de bons e maus encontros, boa e má sorte. Os pais contemporâneos (bem antes do Covid) gostariam, ao contrário, de evitar para seus filhos a experiência do obstáculo e o duro impacto com a realidade, o sofrimento e a frustração. Por isso eles podem hoje gritar apreensivamente contra o trauma, preocupar-se com todo o tempo irreversivelmente perdido pelos filhos, maldizer as renúncias a que foram injustamente submetidos. Mas, desta forma, eles correrão o risco inevitável de vitimizar seus filhos e uma intergeração.
Se os nossos jovens não puderam se beneficiar de um ensino presencial durante este ano, se perderam uma quantidade de horas e noções significativas e de possibilidades de relações, isso não significa de forma alguma que estejam diante do irreparável. A reclamação nunca fez ninguém crescer, ao contrário, tende apenas a promover uma parada do desenvolvimento em uma posição infantilmente recriminatória. Contrariar o risco de vitimização é o gesto ético e educativo daqueles professores que se empenham realizando saltos mortais para fazer existir um ensino a distância.
Ensinar diante de uma tela significa não recuar diante da necessidade de encontrar uma nova adaptação imposta pelas adversidades da realidade, testemunhando que a formação nunca se dá sob a garantia do ideal, mas sempre contra o vento, com o que existe e não com aquilo que deveria existir e não existe. Trata-se de uma lição na lição que nossos filhos devem assumir para si, evitando por sua vez repetir a lamentação de seus pais. Não haverá nenhuma geração Covid a não ser que os adultos e, sobretudo, os educadores insistam em pensá-la e nomeá-la assim, deixando para nossos jovens o opaco benefício da vítima: o de se lastimar, quiçá por uma vida toda, pelas ocasiões que lhes foram injustamente roubadas.
Vamos lá pessoal, vocês ainda têm tempo mesmo que estejam atrasados! Afinal, na vida é sempre assim para todos: sempre ainda temos tempo, mesmo que sempre estejamos atrasados.
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Não à Geração Covid. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU