13 Agosto 2020
"As sucessivas quarentenas trouxeram alternativas: já existentes, e ignoradas. Entre elas a educação à distância e do ensino domiciliar, induzindo outras estratégias pedagógicas. Os colégios tem o mesmo formato há 500 anos. Os novos propósitos procurariam despertar as famílias para as suas responsabilidades constitucionais, inspirando-as a adotar metodologias próprias de ensino dentro do lar", escreve Aylê-Salassié Filgueiras Quintão, jornalista e professor.
Quase 500 mil professores ligados à rede privada de educação patinam angustiados, receosos de ter seus contratos de trabalho suspensos, tão logo se admita que as escolas poderão retomar ao funcionamento regular. Os custos da educação subiram, os salários tendem a ser congelados, e os empregos a desaparecer por um longo período.
Na área da educação pública, parte dos 2.2 milhões de professores se vê diante de dilemas similares. Além da desatualização tecnológica e pedagógica, os que não fazem pesquisas, não vão ter o que fazer. A evasão escolar é superior a 2 milhões de estudantes. Muitas salas ficarão vazias por falta de alunos.
O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 estabelece que "A educação, direito de todos, dever família e do Estado, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". A questão, que todos evitam, é: estariam as famílias preparadas para assumir esses encargos pedagógicos, humanizantes e civilizatórios?
Não faltam empreendedores, governos, partidos e ideologias tentando assumir o processo, politizando e até militarizando a educação. Para isso, procuram desqualificar as disposições constitucionais que a enraízam à família. Tenta-se, de todo jeito, transferi-la para o Estado, fonte de todas as soluções, de todos os males e, sobretudo, dono do dinheiro. Não há orçamento público que suporte o volume de demandas e necessidades nessa área.
As sucessivas quarentenas trouxeram alternativas: já existentes, e ignoradas. Entre elas a educação à distância e do ensino domiciliar, induzindo outras estratégias pedagógicas. Os colégios tem o mesmo formato há 500 anos. Os novos propósitos procurariam despertar as famílias para as suas responsabilidades constitucionais, inspirando-as a adotar metodologias próprias de ensino dentro do lar, com as quais reaproximamo-nos, convivendo em quarentenas. É o momento da incorporação, junto com a escola, dessa enorme quantidade de docentes inativos, pais desempregados e aposentados desocupados ao processo educacional, ensinando em casa. Existem mais de 250 milhões de linhas telefônicas digitais no País e perto de 100 milhões de computadores nos lares brasileiros e, esses milhares de professores fora da sala.
A família nasceu antes do Estado, mostra Engels, estando, de acordo a pesquisadora Maria Berenice Dias, que ela está acima do próprio direito: “...a família é o primeiro agente sociabilizador do ser humano”. É um “núcleo social”, relativamente pequeno, em que nasce, cresce e se desenvolve, disciplinando as relações de ordem. Constitui-se na base da sociedade pessoal, comunitária ou nacional. Portanto, o dever implícito não é apenas matricular o filho na escola. A maternidade e a paternidade responsáveis vão muito além da simples matrícula na escola ou apenas uma noitada de motel.
Por isso, ao mesmo tempo que sacode o sistema educacional, a pandemia tem criado novos impasses. Visto do ângulo do Covid-19, seria casuístico. No processo, uma responsabilidade que não poderia ser ignorada tem sido essas tentativas recentes de politizar e até militarizar a educação e, em consequência, desqualificar intencionalmente as disposições constitucionais de enraizar a educação na família, transferindo a responsabilidade para o Estado.
Como agente sociabilizador da criança, quando os pais a conduzem à escola, ela já leva consigo uma valiosa bagagem de experiência, linguagem, conhecimentos, valores, princípios, ou seja, seus primeiros hábitos de sociabilidade, de disciplina, que certamente serão a base para a aprendizagem e até para a formação do caráter. Porém, isso só ocorre, graças à segurança afetiva que o ambiente familiar proporciona, pelo amor, aceitação, estabilidade, confiança. E isso a ECA não resolve, operando quase sempre fora da realidade...
A pandemia tem colocado em dúvida argumentos de que só se aprende na escola. A sociabilidade começa na família, avança entre parentes e amigos, chega à escola e desemboca no mercado de trabalho, onde está, de fato, o conteúdo. Isso indica uma direção pedagógica nova para o ensino livresco e ritualizado nas salas de aula. Por quê não? Já se tem saúde em casa, médicos cubanos , horticultura, home office, doces caseiros, delivery para comida e milhares de outras atividades domiciliares. Não existe nenhuma novidade nisso. Vários países já adotam, com sucesso, o ensino à distância e a educação familiar. Em nome do capital e das ideologias, a família está se deixando ser barbarizada.
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Sociabiliza-se na escola, mas aprender é com a família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU