01 Agosto 2020
"Tal qual hoje se promete universalização do saneamento com a entrega do serviço para o capital privado, mais de 20 atrás se fez o mesmo com as telecomunicações. E o resultado são crianças sem acesso à internet para o direito básico: a educação", escreve Wagner de Alcântara Aragão, jornalista, professor e editor da Rede Macuco, em artigo publicado por Brasil Debate, 30-07-2020.
O ensino à distância imposto pela pandemia de covid-19 escancara a exclusão digital. Não é raro tomarmos conhecimento de professores e professoras pedalando ou caminhando por quilômetros, indo por conta própria, levar atividades a seus estudantes, já que uma boa parcela deles não dispõe de acesso à internet.
O gesto de solidariedade, de comprometimento com a função de educar, sensibiliza. É enaltecido, e assim deve ser. No entanto, a ternura com que observamos essas cenas deve vir acompanhada de indignação e cobrança por políticas públicas que efetivem o acesso à internet como um direito. Até porque foi isso que nos prometeram, mais de 20 anos atrás, com a privatização do Sistema Telebrás.
E, parênteses, é o que se promete agora com o novo “marco regulatório” do saneamento. Governo e elite política e econômica conseguiram impor a entrega da água e do esgoto ao capital privado sob o argumento de que por aí seria o caminho para a universalização desses serviços. Em 1998, quando entregaram o Sistema Telebrás, o canto da sereia era o mesmo: com “investimentos privados”, o país todo ficaria conectado.
Balela. Sabemos que, sendo da natureza da iniciativa privada a busca pelo lucro, não chegariam redes de telecomunicações às periferias, às comunidades rurais, ribeirinhas, caiçaras, quilombolas, indígenas. Pelo simples motivo de que o recurso despendido não daria retorno, lucro imediato. Alguém acha que vai ser diferente com água e saneamento?
Em 2010, ainda no Governo Lula, foi lançado o Plano Nacional de Banda Larga – um conjunto de ações para massificar o acesso à internet. Numa demonstração de que o capital privado não dá conta de universalizar, porque sai caro e é pouco rentável, é que o Plano Nacional de Banda Larga estabeleceu a retomada do papel do que restou da Telebrás. Ainda assim, o plano era baseado na atuação das operadoras privadas.
O Plano Nacional de Banda Larga previa metas para até o final de 2014. Os resultados não foram satisfatórios, conforme resumiu a jornalista Marina Cardoso, do Intervozes – coletivo de defesa da democratização das comunicações -, em artigo do comecinho de 2015, escrito a partir de um relatório elaborado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal.
Ao término de quatro anos, dos 35 milhões de novos domicílios que, segundo o plano, deveriam estar conectados, só em 23 milhões deles a internet banda larga chegou. Os investimentos da Telebrás e, principalmente, a atuação das companhias privadas ficaram muito aquém do proposto. O artigo foi publicado na Carta Capital, disponível aqui.
Com a crise política pós eleições de 2014 e o golpe de 2016, o Plano Nacional de Banda Larga foi descontinuado. Hoje, de acordo com levantamento feito pelo NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), no país quase 5 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos não têm acesso à internet – 17% da população nessa faixa etária.
Em novembro teremos eleições municipais. O direito a conexão à internet deve estar na pauta dos postulantes a prefeituras e câmaras de vereadores. Tem de ser abordado nos debates, estar presente nos programas de governo. Acesso à internet é acesso ao ensino, à saúde, à cultura e ao lazer. Elitizá-lo é excluir a população de serviços e direitos essenciais.
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Pandemia expõe exclusão digital e fracasso da privatização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU