12 Novembro 2020
Quando Al Smith, governador de Nova York, o primeiro católico a ser nomeado ao executivo de um partido estadunidense, e John F. Kennedy, o primeiro presidente católico, concorreram em 1928 e 1960, respectivamente, muitos estadunidenses temiam que, se eleitos, os dois perseguissem uma agenda católica. Nos dias de hoje, pouco se teme a influência do Papa sobre o governo Biden. Na verdade, neste tempo de divisão, pandemia, racismo e aquecimento global, poderíamos fazer pior do que implementar uma agenda verdadeiramente católica.
Aqui estão seis princípios católicos dos quais os EUA podem se beneficiar agora.
O artigo é de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 10-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nosso país está dividido, republicanos e democratas, conservadores e liberais, brancos e negros. Em uma nação tão dividida, precisamos de reconciliação – o sentimento de perdão e de que estamos bem uns com os outros. A reconciliação é tão importante para os católicos que é um sacramento, aquele anteriormente conhecido como Confissão.
O que isso parece na prática é a afirmação da eleição do arcebispo de Los Angeles José H. Gomez, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, que pôs de lado as diferenças entre os bispos com o presidente eleito e pediu a unidade nacional no sábado (07 de novembro), quando as redes projetaram Biden como o vencedor.
“O povo estadunidense falou nesta eleição”, disse ele, sem esperar que o presidente cedesse. “Agora é a hora de nossos líderes se reunirem em um espírito de unidade nacional e se comprometerem ao diálogo e ao compromisso pelo bem comum”.
Os republicanos não parecem ter chegado lá ainda, já que poucos se apresentaram para parabenizar Biden por sua vitória. Veremos se a presença de Biden na Casa Branca os convencerá a investir no bipartidarismo ao invés da divisão.
Reconciliação significa encontrar um terreno comum, não ceder território. Mesmo que os democratas devam se reconciliar, eles também devem fazer tudo o que puderem para ganhar mais duas cadeiras no Senado na Geórgia. Ou também pode reverter as ordens executivas do presidente Trump e restaurar projetos anteriores que foram destruídos pelo governo.
Isso terá de ser feito com cuidado, pois um judiciário republicano estará esperando para derrubar regulamentos que não passaram pelos obstáculos processuais adequados.
Imitando Jesus, a comunidade católica sempre sentiu a obrigação de cuidar dos enfermos. Os primeiros hospitais foram em mosteiros e conventos onde os doentes vinham para cuidados. Hoje, com maior conhecimento científico, há muito mais que podemos fazer para curar os enfermos e prevenir doenças.
No topo da agenda de Biden está lidar com a pandemia de covid-19. Ter um presidente que respeita a ciência e apoia os esforços para reduzir as infecções ajudará, mas não será fácil convencer os apoiadores de Trump de que ele está realmente tentando salvar suas vidas.
As chances de expandir a saúde de forma significativa são mínimas, mas isso não significa que o governo não possa se unir aos republicanos na implementação de reformas que reduzam o custo da saúde. Será mais fácil expandir a saúde no futuro se reduzirmos seus custos agora.
O apoio ao multilateralismo tem sido o foco central do ensino católico e da política externa do Vaticano por mais de um século. A política de “ir sozinho” do governo Trump alienou amigos e prejudicou nossa nação. Biden precisa reverter isso o mais rápido possível.
Devemos retornar ao Acordo do Clima de Paris, resolver nossas guerras comerciais e unir nossos aliados diante das ameaças chinesas e russas. Os EUA devem mais uma vez defender os direitos humanos.
Por ter tantos problemas domésticos para lidar, Biden precisa de um secretário de Estado forte, como o ex-presidente Barack Obama, que terá imediatamente respeito e credibilidade internacional.
O tempo está se esgotando antes que o aquecimento global traga um desastre apocalíptico para o mundo. Essa tem sido uma das principais preocupações do papa Francisco, começando com sua encíclica Laudato Si’ de 2015. Voltar a aderir ao acordo climático de Paris ajudará, mas o Green New Deal, conforme redigido atualmente, não chegará a lugar nenhum no Senado Republicano.
A única maneira de aprovar a legislação ambiental no Senado é empacotá-la de forma que muito dinheiro vá para os estados rurais. As 'verdinhas' podem gerar políticas verdes. Embora os puristas possam se opor a tal lobby, isso é tão estadunidense quanto uma torta de maçã.
Os cientistas estão descobrindo maneiras de reduzir a contribuição da agricultura para o aquecimento global. Eles também encontraram maneiras de a agricultura tirar o carbono do ar e mantê-lo afastado permanentemente. O governo precisa pagar aos agricultores para adotar essas práticas. Se os agricultores gostarem dos programas, os senadores republicanos não poderão ser obstrucionistas.
Enquanto isso, o novo governo deve fazer tudo o que puder por meio de regulamentações governamentais e ordens executivas para combater o aquecimento global e a degradação ambiental.
A Igreja Católica, uma instituição global, é a última grande tenda. Inclui pessoas de todas as raças, nações e culturas. Isso não a impede de ser racista, mas a Igreja vê o racismo dentro e fora da Igreja como um pecado.
Nos EUA, é preciso ser feito mais no combate ao racismo, xenofobia, aplicação da lei, habitação e emprego. Muito pode ser feito pelo Departamento de Justiça e outras agências federais, mesmo que o Senado Republicano atrapalhe a nova legislação. Ordens executivas e regulamentações inadequadas precisam ser revertidas. As leis precisam ser cumpridas. O terrorismo doméstico de supremacistas brancos deve ser combatido.
A Igreja Católica passou a ser definida por sua oposição ao aborto, enquanto Biden foi eleito apesar dos esforços de grupos pró-vida. Mas Biden tem a oportunidade de buscar um terreno comum mesmo aqui. Ele deve nomear uma comissão presidencial para descobrir maneiras de reduzir o número de abortos sem tocar na questão legal.
A comissão deve conter republicanos e democratas pró-vida, incluindo aqueles que foram derrotados para a reeleição para o Congresso. Sua missão seria criar programas que pudessem reduzir o aborto, uma meta que todos deveriam apoiar. Isso pode incluir programas como licença-maternidade, creche, adoção e assistência médica para mães e filhos. Se a comissão chegar a um consenso, poderá ajudar a vender os programas ao Congresso.
Os estadunidenses costumavam temer os católicos da mesma forma que atualmente temem os muçulmanos, mas acho que essa é uma agenda católica que a maioria dos americanos poderia apoiar. Precisamos de reconciliação, cura, cooperação internacional, o fim do aquecimento global e do racismo e menos abortos. Apesar da probabilidade de um impasse no Congresso, o presidente Biden pode fazer muito para levar adiante essa agenda. Seria muito católico.
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Uma vez temidas como intromissão do Vaticano, as ideias católicas poderiam ajudar os EUA a seguir em frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU