30 Outubro 2020
“O processo constituinte que estamos vivendo no Chile precisa ser um processo sem fim, como a própria democracia, só necessitamos impulsioná-lo em todos os espaços possíveis”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 28-10-2020. A tradução é do Cepat.
A propósito do histórico resultado do plebiscito no Chile, no último dia 25 de outubro, em que mais de 78% das pessoas votaram na opção aprovo para elaborar uma nova constituição, o novo desafio é consolidar um processo democrático que vá muito além do eleitoral.
Embora a votação tenha atingido 50,9% do eleitorado, nunca tantas pessoas haviam votado em uma eleição no Chile (7.562.173). Além de ser inédita tanta diferença entre nós que optamos por votar aprovo e convenção constitucional paritária, frente à opção conservadora da rejeição e convenção mista. De fato, a votação e a diferença, em um contexto sem pandemia e de voto obrigatório, poderiam ser muito maiores.
Uma surra eleitoral que mostra que a grande maioria de nós que votamos nesse dia queremos construir um país diferente, não apenas de uns poucos, e que responda realmente à pluralidade de vozes e experiências, para que a dignidade das pessoas, comunidades e territórios se torne rotina.
Não é por acaso, portanto, que nas chamadas zonas de sacrifício, ícones da negação e violência por parte do sistema neoliberal-extrativista, o “aprovo” tenha vencido por mais de 89% dos votos (Freirina, Huasco, Mejillones, Petorca, Illapel, Tocopilla, Chañaral, Andacollo, María Elena, Diego de Almagro). O que nos mostra que o Chile mais maltratado e pisoteado se levantou para dizer basta.
Além disso, esta grande votação não é apenas o resultado da grande revolta de outubro do ano passado, mas é algo que vem sendo construído há décadas, onde as lutas estudantis, socioambientais, feministas, indígenas, de dissidências sexuais, animalistas, de trabalhadores, entre outras, foram gerando as condições políticas para abrir um processo constituinte inédito na história do Chile.
Pelo mesmo, essas lutas devem continuar se articulando para pressionar e exigir grandes transformações na própria convenção constitucional, que provavelmente será cooptada pelos mesmos partidos políticos tradicionais, já que o chamado “Acordo pela Paz Social e a Nova Constituição” restringe bastante o acesso de pessoas que estejam fora desses partidos para fazer parte do novo órgão constitucional.
Por isso, como bem expõe o ex-presidente da Assembleia Constituinte do Equador, Alberto Acosta, a constituição não pode ser apenas o resultado do trabalho daqueles que formarem a convenção constitucional, mas dos próprios cidadãos, que são as e os reais constituintes, que devem ser protagonistas na construção deste novo projeto de vida em comum.
Daí que seja tão ou mais importante o processo de elaboração da constituição do que a própria constituição, já que caso se conquiste uma maior politização da sociedade, com a instalação de cabildos por todas partes, os novos integrantes da convenção constitucional serão obrigados a incluir as grandes demandas históricas na nova constituição. O desafio, por conseguinte, é encontrar mecanismos cidadãos para visibilizar o máximo possível essas demandas.
As demandas são muitas, mas é fundamental que tanto os Direitos Humanos e os da Natureza sejam garantidos na nova constituição, para que assim a propriedade privada nunca mais se interponha sobre outros direitos, e se abra assim um novo caminho que impulsione múltiplas soberanias (alimentar, hídrica, energética).
O mesmo em relação à necessidade de se construir uma constituição plurinacional, onde o centro não seja alcançar o progresso e o desenvolvimento, mas uma vida sustentável territorialmente. Temos muito a aprender dos diferentes povos indígenas e de sua relação com os ecossistemas, e de como estes contribuíram em outros processos constituintes da região.
A respeito dos riscos de que após a aprovação da nova constituição seu cumprimento seja fragilizado por grandes empresas transnacionais ou cooptada por caudilhos autoritários, como aconteceu com países vizinhos, depende do quão organizada ou não a sociedade esteja para estar atenta e exigir o cumprimento dos direitos.
Por tudo o que foi destacado, o processo constituinte que estamos vivendo no Chile precisa ser um processo sem fim, como a própria democracia, só necessitamos impulsioná-lo em todos os espaços possíveis.
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Chile. A construção do poder constituinte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU