20 Outubro 2020
“O que acontece [hoje] é que aqui vemos a tapeçaria do lado cosido e ainda não conseguimos captar o colorido e o deslumbramento da paisagem que se avista do outro lado. Mas ainda é a mesma tapeçaria...”, escreve Pedro Miguel Lamet, padre jesuíta espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 12-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nestes tempos tão tumultuados, gosto de lembrar algumas frases do padre Arrupe, porque sem dúvida ele era um daqueles homens que, como gostava de dizer, tinha “o futuro na medula”. Talvez minha preferida seja a última que ele falou antes de morrer. Foi ouvida pelo padre Mariano Ballester, s.j., que cuidou muito dele nos últimos dias de sua vida e que durante sua doença o ajudou na terapia da fala pois após a trombose que sofreu no retorno de sua viagem à Tailândia e às Filipinas ele teve muita dificuldade para falar e escrever.
Hoje, com a pandemia lá em cima, as injustiças e loucuras políticas que vivemos, são uma verdadeira meditação:
“Para o presente amém, para o futuro aleluia”.
Há mais migalhas do que aparenta. O passado não importa. Aconteceu, não precisa pensar nisso. Alimentar o sentimento de culpa por algo errado é masoquismo, é inútil. Acima de tudo, sabendo que o amor de Deus queima, ele os perdoa. Revirar os negativos do passado é uma forma de protagonismo absurdo, uma falta de fé e uma tortura inútil.
Este momento, o presente, o agora importa. Viver no agora é o segredo da verdadeira felicidade. Mas para isso é necessário aceitá-lo como parte da providência. E isso agora é sempre perfeito porque, para mim, é a vontade de Deus. A amargura surge de não aceitar este momento como ele é. Isso não indica que não queremos transformar e melhorar o mundo. Mas faremos pouco se o fizermos por frustração e amargura. Se passarmos nossas vidas violentados por aquilo que não conseguimos realizar, protestando porque não temos isso ou aquilo, dando chutes na vida, não faremos nada de proveitoso. Este momento, este meu presente é o que tenho e o que Deus quer para mim, perfura o infinito. Viver este momento é uma forma de se estabelecer na eternidade, porque, no fundo, vivo em tudo, mesmo que não perceba. Portanto, “para o presente amém”.
E “para o futuro aleluia”. Eles acusavam o padre Arrupe de ser “um otimista patológico”. Ele respondeu: “Como posso não ser otimista, se acredito em Deus? ”. As pessoas hoje estão muito preocupadas com o futuro: “O que será de mim, da minha família, do mundo. Para onde essa pandemia vai nos levar? Como vamos sair desta enorme crise econômica e de saúde?”. E pessoalmente, o futuro do meu trabalho, a esposa, o marido, os filhos e um longo et cetera.
Teilhard de Chardin, que concebeu o cosmos como uma flecha com sentido, disse: “Tudo o que acontece é adorável”. Importa este momento, o presente, o agora. Viver o agora é o segredo da verdadeira felicidade. Mas para isso é necessário aceitá-lo como parte da providência. E isso agora é sempre perfeito porque para mim é a vontade de Deus.
E Arrupe com o rosário na mão, durante a última entrevista que deu, em Roma, para a biografia dele que escrevi, muito doente ele me disse: “Nas mãos de Deus”, forçando um sorriso nos lábios paralíticos.
A frase preferida de outro grande santo jesuíta, o padre José María Rubio, formulou-a de outra forma: “Faça o que Deus quiser e queira o que Deus faz”. E Bernanos, “tudo é graça”.
Lembro-me de um filme, um daqueles em que um personagem volta do céu dizendo: “Há um plano”. Sim, existe um plano. O que acontece é que aqui vemos a tapeçaria do lado cosido e ainda não conseguimos captar o colorido e o deslumbramento da paisagem que se avista do outro lado. Mas ainda é a mesma tapeçaria...
Então vamos aproveitar este momento, fechar nossos olhos para ver de outra forma e abri-los para desfrutar o que temos, mesmo que pareça apenas um fiapo de felicidade. Não deixa de ser um sacramento e não nos enredamos com um passado que já não existe e com um futuro que ignoramos, e que para os fiéis será sempre um “final feliz”.
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A última frase de Pedro Arrupe antes de morrer. Artigo de Pedro Miguel Lamet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU